Icone Instagram
Icone Linkedin
Icone YouTube
Universidade Federal de Goiás
Entrevista Fabrício Motta

“Pandemia tornou latente os problemas já enfrentados pela educação pública”

Em 27/05/21 09:14. Atualizada em 27/05/21 09:15.

Professor Fabrício Motta, integrante do Gabinete de Articulação para o Enfrentamento dos Efeitos da Pandemia na Educação conversou com o Jornal UFG

Carolina Melo

Os desafios das escolas públicas brasileiras se acentuaram durante a pandemia. Com a manutenção do isolamento social, a garantia do ensino-aprendizagem de qualidade se esbarrou nas relações adaptadas entre professores e estudantes. Os encontros mediados pelo computador, as atividades enviadas via plataformas e as orientações realizadas por aplicativos de mensagens, por exemplo, tornaram urgentes os problemas enfrentados pela área da Educação. A exclusão digital e a falta de conectividade entre os estudantes, a pouca familiaridade de docentes com as tecnologias de informação e comunicação, o abandono escolar e a falta de investimentos na área tornaram-se debates imperativos. 

Para pensar o atual cenário da educação pública, especialmente em Goiás, o Jornal UFG entrevistou o professor da Faculdade de Direito da UFG, Fabrício Macedo Motta, que atualmente integra o Gabinete de Articulação para o Enfrentamento dos Efeitos da Pandemia na Educação no Brasil (Gaepe), fazendo parte do Grupo Diretor do Gaepe em Goiás. O professor ressaltou a importância das iniciativas na área da Educação que visam o levantamento de diagnósticos sobre o aprendizado no período da pandemia, assim como sobre o “aumento do abandono escolar e sobre a conectividade, relativa à ausência de equipamentos adequados, falta de internet ou de pacote de dados suficientes”. Sobre o cenário regional, o professor chamou a atenção para a falta de investimentos na área. De acordo com ele, com a ajuda de um dado obtido pelo Gaepe-GO foi possível observar que “o crescimento da receita do Estado e dos municípios não veio acompanhado de investimentos em Educação”.

Professor, quais vêm sendo os principais problemas enfrentados pelas redes estaduais e municipais de Educação durante a pandemia?

A situação de pandemia tornou mais latentes muitos dos problemas já enfrentados pela educação pública. A imprevisibilidade do retorno à situação anterior, por outro  lado, acentua a necessidade da realização de diagnósticos, planejamento e investimentos para que se possa tentar minimizar os muitos prejuízos. Como exemplos de situações importantes que deverão ser enfrentadas, posso citar a necessidade de realizar avaliações diagnósticas de aprendizado nesse período; enfrentar o aumento do abandono escolar; buscar soluções para incrementar a conectividade de escolas e estudantes; e ainda assegurar um retorno minimamente seguro às aulas presenciais.

Como avalia a atuação das redes públicas de Educação em Goiás?

Há uma grande diversidade de situações envolvendo a rede estadual e redes municipais em razão das diferenças entre municípios e suas peculiaridades. Em comum, dados obtidos pelo Gaepe-GO apontam que o crescimento da receita dos entes sub-nacionais (Estados e municípios) não veio acompanhado, como regra, do crescimento de investimentos em Educação. Esse fato aponta para um indicativo de que não tivemos investimentos para superar os gargalos e preparar adequadamente o retorno às aulas. Nas redes municipais, em especial, nos preocupa bastante a necessidade de investir em conectividade para assegurar que o ensino não presencial - ou mesmo o ensino híbrido - possa continuar a ser utilizado sem prejudicar os alunos com problemas de conectividade (relativos à ausência de equipamentos adequados, falta de internet ou de pacote de dados suficientes). Trata-se de uma questão essencial sobretudo porque não temos um horizonte minimamente seguro para definir o retorno às aulas presenciais de forma definitiva. 

Qual o cenário da exclusão digital? 

Pesquisa com gestores municipais da educação em Goiás mostraram um cenário preocupante relativo à ausência de treinamento dos professores para uso de tecnologia e, no que se refere aos alunos, problemas relativos à velocidade de internet, à ausência de equipamento adequado e falta de pacote de dados para utilização. Esse cenário fez com que muitas das redes municipais acabassem concentrando suas atividades não presenciais na utilização de materiais impressos e orientações por Whatsapp, o que caracteriza perda de oportunidade de utilização adequada da tecnologia. No Brasil, o Gaepe está colhendo as percepções dos parceiros institucionais para tentar dimensionar adequadamente o problema e buscar soluções. Pesquisa nacional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) sobre volta às aulas em 2021, apontou que o acesso dos estudantes à internet é a maior dificuldade no atual cenário.

Na sua opinião, qual seria a solução para esse problema?

É necessário investir na realização de um diagnóstico confiável para conhecer a situação e pensar nas soluções mais adequadas. Distribuição de tablets ou notebooks, de pacote de dados e mesmo a utilização do ambiente escolar para melhor conexão são soluções possíveis, mas dependem de adequada avaliação de cada caso.

E qual medida adotar para evitar a evasão escolar e o retorno daquele aluno que abandonou a escola durante a pandemia?

Essa é uma luta importante, pois a evasão tende a aumentar no período de pandemia por conta de questões sanitárias e sociais. A estratégia de busca ativa, capitaneada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e com a adesão de vários parceiros, é uma excelente medida. Dentre os fundadores do Gaepe, destaco que o Instituto Rui Barbosa lançou o projeto “Permanência Escolar na Pandemia” visando à cooperação e atuação conjunta com os Tribunais de Contas brasileiros para mapear a permanência dos estudantes nas redes municipais e estaduais durante o período de pandemia, por meio da criação do Indicador de Permanência Escolar.

