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Universidade Federal de Goiás
Joaquim Caetano de Almeida Neto

UFG ajudou no combate ao surto de meningite em 1970

Em 28/08/20 10:37. Atualizada em 28/08/20 14:46.

Professor emérito Joaquim Caetano de Almeida Netto relembrou o período e a atuação da Universidade

Caroline Pires

Joaquim Caetano de Almeida Neto

Entre os anos de 1971 e 1974 o Brasil viveu um surto de infecção por Meningite Meningocócica, doença causada por bactéria. Em Goiás a situação foi acompanhada de perto por uma equipe de professores do atual Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP/UFG). Para compreender melhor as diferenças entre o surto da década de 1970 e a pandemia da Covid-19, 50 anos depois, no que se refere a pesquisas desenvolvidas na universidade e o atendimento a pacientes, o Jornal UFG entrevistou o professor emérito Joaquim Caetano de Almeida Netto.

Conte um pouco sobre como era o contexto da pesquisa acadêmica na UFG no início dos anos 70. A UFG tinha sido criada há pouco mais de dez anos. Como era a estrutura de investimentos para  pesquisadores, recursos humanos e insumos?

Joaquim Netto - Os anos de 1970 na Universidade Federal de Goiás foram caracterizados por investimentos básicos no sentido de criar um ambiente compatível com o desenvolvimento de pesquisa. Foi uma década em que a UFG licenciou vários de seus docentes para centros de pós-graduação fora do estado de Goiás, principalmente para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, no sentido de qualificar o seu pessoal. O IPTSP foi uma unidade que já produzia trabalho de pesquisa nesta década. 

Neste contexto nós tivemos um surto de meningite meningocócica em Goiás de alta proporção com coeficiente de letalidade muito alto porque o agente etiológico produzia um quadro mais grave que é a da meningococcemia, que leva a coagulação vascular disseminada que é uma situação clínica muito grave. 

A UFG, na época, tinha algum tipo de convênio com o antigo Hospital Oswaldo Cruz que permitisse o trabalho de pesquisadores lá? Caso tenha tido, quais são suas lembranças desta época de epidemia nesta instituição de saúde? 

Joaquim Netto - Esta foi uma questão que facilitou muito os estudos na época sobre as doenças infecciosas. Foi estabelecido na época um convênio entre o IPTSP e o Hospital Oswaldo Cruz para onde eram encaminhados os casos de doenças infecciosas virais, bacterianas e de malária. Vivemos um surto de febre amarela, depois um de meningite meningocócica e doença meningocócica e, em seguida, um surto também de malária em decorrência do surgimento de garimpos. 

A partir de que data o senhor, junto com outros pesquisadores do atual IPTSP, começaram a perceber que o estado de Goiás tinha sido atingido pela doença? Vocês tiveram alguma resistência na publicação dos estudos?

Joaquim Netto - Nossa percepção da chegada da meningite bacteriana no estado de Goiás foi imediata. Isso porque a meningite bacteriana já era conhecida, mas de uma hora para outra o volume aumentou muito e isso foi percebido logo no início do ano de 1974 e nesta época já estava em andamento pesquisas para encontrar uma vacina contra a doença, que já estava disponível na década de 1950, apesar de o índice de proteção não ter sido considerado ótimo, mas ela, pelo menos, facilitava que a doença se desenrolasse de uma forma mais branda e suportada pelos pacientes. 

Uma justiça que deve ser feita com relação ao governo militar de 1974 é que ele apoiou de forma muita satisfatória esses surtos de doença. Embora no início do surto de febre amarela tenha tido uma grande preocupação por parte do governo por esta ter sido uma doença que prejudicou muito o Brasil, quando foram fechados os portos, o que prejudicou muito o comércio com o exterior. Então quando os militares se depararam com a febre amarela silvestre em Goiás eles se preocuparam com que a população percebesse a doença como tendo a mesma importância da febre amarela urbana. Um fato curioso na época é que eu, enquanto diretor do Hospital Oswaldo Cruz, recebi um representante do Ministério da Saúde que me advertiu no sentido do risco de apresentar um trabalho de um surto de febre amarela em Goiás, tendo em vista o prejuízo que ocorreu com o surto desta doença no início do século, que foi na época controlada pelo médico Oswaldo Cruz. Na ocasião eu me manifestei que não teríamos esse problema novamente porque, neste caso, se tratava da forma silvestre da febre amarela em que a doença é transmitida em pessoas que adentram matas. 

