Projeto Pneuma: Engenharia Mecânica a serviço da Saúde
Conheça detalhes do Projeto Pneuma que criou um protótipo e deve recuperar 70 respiradores até o final de agosto
Kharen Stecca
Da noite para o dia o Brasil foi surpreendido com a pandemia do novo Coronavírus. Sem medicamentos eficazes, o pouco que se sabia sobre o tratamento era que pacientes graves precisariam de respiradores mecânicos para terem chances de sobrevivência. As universidades brasileiras começaram então uma corrida contra o tempo para pensar o que seria possível fazer na tentativa de auxiliar os médicos na luta contra o vírus. Entre as inúmeras frentes de trabalho que surgiram em pouquíssimo tempo na Universidade Federal de Goiás, uma foi o projeto Pneuma.
Segundo o coordenador do projeto e professor da Escola de Engenharia Elétrica, Mecânica e de Computação da UFG (EMC), Sigeo Kitatani Júnior, a proposta para se fazer algo em relação à possível falta de ventiladores mecânicos durante a crise da COVID-19 surgiu por meio de uma demanda do professor Marcelo Rabahi, da Faculdade de Medicina da UFG. Ele entrou em contato com o pró-reitor de Pesquisa e Inovação da UFG, professor Jesiel Carvalho, que acionou a EMC para avaliar o problema no dia 20 de março. Poucos dias após o decreto de isolamento social em Goiás.
O professor Sigeo conta que uma equipe foi formada por professores da EMC para projetar um ventilador mecânico pulmonar. Foi feita uma visita ao Hospital das Clínicas da UFG, onde foi possível ter acesso a um equipamento defeituoso, sem possibilidade de recuperação. A partir da análise dos componentes e manuais técnicos de ventiladores comerciais teve-se a compreensão de que o projeto de ventiladores mecânicos pulmonares exige uma equipe multidisciplinar, envolvendo áreas como: projeto de sistemas mecânicos; mecânica dos fluidos; eletrônica; instrumentação; automação e controle; processos de fabricação e materiais de engenharia. No decorrer dos desenvolvimentos foram agregados ao projeto vários voluntários, sendo profissionais de Medicina, Engenharia, bem como empresas e outras instituições de ensino superior, que passaram a auxiliar com suporte técnico, fornecimento de material, bem como mão de obra especializada para o desenvolvimento do projeto.
Recuperação de respiradores - Mas o projeto foi além. Foi observado que havia vários ventiladores fora de uso nos hospitais de Goiás. Com a iniciativa de voluntários, em contato com a Secretaria Estadual de Saúde (SES), deu-se início à frente de trabalho de manutenção de ventiladores comerciais em desuso da SES. Ao todo, o projeto Pneuma reuniu 135 ventiladores comerciais; pouco mais da metade desses ventiladores foram diagnosticados como recuperáveis. Segundo o professor Sigeo, no primeiro momento, quase todos os ventiladores disponibilizados nos hospitais de campanha de Goiás foram os que o projeto Pneuma recuperou com a ajuda de muitos voluntários e por meio da parceria com o Senai, que subsidiou o projeto financeiramente e com parte da mão de obra técnica. Essa parte do trabalho é coordenada pelo professor Rodrigo Lemos, também da EMC.
O professor Rodrigo conta que em meados de março, não havia estoques de respiradores para a grande demanda mundial. “O comércio estava fechado no Brasil e era difícil de comprar peças para o projeto. Então, pedi a um amigo engenheiro clínico os contatos de fornecedores de peças e representantes de equipamentos hospitalares. Ele comentou que na Secretaria Estadual de Saúde (SES) havia respiradores defeituosos ou obsoletos que estavam fora de uso e daí surgiu a ideia de recuperá-los para atender a demanda imediata”, explica.
Após uma visita à Gerência de Engenharia da SES, foi feito um levantamento dos equipamentos fora de uso em toda a rede estadual e o Secretário de Saúde autorizou o acesso aos equipamentos. “Inicialmente montamos a equipe com docentes, técnicos e estudantes da UFG e do Instituto Federal de Goiás (IFG), de onde vieram também os equipamentos para estruturar o laboratório de manutenção. Contamos também com o apoio de engenheiros clínicos e técnicos especializados em manutenção de equipamentos hospitalares para organizar o espaço e os protocolos operacionais. A SES então nos avisou da iniciativa do Ministério da Economia junto ao Senai para aproveitar a capacidade ociosa das indústrias para a manutenção de respiradores. Essa iniciativa tinha uma proposta que especificava tanto os perfis profissionais quanto a infraestrutura necessária à manutenção. A partir do contato com o Senai para obter essas especificações, ganhamos mais um importante parceiro no projeto que trouxe consigo técnicos competentes e contato com o setor produtivo. Por fim, contamos com o apoio do CREA-GO e do Conselho Regional dos Técnicos Industriais (CRT01) que divulgaram a iniciativa entre os engenheiros e técnicos de nosso estado, ajudando a trazer mais voluntários para a frente de manutenção”, conta o professor.