Qual o futuro do modelo de ensino híbrido nas escolas públicas?

A incerteza com relação à duração da pandemia é um indicador de que o ensino híbrido deve continuar por um bom tempo, sobretudo em razão das diversidades das condições sanitárias nos diferentes municípios. Ainda assim, no futuro, certamente deveremos discutir as potencialidades de uso de tecnologia para incrementar o aprendizado e a qualidade da educação – independente de pandemia – e certamente o ensino híbrido deverá ser rediscutido. Dessa forma, discutir conectividade continua sendo essencial para a garantia de acesso à educação.

De que forma surgiu o Gaepe?

O Gabinete de Articulação para Enfrentamento da Pandemia na Educação (Gaepe-Brasil), idealizado pelo Instituto Articule, e fruto de acordo de cooperação entre Instituto Rui Barbosa (IRB), Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e Instituto Articule, tem como objetivo principal a promoção de diálogo interinstitucional e o debate das principais questões nacionais relacionadas ao impacto e ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus na Educação. O Gaepe Brasil constitui uma governança inédita da política pública educacional, instância de diálogo e pactuação não prevista na legislação, embora alinhada diretamente aos objetivos estratégicos e competências legais de todas as instituições que o integram. Visa promover diálogo, articulação e colaboração das organizações públicas nacionais responsáveis pelo planejamento, execução, controle e julgamento das ações e programas na área da Educação. Diferencia-se, ainda, por ser um arranjo horizontal, desprovido de hierarquia ou protagonismos individuais, na medida em que congrega representantes das esferas de governo e dos poderes da República, conferindo-lhes idênticas capacidades de participação e deliberação. O Gaepe Brasil foi criado a partir das experiências regionais exitosas realizadas em Goiás, Mato Grosso do Sul e Rondônia.

Poderia dizer mais sobre essas experiências?

O Gaepe foi criado inicialmente em Rondônia, no início de 2020, como  fruto de articulação entre as mesmas entidades que criaram o Gaepe Brasil (Instituto Articule, Instituto Rui Barbosa e Atricon). A intenção inicial era identificar e compartilhar experiências exitosas na educação pública, unindo os diversos atores que trabalham com o tema. O surgimento da pandemia propiciou a oportunidade para mudar o propósito inicial e priorizar as dificuldades verificadas na Educação, em razão da emergência sanitária, e seus efeitos atuais e futuros. Após a experiência de Rondônia, foram criados gabinetes em Goiás e posteriormente em Mato Grosso do Sul, sob a coordenação dos respectivos Tribunais de Contas. Hoje, os três continuam em funcionamento e com pleno êxito em seus propósitos, ainda que com mecanismos variados de atuação.

Qual o objetivo do Gabinete?

O Gaepe Brasil objetiva iniciar a articulação com reconhecido potencial de resultados positivos para o enfrentamento dos graves e urgentes problemas e desafios da pandemia na educação, notadamente nas redes públicas estaduais e municipais. O objetivo é funcionar como uma instância de pactuação, com o foco de articular todos os agentes envolvidos em torno da diretriz central, que é a de colaborar para que a tomada de decisões seja eficaz durante e após a pandemia, contribuindo para a constante busca do acesso e da qualidade da educação pública. O objetivo central torna clara a importância de uma ação conjunta dos órgãos de controle, do sistema de Justiça, dos órgãos e entidades com competências normativas e materiais ligadas à Educação, em diálogo com os gestores públicos e com a sociedade.

O Gaepe tem um diagnóstico inicial do cenário da educação pública durante a pandemia? 

Na reunião de sua instalação, os participantes expuseram  temas que entendem prioritários para atuação concertada. Desta forma, conectividade, busca ativa, retorno seguro às aulas e regulamentação do ensino híbrido foram os temas identificados como prioritários para início da atuação do Gaepe. Agora será o momento de buscar novas informações para subsidiar as ações que serão decididas e conjunto. Relevante informar que a UFG, por intermédio do Programa de Pós-Graduação em Direito e Políticas Públicas, dará suporte científico e operacional ao Gaepe. Essa importante participação da UFG nos traz a expectativa de uma realização inovadora que conseguirá reunir impacto profissional, transformação social e rigor científico.

Poderia falar um pouco mais sobre a participação da UFG?

O PPGDP-UFG dará subsídios à coordenação do Gabinete para diagnosticar problemas e desafios na área da regulação e controle jurídico-constitucional de políticas públicas educacionais, notadamente quanto às prioridades de atuação do Gaepe-Brasil. Caberá ao PPGDP realizar análise dos resultados obtidos na experiência de articulação no ciclo das políticas de Educação

O senhor poderia deixar isso mais claro? 

Em linhas gerais, o ciclo de políticas públicas (incluindo as políticas de Educação envolve as fases de identificação de um problema, inserção na agenda pública de prioridades, concepção de soluções, escolha da solução ideal, implementação, monitoramento e avaliação. Em decorrência da atuação variada dos atores do Gaepe nesse ciclo, a experiência de articulação pode ser efetiva em todas as etapas. Caberá ao PPGDP contribuir no diagnóstico do rol de problemas e desafios na área da regulação e controle jurídico-constitucional de políticas públicas educacionais, inicialmente no contexto da pandemia do covid-19, a fim de subsidiar tecnicamente as pautas de articulação no Gaepe Brasil.

Qual a previsão de entrega de novos diagnósticos sobre o cenário no País e em Goiás?

A partir da percepção inicial das entidades participantes será possível começar o planejamento de uma agenda conjunta de diálogo para enfrentamento dos desafios expostos, ainda sem prazos definidos.

Fonte: Secom-UFG

Categorias: entrevista destaque FD Humanidades