
PORQUE O ESTADO IMPORTA
O que está por trás da destruição das políticas ambientais no Brasil?
Marcelo Rodrigues Mendonça*
No último 05 de junho – Dia Mundial do Meio Ambiente – escrevi um relato tratando dos efeitos diversos para a sociedade brasileira, principalmente a economia, diante das ações orquestradas pelo governo Bolsonaro e pelo então Ministro Ricardo Salles.
Temos algo a comemorar, era a pergunta. E imediatamente, respondia. Não. Nada. Ao contrário, temos que denunciar, propor e agir com rapidez para que as ações destrutivas, do atual governo, não sejam, ainda, mais impactantes sobre o meio ambiente, especificamente nas áreas de Cerrado e Amazônia.
A questão socioambiental, de longe, é um dos maiores problemas interpretativos (ausência de conhecimento) da maioria da sociedade brasileira, principalmente, nos últimos anos, em que os ataques aos ambientalistas e lutadores da Vida – Natureza – se intensificaram e passaram a ser, amplamente, justificados pelos discursos de ódio e intolerância.
O Brasil é um dos países que mais matam ativistas socioambientais no Mundo. Isso por si só diz como o Estado brasileiro, mas, principalmente os “empresários modernos” tratam a questão socioambiental, seja aqui no Cerrado e no que resta dele, seja na Amazônia e seus povos que sofrem as múltiplas violências que estão acontecendo, inclusive, neste momento, mediante a aprovação do PL 490 na CCJ da Câmara dos Deputados que se configura num ataque aos direitos territoriais dos povos indígenas.
Mas, qual a relação entre as terras indígenas e demais populações tradicionais e a questão ambiental?
Esses territórios (terra indígenas, unidades de conservação, comunidades quilombolas, assentamentos de reforma agrária) somam, aproximadamente, um terço do território brasileiro e, em sua maioria, estão preservados.
Assim, a alteração na legislação sobre terras indígenas, combinada com o projeto de lei 3729/04 – a mãe de todas as boiadas – que enfraquece o licenciamento ambiental, permite uma desenfreada corrida para invadir esses territórios, pois estão “bloqueados para os processos de acumulação do capital”, conforme descrevem Oliveira; Tomaz (2021).
A violência cometida e as declarações do atual presidente que incitam os madeireiros ilegais, latifundiários, garimpeiros, mineradoras a invadirem os territórios das Comunidades Tradicionais, tem o objetivo de atender os compromissos feitos para a sua eleição em 2018, em que esses setores da elite brasileira, associadas aos interesses internacionais, anseiam há décadas.
Disso decorre uma multiplicidade de crimes. Ambientais, contra os direitos constitucionais e, principalmente contra a vida. Várias denúncias têm sido feitas. A organização internacional Global Witness destaca que ser ambientalista no Brasil é uma das atividades mais perigosas do mundo. Por que? Porque matam... nos matam todos os dias. Quem é assassinado? Lideranças indígenas, ativistas comunitários na luta pelos territórios (água, terra, floresta), ambientalistas.
O Brasil tem sido o lugar “mais perigoso para defensores da terra ou do meio ambiente na última década, com média de 42 mortes por ano desde 2012”. E a pergunta mais importante. Quem mata ou manda matar? Madeireiras (empresas estrangeiras, madeireiras ilegais), mineradoras (grandes mineradoras, garimpeiros), agronegócio/latifúndio (expansão das pastagens, principalmente).
Na verdade, há um conluio (um acordo para a morte) entre esses segmentos da “economia clandestina” e, desde 2016, mas, mais intensamente após as eleições de 2018, diante da omissão proposital do Estado (no caso, o chefe do governo) e seu aparato de fiscalização e repressivo que, “fingem de mortos” e, assim, incentivam as ações destrutivas, as violências, os assassinatos no Brasil e, destacadamente, na Amazônia.
Dados obtidos através da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Conectas Direitos Humanos, destacam o aumento do desmatamento ilegal de 74% entre 2018 e 2019 nas terras indígenas. “A terra Ituna/Itatá, localizada no Pará, é a mais afetada pelo desmatamento no Brasil, de acordo com dados oficiais. Essa terra abriga um povo isolado. A área teve 119,92 km² de floresta suprimidos, o que corresponde a 28,33% de todo o desmate nas áreas indígenas do país”.
