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Universidade Federal de Goiás
Goiás no mapa dos assassinatos transfóbicos

Goiás no mapa dos assassinatos transfóbicos

Em 12/02/20 13:28. Atualizada em 11/03/20 15:22.

Pesquisa da UFG identifica perfil social das vítimas e características de cada crime

Reportagem: Vinícius Paiva e Gustavo Motta
Produção audiovisual: TV UFG 
Podcast: Rádio Universitária
Edição: Luiz Felipe Fernandes e Kharen Stecca
Produção gráfica: Anderson Castro e Frede Aldama

Entre o gênero e a sexualidade, medos, afrontes, paixões e revoluções tornam-se inspiração para músicas de artistas trans e travestis. Que tal transformar seu gosto musical para novos estilos, histórias, performances e vozes? Preparamos uma playlist composta somente por músicas de artistas trans para acompanhar a nossa reportagem. Bora transgredir?    

Na Avenida Liberdade, Giorginye Siqueira foi morta a facadas. Ela era garota de programa, situação de vulnerabilidade que, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), aprisiona e faz parte da realidade de 80% da população trans no Brasil. Sua morte aconteceu no dia 28 de março de 2018, no Setor Garavelo em Aparecida de Goiânia. Seu corpo foi encontrado apenas no dia seguinte, e as reportagens sobre o caso afirmaram que ela foi morta por “um jovem de 27 anos, que abandonou o carro no motel e fugiu”.

A morte de Giorginye Siqueira representa um estado de violência que mostra o impacto da transfobia no Brasil. Segundo a Organização Não Governamental (ONG) Transgender Europe (TGEu), foram registrados no país 868 assassinatos de travestis, homens e mulheres trans, ao longo de oito anos – de 2008 a 2016. No mesmo período, nos outros 34 países do continente americano, 979 travestis, mulheres e homens trans foram assassinados. Ou seja, 46% do total de assassinatos transfóbicos durante esse período em todo o continente, foi no Brasil.

Mas por que pessoas trans são assassinadas?

Segundo o jornalista Vinícius Paiva, que pesquisou o tema em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do curso de Jornalismo na Faculdade de Comunicação e Informação da Universidade Federal de Goiás, corpos trans não são acolhidos socialmente, pois não desempenham as performances de gênero impostas pela sociedade. Portanto, travestis, mulheres trans e homens trans são alvos constantes da transfobia. “Os corpos trans são dotados de singularidades que desestruturam os padrões sociais e fazem como que sejam expostos a atos violentos de pessoas que são incapazes de romper normas e entender outros comportamentos, sexualidades e identidades”, explica.

Embora o Brasil seja o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, ainda não existe uma lei específica para coibir esses crimes. Mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha criminalizado condutas homofóbicas e transfóbicas no dia 13 de junho de 2019, ao enquadrar o ódio às orientações sexuais e identidades de gênero na Lei de Racismo, o caminho para assegurar a vida das pessoas trans é longo. Com essa lei, quem comete um crime LGBTfóbico pode pegar de um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, pagar uma multa.

Segundo a pesquisadora Berenice Bento, graduada em Ciências Sociais pela UFG e professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), essa política sistematizada, intencional e disseminada de eliminação de mulheres trans e travestis é uma violência de gênero motivada pelo ódio, nojo e repulsa, e deve ser nomeada como transfeminicídio. Geralmente, esses crimes são caracterizados em seis recorrências: preconceito ao gênero da vítima; mortes ritualizadas com muita violência; geralmente os assassinatos não resultam em processos criminais; ausência de luto por parte da família; desrespeito à identidade de gênero da vítima nos noticiários; além das mortes acontecerem nas ruas e a noite. Travestis, mulheres trans e homens trans são extremamente vulneráveis aos crimes de execução. Segundo Vinícius Paiva, isso acontece por terem sua existência deslegitimada, ignorada pela sociedade, pelas políticas públicas e pela transfobia institucionalizada.

“Identidade de gênero, prostituição, idade, aspectos socioeconômicos são condições ligadas diretamente à transfobia, enquanto o ódio é o fator determinante para que os assassinatos ocorram. Por isso, é tão importante que assuntos e informações como essa sejam de conhecimento da sociedade”.

A rua como espaço de violência

É no cair da noite e no repousar das famílias que pessoas trans e travestis são assassinadas. Em meio à violência das ruas e aos silêncios da sociedade, os barulhos dos assassinatos surgem nas calçadas, casas de prostituição ou até em pontos de ônibus. De acordo com os dados da Antra, Goiás teve cinco vítimas de transfeminicídio em 2018.

Matéria especial assassinatos transfóbicos

“Mapa assassinatos mulheres trans”



Paola Oliveira foi a primeira delas. Foi assassinada a tiros, enquanto esperava num ponto de ônibus em Luziânia, quarta cidade mais populosa do estado. Giorginye, citada no início da matéria, era travesti e moradora de rua, foi encontrada morta em Aparecida de Goiânia. Cleide Aladio Zamarine foi a terceira pessoa trans assassinada em Goiás no ano de 2018, e também era garota de programa.

Já Déia alves foi assassinada em setembro de 2018, no Setor Ferroviário, em Goiânia. Identificava-se como travesti e trabalhava como garota de programa. No mesmo mês, Natasha Cardoso teve seu corpo encontrado em um quarto de república, em Aparecida de Goiânia. O caso aponta que ela foi morta por conta de procedimentos estéticos feitos caseiramente, na região dos glúteos. Isso acontece porque o acesso ao sistema básico de saúde é negado a essas pessoas, o que aponta para uma negligência transfóbica do poder público.