No Brasil, na época, o que preocupava era a alta letalidade e a assistência aos doentes por febre amarela, que precisavam geralmente de cuidados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), o que praticamente não existia na época. Então foram improvisados vários hospitais de campanha o que permitiu que a mortalidade não fosse muito alta em Goiás.

Como era a divulgação de notícias nesta época? Vocês encontraram dificuldade para acesso aos dados ou apuração de resultados de exames?

Joaquim Netto - Houve uma diferença acentuada entre o que ocorreu na época da epidemia de meningite meningogócica e o atual surto da Covid-19: a participação da imprensa. Na década de 1970 a participação dos veículos de comunicação na divulgação dos dados era pequena, então não houve uma situação de pânico na população e mesmo a mortalidade dos profissionais de saúde não ocorreu, pois as condições de isolamento foram mantidas apenas nos hospitais. Na época não houve isolamento populacional, tanto porque a vacina foi obtida de forma mais rápida quando comparada com a pandemia de Covid-19. 

Na época não houve pânico na sociedade uma vez que os meios de comunicação não estavam tão presentes e eu acho que isso não prejudicou em nada o controle da doença, eu acho que até ajudou. Isso porque as medidas de isolamento na época foram rigorosamente seguidas dentro do hospital. Os profissionais de saúde sempre tomavam banho na saída dos seus turnos e não tivemos registro de doença entre os familiares destes trabalhadores. 

Sabemos que a doença atinge de forma mais intensa crianças com menos de 5 anos de idade. A população de baixa renda era mais atingida? É possível fazer algum tipo de afirmação sobre qual era o grupo social mais afetado em Goiás com a epidemia? 

Joaquim Netto - Em condições epidemiológicas normais isto é válido, mas em surto não há esta prevalência em crianças e a doença ocorria também na população adulta, inclusive de forma mais grave Neste aspecto as meningites se comportam de maneiras diferente na população fora do surto.  Também não identificamos uma classe social mais atingida do que outra. 

Quais eram também as dificuldades de diagnóstico médico neste período?

Joaquim Netto - Não encontramos dificuldade de acesso aos dados de pacientes. Também não existiu dificuldade diagnóstica nesta época graças ao intenso intercâmbio de informações entre o Instituto de Medicina Tropical, atual IPTSP, e o Hospital Oswaldo Cruz nas áreas de virologia e epidemiologia. Assim o diagnóstico era feito de forma rápida pela identificação do agente etiológico.

Um outro ponto positivo foi que nesta época havia sido criado o hospital do Pênfigo que ofereceu muitos leitos, então nós conseguimos que os pacientes que venciam a forma grave da doença, fossem transferidos para terminar o tratamento neste hospital. 

Entre os anos de 1974 e 1975 a quantidade de contaminados aumentou muito, segundo os dados apresentados em seu estudo. O que poderia ter sido feito nos anos anteriores para se evitar o aumento do coeficiente de mortalidade de 0.97, em 1971, para 13.13, em 1975?

Joaquim Netto - Eu entendo que não havia como fazer uma recomendação de isolamento a nível nacional naquela época. Isto porque as doenças bacterianas, mesmo a de alta transmissibilidade não apresenta o mesmo nível de velocidade de infecção do que as doenças virais. Além do mais, surto é surto, eles não são previsíveis, então nada poderia ter sido feito para evitar. O que foi feito foi para abreviar o seu término e realizar o seu controle. No que se refere ao controle da meningite meningocócica em Goiás isso foi feito inclusive com a disponibilização de vacina, que apesar de não proteger integralmente contra a doença, protege pelo menos quanto a gravidade. 

Há algo mais que deseja acrescentar?

Joaquim Netto - Um comentário importante é que atuação da imprensa na época não era tão intensa igual é hoje, concentrando as informações em dados alarmantes de tal forma que isso cria uma situação de pânico social que não ajuda muita com relação à doença. Outra diferença que posso fazer com relação ao surto anterior com a situação atual da Covid-19 é que não houve um caráter político presente em que a oposição ao presidente da República é muito exacerbada, isso também é um dado diferente do que ocorreu na década de 1970. Não houve pânico, embora que do ponto de vista da gravidade do surto, a situação não tenha sido menos preocupante do que é atual doença. Isso aconteceu também com relação a febre amarela, a não ser a possibilidade de acontecer na área urbana, já que os transmissores são diferentes. 

Leia aqui o artigo científico publicado pelo professor Joaquim Caetano de Almeida Netto sobre o surto de meningite em 1970

Fonte: Secom UFG

Categorias: entrevista Saúde IPTSP