Pesquisa analisa qualidade da água em comunidades quilombolas de Goiás
Foram identificados diferentes tipos de contaminação bacteriana que podem colocar em risco a saúde
Talita Prudente (PRPG)
De acordo com a Fundação Cultural Palmares, o Brasil possui atualmente 2.775 comunidades quilombolas certificadas, sendo 64 situadas em Goiás. A maioria delas se encontra em áreas rurais com pouco ou nenhum acesso a água potável e esgoto. Em busca de dados acerca das condições de saúde e segurança do saneamento dessas localidades, Aline Rodrigues Gama, doutora em Biologia da Relação Parasito-Hospedeiro pelo IPTSP-UFG, analisou a água utilizada para consumo em duas comunidades quilombolas do Estado: Almeidas, localizada em Silvânia e Jardim Cascatas, localizada em Aparecida de Goiânia.
Em conjunto com o grupo de pesquisa do Laboratório de Biotecnologia de Microrganismo, coordenado pela professora Lilian Carla Carneiro (IPTSP-UFG), Aline identificou a presença de diferentes bactérias nas amostras de água coletadas in loco, principalmente no quilombo Almeidas. Em geral, estão presentes microorganismos associados a doenças gastrointestinais e respiratórias, tais como bactérias do gênero Escherichia, Klebsiella, Enterobacter e Staphilococcus.
O estudo também foi realizado com auxílio do Laboratório de Computação Científica/PUC-GO, coordenado pelo professor Clarimar José Coelho e do Laboratório de Análises de Águas da UFG, coordenado pelo professor Paulo Scalize.
As amostras oriundas da comunidade de Silvânia apresentaram maior índice de contaminação quando comparadas com as amostras obtidas na comunidade de Aparecida de Goiânia, uma vez que Jardins das Cascatas está situada em uma região urbana e recebe água tratada da Saneago e coleta de lixo. Segundo Aline, as únicas amostras que apresentaram contaminação nessa comunidade foram as de poços rasos, utilizados em algumas casas do agrupamento.
Em Almeidas, os padrões observados na água para consumo estão distantes dos parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde. “A ingestão de água com padrões insuficientes de qualidade causam efeitos nocivos à saúde, especialmente em decorrência de contaminação microbiana. A exemplo disso, muitas pessoas da comunidade de Silvânia sofrem com diarréias frequentes causadas principalmente por contaminação bacteriana e viral, sendo as crianças as mais afetadas”, explica Aline, que também analisou o perfil de resistência a antibióticos observada nas bactérias isoladas das amostras coletadas.
Durante as visitas aos quilombos, também foi desenvolvido um trabalho para diagnóstico de doenças por meio de anamnese, realizado pela enfermeira Núbia Marinho, assim como exames a partir da coleta sanguínea de alguns moradores, conduzidos pela biomédica/farmacêutica Wanderleia Eleutério. Com os resultados em mãos, os pesquisadores retornam às comunidades para apresentação das principais medidas a serem tomadas frente aos dados observados.
Aline relata que muitos quilombolas não relacionavam algumas doenças com a má qualidade da água e que o contato com as comunidades possibilitou melhor entendimento sobre a realidade vivida na região. “Não dispomos de ferramentas suficientes para realizarmos intervenções diretas nessas comunidades, mas, por meio do trabalho desenvolvido, foi possível alertar os moradores sobre os cuidados que eles precisam ter com a saúde e principalmente quais as medidas cotidianas, e caseiras, podem ser utilizadas para tornar isso possível. Destacamos a importância de ingerir água fervida e filtrada ou ainda realizar a cloração do líquido antes do consumo”.
Saúde pública
Além do Programa Saneamento Básico, o Governo Federal criou o Programa Água para Todos, parte integrante do Plano Brasil Sem Miséria. Por meio desse programa o governo visa universalizar o acesso à água para populações que não possuem esse serviço, priorizando comunidades quilombolas. Porém, mesmo existindo tantos programas de alcance social, muitas comunidades ainda não têm acesso às melhorias propostas.
Em 2013, Segundo o Guia de Políticas Públicas para Comunidades Quilombolas (GPPCQ), da Secretaria de Políticas Públicas para Comunidades Tradicionais, 55,21% da população quilombola não possuía água canalizada, 33,06% não possuía banheiro ou sanitário, 54,07% não dispunha de saneamento adequado (sendo, 15,07% com esgoto a céu aberto e 39% possuía apenas fossa rudimentar).
As informações obtidas através da pesquisa apresentada ajudam a transformar essa realidade. O estudo desenvolvido na UFG acerca das condições de saúde e segurança do saneamento em comunidades rurais e tradicionais do Estado podem fundamentar ações públicas articuladas entre gestores municipais, líderes locais e membros dos agrupamentos, em consonância com a Política do Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental e o Sistema Único de Saúde. Essas ações garantiriam não só o bem-estar da população local mas também o empoderamento dos quilombolas.
“Acredito que os moradores das comunidades quilombolas precisam melhor serem assistidos no que tange às suas condições de saúde. Para disporem de melhor qualidade de vida precisam portanto ter acesso a uma água livre de microrganismos patogênicos, coleta de lixo e tratamento de esgoto e além disso terem atendimento médico constante”, diz Aline Gama ao ressaltar que outros trabalhos de pesquisa e de extensão precisam ser realizados de modo a contribuir com as comunidades quilombolas, redutos históricos importantes para a construção sociocultural do nosso país.
A tese de Aline foi elaborada no Programa de Pós-Graduação em Biologia da Relação Parasito-Hospedeiro da UFG, com 24 vagas ao todo. O programa apresenta três linhas de pesquisa: Estudo da biologia e do controle de vetores/pragas importantes nos diversos ecossistemas e biotecnologia aplicada; Caracterização biológica, molecular e bioquímica de parasitos uni ou multicelulares, bactérias, vírus e fungos; e Estudo dos mecanismos imunológicos e processos patológicos gerais na relação parasito-hospedeiro e biotecnologia aplicada à saúde. Confira o edital.
Fonte: PRPG UFG
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