Hoje, com a retomada das atividades econômicas em nosso estado, muitos voluntários reassumiram seus empregos e a equipe foi drasticamente reduzida. Porém, destaca o professor, a equipe remanescente já tem experiência suficiente para dar continuidade à produção. Dessa forma, muitos equipamentos já foram reparados e calibrados, mas outros aguardam peças que precisam ser importadas e demoram para chegar, atrasando sua entrega. “Atualmente, trabalhamos também na adaptação de máscaras de mergulho para acoplamento nos respiradores, de tal forma a impedir a contaminação da equipe de saúde e possibilitar o atendimento de pacientes semicríticos sem o uso de intubação”, explica o professor.
O projeto já entregou 27 respiradores para a Secretaria Estadual de Saúde e deve entregar em torno de mais 40 até o fim de agosto, quando o projeto deve se encerrar com um total de 70 equipamentos reparados e entregues à SES, podendo impactar até 700 vidas salvas.
O protótipo - Com pouco menos de dois meses de trabalho, no dia 9 de maio, a UFG apresentou o primeiro protótipo para a comunidade, ocasião em que fora apresentado para o Superintendente do Hospital de Clínicas da UFG, o presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Estado de Goiás, para o Secretário de Saúde do Estado de Goiás, entre outros representantes da área de saúde. Segundo o secretário de saúde do estado, o protótipo era, dentre muitos equipamentos a ele apresentado, o único que possui as três características fundamentais: era aplicável aos pacientes em unidades de tratamento intensivo, além de viável e possível de ser reproduzido em escala.
Em função da avaliação do equipamento por médicos, intensivistas e de outros profissionais correlatos, o equipamento foi modificado para atender ao seu propósito com mais eficiência e segurança. Em função de indisponibilidade de componentes comerciais, houve também a necessidade de se alterar o projeto. No final de julho um segundo protótipo foi apresentado, agora com várias outras funcionalidades, obedecendo a protocolos médicos reconhecidos internacionalmente, da mesma forma que o comerciais.
Recentemente, nos dias 22 e 23 de julho o ventilador foi utilizado em teste pré-clínico, com a intubação de animais, organizado e executado sob supervisão da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG. Nestes testes o protótipo foi submetido a situação que simula condições em que será utilizado em centros de terapia intensiva. O teste foi feito comparando-se o desempenho do protótipo com um ventilador pulmonar comercial de referência. Segundo o professor Sigeo, a avaliação foi um sucesso: “O equipamento se mostrou seguro, os requisitos clínicos foram todos atendidos, não deixando nada a desejar em relação ao equipamento comercial e também possibilitou identificar-se algumas possíveis melhorias”. Após estes testes a equipe de projetistas e de médicos se reuniu com técnicos da ANVISA para alinhar o processo de registro e então obter autorização para fabricação em escala do equipamento.
A fabricação em escala do ventilador será feita por meio de um consórcio proposto pelos coordenadores do projeto, envolvendo algumas empresas da região de Goiânia. Para isso, várias ações foram feitas estabelecendo parcerias, adaptando-se os processos de fabricação e produtos fornecidos por estas empresas. A UFG cederá os direitos autorais sobre o projeto e irá coordenar as atividades que irão possibilitar a fabricação do equipamento.
Ao mesmo tempo, a equipe médica que acompanha o projeto dará sequência nos trabalhos, para fazer testes clínicos em pacientes humanos. Para isso, serão construídas algumas unidades do protótipo, que serão disponibilizados nos leitos no novo prédio do HC/UFG, para atender pacientes da crise COVID-19. Os recursos para a construção destes ventiladores vieram de doações adquiridas por ações dos estudantes do curso de Engenharia Mecânica e da Faculdade de Medicina e também coordenada pelo banco SICOOB.
Conheça os pesquisadores
Tanto Sigeo Kitatani quanto Rodrigo Lemos são professores da EMC/UFG e coordenam o projeto. O professor Sigeo é responsável pelo protótipo e o professor Rodrigo Lemos coordenou o conserto dos respiradores.