E os homens trans?
Ainda em 2018, um homem trans identificado como I. Silva foi morto em Itaberaí, com sete tiros. A vítima era um comerciante, que morreu em frente ao local de trabalho. Ele deixou uma esposa. Apesar disso, o assassinato não foi considerado transfeminicídio, porque a definição diz respeito ao gênero feminino, ou seja, contempla mulheres trans e travestis, além das mulheres cisgênero (você pode descobrir qual a diferença entre elas no Quadro “Identidade de gênero, o que é isso?” abaixo).

Matéria especial assassinatos transfóbicos
“Mapa assassinato homens trans”

Como I. Silva era um homem trans, ele sofreu um crime de transfobia, pois o transfeminicídio é motivado diretamente pela violência de gênero. Homens trans, comumente, não são socialmente entendidos como homens, não têm suas identidades respeitadas, mas são vítimas de assassinatos transfóbicos, e não de crime de transfeminicídio.

 

Expectativa de vida abaixo da média

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa média de vida dos brasileiros é de 76 anos, mas essa estatística exclui a realidade das pessoas trans. Conforme dados da Antra, a expectativa de vida de travestis, mulheres trans e homens trans no país é de 36 anos.

“Em Goiás, a média de vida das pessoas trans assassinadas em 2018 ficou abaixo tanto da expectativa do IBGE quanto da estimativa feita pela Antra, sendo uma média de 30 anos, seis abaixo da expectativa para a população trans”, explica Vinícius Paiva.

Gráfico idade e identidade de gênero
Gráfico mostra idade em que as vítimas foram assassinadas

 

Conforme a associação, 90% da população travesti e transexual usa a prostituição como fonte de renda para sobrevivência. Muitas delas são expulsas de casa cedo, por volta dos 13 anos, quando descobrem uma identidade de gênero diferente daquela que foi imposta ao nascimento.

Em Goiás, os dados revelam a rua como espaço principal de vida de travestis e pessoas trans. “Das seis vítimas, tem-se a certeza de que três eram garotas de programa. Esse dado sinaliza a segregação social vivida pelas pessoas trans por não terem acesso a vagas em empregos formais no mercado de trabalho, tendo que recorrerem a exploração do próprio corpo para sobreviver”, acrescenta o jornalista.

Identidade de gênero: o que é isso?

Imagine um bebê. Desde a barriga da mãe, ele já carrega expectativas dos pais e da sociedade. Bebês com pênis são enquadrados no gênero masculino, e são criados para assumir “papéis masculinos” na sociedade. Já os recém-nascidos que vêm ao mundo com vagina são associados ao gênero feminino e crescem de modo a assumir “papéis femininos”. E assim, temos o que a sociedade entende como homens e mulheres.

Então, podemos citar como exemplos uma criança que nasce com vagina e é considerada uma menina: num geral, ela deverá vestir rosa, ser feminina, ter um homem como namorado no futuro e por aí vai. Ou seja, essas expectativas e papéis são atribuídos ao bebê sem que se saiba as verdadeiras necessidades.

Mas e se essas expectativas não contemplarem aquele bebê quando crescer? A partir daí, começam as quebras das normas de gênero. E tudo bem! Afinal, cada pessoa sabe o que é melhor para ela, do que ela gosta e de como ela se sente.

Essas quebras chocam ainda mais a sociedade quando a pessoa não condiz com o gênero e com a sexualidade que foi imposta a ela. Essas pessoas são chamadas transexuais ou transgêneros, enquanto aquelas que se sentem confortáveis com o gênero a elas atribuído são chamadas de cisgêneros (com abreviações trans e cis, respectivamente).

Desse modo, suponhamos que um indivíduo nasceu com pênis (assim, a sociedade o associou ao gênero masculino), mas se sente contemplado pelo feminino e se posiciona como uma mulher. Então nos referimos a ela como uma pessoa transexual cujo gênero é o feminino – resumidamente, uma mulher trans. De outro modo, alguém que nasceu com pênis e se identifica com o gênero masculino é um homem cis.

A palavra final é sempre da pessoa. E o modo como ela se identifica é sua identidade de gênero.

Preconceito nas notícias de jornais

Quando os assassinatos transfóbicos são transportados para as matérias jornalísticas, os profissionais utilizaram técnicas de escrita que prendem a atenção do leitor a partir de estereótipos e estigmatizações. Assim, a sociedade entende o que são pessoas trans e travestis a partir da maneira como essas pessoas são retratadas nas matérias. Nos casos analisados pela pesquisa, diversos atos transfóbicos foram encontrados, como: desrespeito às identidades trans e culpabilização da própria vítima pelo assassinato. Confira no podcast da Rádio Universitária, que entrevistou a professora do curso de Jornalismo da UFG, Luciene Dias, como as narrativas jornalísticas são atravessadas pela transfobia.   

Box identidade de Genero 2

Saúde das pessoas trans

A TV UFG fez uma entrevista com o professor da Faculdade de Medicina da UFG, André Marquez sobre questões de saúde da população trans. Ele destaca que essas pessoas tem os mesmos direitos que outras pessoas e precisam ser tratadas com respeito. Ele destaca a necessidade do uso do nome social e o correto acolhimento nas unidades de saúde. Confira:

Fonte: Secom UFG

Categorias: Especial Fic FEN