PORQUE O ESTADO IMPORTA
A Vacinação Pública
Tathiana Rodrigues Salgado*
Jorge Pires de Morais Neto*
Um vídeo registrando a reação de pesquisadores do Instituto Butantan, ao divulgar os dados sobre a eficácia de uma vacina contra a COVID-19, circulou na internet no início de janeiro. As máscaras não esconderam o clima de comoção. Esse foi mais um exitoso capítulo na história das vacinas. História do encontro de pesquisadores em instituições públicas de pesquisa e ensino. História do encontro de expectativas de gente doente em hospitais e de gente sadia em quarentena. Foram encontros como esses que tornaram possível a redução, no planeta, dos casos de caxumba, sarampo e rubéola.
A trajetória da vacinação pública brasileira é marcada por êxitos. A vacinação contra doenças como a paralisia infantil, a varíola, a catapora, o sarampo, a rubéola, a meningite, a coqueluche, a difteria, a febre amarela, atesta a eficiência das políticas do Sistema Único de Saúde. Apenas entre 1994 e 2020 foram aplicadas mais de 3,4 bilhões de doses de vacinas que salvaram incontáveis vidas. As vacinas nos acompanham desde o primeiro dia de nascimento. A Caderneta de Vacinação é o nosso primeiro documento de identificação. Recebemos mais de 25 doses de vacina durante a infância. Até a velhice receberemos pelo menos outras duas dezenas de doses para doenças como Hepatite B, Febre Amarela, HPV e Gripe.
O Programa Nacional de Imunização, que surgiu em 1973, antecipou os princípios da universalidade, integralidade e gratuidade do SUS. A Lei 6.259, de 1975, estabeleceu não apenas a obrigatoriedade, como também punições como a retenção do Salário-Família para quem não comprovasse a vacinação. E não era para menos, já que entre 1971 e 1988 foram notificados 1.169.076 casos de tuberculose, 22.411 casos de poliomielite e 1.058.497 casos de sarampo. A obrigatoriedade da vacinação celebrou o compromisso geracional com a saúde pública.
O esforço do sistema público foi excepcional. É que no Brasil sempre precisamos considerar a geografia. As diferenças ecológicas e os níveis de desenvolvimento regional tornam extraordinário o desafio de universalizar o acesso às vacinas. Lembre-se disso. O SUS mobiliza diariamente milhares de postos de vacinação e dezenas de milhares de profissionais de saúde para atender as demandas do calendário de vacinação.
Recordemos a história da poliomielite e da influenza.
- A paralisia infantil nos assombrou até a década de 1980. Entre 1973 e 1976 foram aplicadas 42 milhões de doses de vacina para a pólio. Ainda em 1979 foram registrados 2.569 casos de poliomielite. A imagem de crianças com membros inferiores paralisados causou comoção nacional. Segundo a FIOCRUZ, em 1986, ocorreu uma epidemia de pólio no Nordeste. Em 40 dias a Bio-Manguinhos disponibilizou a vacina para a variação Tipo 3 da doença. A campanha nacional de vacinação ocorreu em 1980 e em 1994 o Brasil recebeu o certificado de eliminação da pólio.
- A eficiência das campanhas de vacinação contra a influenza, infecção viral que prejudica o sistema respiratório, pode ser atestada pelo fato de que apenas 6 estados brasileiros apresentaram cobertura vacinal, em 2019, abaixo da meta de 90%. No grupo prioritário de idosos, todos os estados atingiriam a meta de vacinação. A estratégia foi determinante para a redução das internações, complicações e mortes da população alvo da campanha.
A democratização das vacinas depende da gratuidade, da acessibilidade e da informação. Não basta que a vacina seja gratuita. A logística deve fazer com que ela chegue aos lugares de mais difícil acesso e as campanhas de informação devem estimular a confiança da população. Em consulta informal realizada no varejo, em São Paulo, em janeiro de 2020, 9 doses de vacinas selecionadas presentes na rede pública alcançaram o preço total de R$ 1.979,00. Pense nisso! O monopólio privado da vacina não significaria outra coisa senão a sentença de morte para milhões de brasileiros.
Os desafios do passado, ilustrados pela Lei 1.261, de 31 de outubro de 1904, que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola, no contexto do que foi conhecido como Revolta da Vacina, parecem se repetir. Naquele tempo, Oswaldo Cruz, em colaboração com outros cientistas, protagonizou mudanças indispensáveis para nossa saúde pública. Os desafios de hoje são maiores. O Brasil acumulou, até o final março de 2021, mais de 300 mil mortes em decorrência da COVID-19. É como se a população de mais de 150 municípios brasileiros simplesmente deixasse de existir.
A comunidade científica e os profissionais da saúde, como em uma guerra, batalham em diferentes fronts:
- No primeiro front, a partir do esforço colaborativo com centros de pesquisa e instituições internacionais, lutam contra o tempo para produzir vacinas.
- No segundo front se ocupam em cuidar de milhões de pessoas doentes nos hospitais, ambulatórios e clínicas da rede pública e privada.
- No terceiro front se esforçam para conter o avanço das teorias conspiratórias que colocam em dúvida da eficácia das vacinas.
A dedicação dos pesquisadores do Instituto Butantan e da Fundação Oswaldo Cruz honra a tradição de Josué de Castro. Apesar da alegria diante dos resultados, sabem que a batalha apenas começou. Acompanhá-los nessas trincheiras, defendendo a ciência, a vacina e o SUS, é o mínimo que devemos fazer para honrar as vítimas da doença e da negligência da fração mais mesquinha e obtusa da classe política brasileira.
Lembre-se: se a vacinação pública importa é porque o SUS se importa com você.
Para mais informações:
Plataformas de Dados do Observatório do Estado Social Brasileiro
http://obsestadosocial.com.br/
https://observatorio.spatialize.com.br/#/
Canal Porque o Estado Importa
https://www.youtube.com/channel/UCuZDu3jkiPMfxYTmfzVzKWw
*Tathiana Rodrigues Salgado é doutora em Geografia, docente da Universidade Estadual de Goiás, Unidade de Porangatu e doordenadora do Observatório do Estado Social Brasileiro. Email: tathiana.salgado@ueg.br
*Jorge Pires de Morais Neto é bolsista de Iniciação Científica do CNPq / UFG. Email: jorge_pires@discente.ufg.br
Fonte: Secom UFG
Categorias: colunistas IESA