Sigeo Kitatani é doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Uberlândia com ênfase em Mecânica dos Fluídos Computacional, Mecânica dos Sólidos, atuando principalmente em problemas de interação fluido estrutura. Ele é professor da UFG desde 2013.
O professor Rodrigo Lemos é engenheiro eletricista pela Universidade Federal de Goiás/UFG (1991), e concluiu mestrado (1995) e doutorado (1997) em Engenharia Elétrica na Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP. É professor da UFG desde 1996. Desenvolve pesquisas nas áreas de processamento de sinais com aplicação nas áreas de Telecomunicações e, mais recentemente, Engenharia Biomédica e Neurociência Computacional.
Ambos não trabalhavam nessa área específica relacionada à Medicina até surgir o desafio do Projeto Pneuma. A vontade de usar o conhecimento da Engenharia para auxiliar as pessoas no meio de uma pandemia fez com que começassem praticamente do zero um projeto que vem contribuindo para salvar vidas em Goiás.
O professor Sigeo explica que foi um processo de engenharia reversa: “nós observamos o que tinha nos ventiladores e, depois, abstraindo a ideia, por um procedimento de reengenharia, montamos os nossos protótipos. A medida que tivemos acesso aos requisitos, critérios de funcionamento, em conversa com os médicos fomos criando as propostas. Em situações em que não tínhamos nenhuma referência de como resolver o problema, pois não existia nada comercial que pudéssemos adaptar, tivemos que ir para os livros de mecânica, fazer simulações e fazer uma série de testes experimentais para otimizar o formato das peças e obter um funcionamento preciso do equipamento”.
Rodrigo Lemos também ressalta que tudo começou do zero diante da necessidade, mas tudo com base nos conhecimentos técnicos e de Engenharia da equipe envolvida. “Estamos aprimorando e aplicando os conhecimentos que tínhamos”, ressalta Rodrigo Lemos.
“Nós observamos o que tinha nos ventiladores e, depois, abstraindo a ideia, por um procedimento de reengenharia, montamos os nossos protótipos. A medida que tivemos acesso aos requisitos, critérios de funcionamento, em conversa com os médicos fomos criando as propostas. Em situações em que não tínhamos nenhuma referência de como resolver o problema, pois não existia nada comercial que pudéssemos adaptar, tivemos que ir para os livros de mecânica, fazer simulações e fazer uma série de testes experimentais para otimizar o formato das peças e obter um funcionamento preciso do equipamento".(Professor Sigeo Kitatani Jr.)
A importância dos voluntários e do trabalho em equipe
O professor Rodrigo Lemos ressalta que o apoio institucional da UFG, IFG, Senai e SES-GO foram fundamentais, porém a dedicação dos voluntários que emprestaram seus conhecimentos técnicos e tempo de trabalho fizeram a diferença para o sucesso do projeto. “Vale destacar o apoio dos técnicos e engenheiros que atuam profissionalmente nessa área e que nos ajudaram principalmente no começo, quando nos treinaram na prática e orientaram no estabelecimento do processo de trabalho”, afirma. Ele também salienta o apoio recebido dos colegas da Faculdade de Enfermagem e da Faculdade de Odontologia da UFG que orientaram sobre os protocolos de biossegurança. Outro importante apoio citado foi dado pelas empresas acreditadas para certificação da conformidade dos equipamentos reparados com as normas da Anvisa. “Além destes, não posso deixar de citar o apoio do Ministério Público do Trabalho, da Votorantim que compraram peças que faltavam e de insumos cedidos por parceiros como o cilindros de oxigênio e ar comprimido fornecidos pelo HC, HGG, Hospital Materno Infantil e Hospital Luz”, destaca o professor.
“Vale destacar o apoio dos técnicos e engenheiros que atuam profissionalmente nessa área e que nos ajudaram principalmente no começo, quando nos treinaram na prática e orientaram no estabelecimento do processo de trabalho”(Rodrigo Lemos)
Para saber mais sobre o projeto:
UFG prepara protótipo de ventilador mecânico para enfrentar à Covid-19 (17/04)
UFG apresenta protótipo de respirador mecânico desenvolvido na instituição (8/05)
Projeto Pneuma entrega ventiladores mecânicos à Secretaria Estadual de Saúde (10/05)
Projeto Pneuma tem mais 20 respiradores em fase final de recuperação (29/05)
Adufg Científica: Projeto da UFG desenvolve novo modelo de respirador (17/6)
Projeto Pneuma entrega mais 18 ventiladores mecânicos (19/6)
Fonte: Secom UFG
Categorias: destaque Bastidores da Ciência Institucional