
PAPO MUSICAL
José Maurício Nunes Garcia (1767-1830): Música e Preconceito
Gyovana Carneiro*
Música e Preconceito

Na semana de “13 de maio”, onde se celebra no Brasil, a abolição da escravatura, abordaremos um tema ainda recorrente – o preconceito.
Descrito hoje como o maior compositor das Américas no período colonial, o padre carioca José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), sofreu as injustiças e perversidades do tempo histórico em que viveu.
José Mauricio nasceu no Rio de Janeiro, em 22 de setembro de 1767, filho do Tenente Apolinário Nunes Garcia e de Victória Maria da Cruz, ficou órfão de pai aos seis anos e foi criado pela mãe e pela tia.
Neto de escravos, a decisão de abraçar a vida sacerdotal foi mais uma necessidade do que vocação. Além do seu “defeito de cor” (era assim descrita a condição dos negros e mulatos de então), José Mauricio não tinha posses. Desta forma, o seminário foi o caminho encontrado para continuar os estudos.

Em 1792 foi ordenado padre, e, em 1798, mestre-de-capela da Sé no Rio de Janeiro, cargo sonhado pelo padre músico do império brasileiro.

Registro de nomeação de José Maurício mestre de capela, julho de 1798
A formação musical de José Maurício Nunes Garcia foi responsabilidade do professor Salvador José de Almeida Faria (c. 1732-1799), mineiro de Cachoeira do Campo, conterrâneo da mãe de José Maurício que logo percebeu o talento do promissor aluno.
Paralelamente às atividades de compositor, organista e regente, o padre José Maurício dedicou-se intensamente à atividade didática, tendo mantido durante muitos anos em sua residência um curso de música.

Conhecido e reconhecido como grande compositor, instrumentista, educador e improvisador, não teve uma vida fácil. Embora tenha frequentado o Palácio Real, na corte de Dom João VI (1767-1826), enfrentou como padre, mulato e pobre, adversidades impostas por uma sociedade escravocrata e preconceituosa.

“Rei D. João VI ouvindo José Maurício”
pintura a óleo de Henrique Bernadelli (1858-1936),
Os problemas de Padre José Maurício Nunes Garcia se acentuaram com a partida de Dom João VI em 1821 e com o vazio que este fato produziu no cenário musical carioca. Dom Pedro I, apesar de amante da música e simpático ao padre, não pôde manter a pensão do compositor e ele, já afastado do cargo de mestre-de-capela, teve que encerrar as atividades de sua escola que ministrava aulas gratuitamente para jovens.

“O casamento de negros numa igreja do Rio de Janeiro no início do século XIX”
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Rio de Janeiro: Itatiaia, 1992. v. 3, pr. 15.
Frustrado, José Mauricio Nunes Garcia, envelheceu precocemente e morreu na miséria em 1830 aos 62 anos.
Sua obra, entretanto, tem sido cada vez mais objeto de estudo e interesse por músicos e pesquisadores brasileiros e estrangeiros. José Mauricio Nunes Garcia é o único compositor colonial cuja obra e biografia não foram esquecidas ao longo dos últimos dois séculos.
Ouviremos, do Padre José Maurício Nunes Garcia, Missa de Requiem em ré menor, com a Orquestra e Coro Sinfônico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a regência do maestro Ernani Aguiar e os solistas: Carolina Faria, Mauricio Luz, Veruschka Mainhardt e Geilson Santos.
Observe a dramaticidade e a beleza dessa obra composta por José Mauricio Nunes Garcia em 1816, oito anos após a chegada da corte no Rio de Janeiro, quando sua obra, segundo historiadores, trona-se “mais brilhante e virtuosística, com o objetivo de se aproximar do estilo da Capela Real”.
* Gyovana Carneiro é professora da Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC) da UFG
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Fonte: Secom-UFG
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