Claro, não se pode esquecer dos outros territórios em disputa como o bioma da Caatinga, que está sendo destruído pelo agronegócio monocultor de commodities, em nome do progresso como ocorreu com o Cerrado e, agora os territórios da Caatinga estão sendo disputados, a tapas, tiros e mortes que expulsam os camponeses (geraizeiros, ribeirinhos, populações tradicionais diversas) de suas terras para a implantação dos grandes empreendimentos nacionais e estrangeiros, em sua maioria, a cadeia produtiva da soja, no MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia).
Da Mata Atlântica (resta poucos vestígios), já que, foi a primeira a ser devastada com a exportação do pau-brasil, implantação dos cultivos de cana, café e intensa urbanização. Já o Pantanal, onde o gado é o melhor bombeiro etc., parece que já temos a solução. Criar mais gado para alimentar os chineses e outros seres do Mundo, enquanto aqui, a maioria dos brasileiros não pode comer carne, embora, tenhamos muito mais bois do que gentes.
Lá pras bandas do Rio Grande, temos/tínhamos os Pampas, famosos pelas estâncias gaúchas e que agora (mais da metade) está sendo devastado pelos eucaliptais e outras plantas exóticas para a produção de papel formando os desertos verdes.
E aí? O que comemorar?
E nem falamos dos projetos que tramitam no Congresso Nacional, como a PEC 80 que altera os Artigos 182 e 186 da CF, proposto pelo Senador F. Bolsonaro e que altera a função social da propriedade urbana e rural. O famigerado PL 191/20 que prevê a instalação de mineradoras em Terras Indígenas. E, existem muitos outros.
A Constituição Brasileira – Constituição Cidadã – estabeleceu a proteção do meio ambiente em seu Artigo 225 que diz: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
De lá pra cá, muita coisa mudou... e para muito pior!
É importante refrescar as memórias, pois durante uma reunião ministerial do atual governo, em 22 de abril de 2020, gravada e divulgada pelo STF semanas depois, o destruidor/criminoso oficial do MMA – Ricardo Salles, agora ex-ministro – defendeu que a pandemia era uma ótima “oportunidade para ir passando a boiada e mudando o regramento e simplificando normas ’ambientais’ de baciada”. Disse ainda, que tinham que aproveitar o momento porque todos e a imprensa, em particular, só estavam preocupados com a pandemia da Covid-19.
Para finalizar e compreender o papel de destruição das políticas ambientais no Brasil pelo Governo Bolsonaro, basta comparar o orçamento do MMA em 2010 que era 7,2 bilhões e 11 anos depois, em 2021 passou a ser de 2,4 bilhões.
E aí? Vai ficar lamentando e transformando dados científicos em “achismos” e ilações de origem divina, como fazem com a pandemia que matou mais de meio milhão de pessoas, negando, mais uma vez, a ciência, tapando o sol com a peneira... ou vai tirar o “pé do chão” e agir, coletivamente, em defesa da Vida?
Caso tome a atitude de defender a Vida, comece se informando sobre a importância do Estado na construção das políticas públicas e na necessidade imediata de formar uma Frente Ampla, capaz de destituir esses vilões/assassinos do poder e, imediatamente, recompor as políticas socioambientais brasileiras, dialogando com os líderes mundiais com autonomia, responsabilidade, compromisso ético e político, visando assegurar a tão desejada sustentabilidade. O desafio está posto. E a escolha é sua!
Para mais informações
Plataformas de Dados do Observatório do Estado Social Brasileiro
http://obsestadosocial.com.br/
https://observatorio.spatialize.com.br/#/
Canal Porque o Estado Importa
https://www.youtube.com/channel/UCuZDu3jkiPMfxYTmfzVzKWw
Referências
Brasil é o país que mais mata ambientalistas no mundo, diz ONG. Disponível em:https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/07/24/interna-brasil,696973/brasil-e-lider-em-mortes-de-ativistas-ambientais-diz-ong.shtml
CARVALHO, Jéssyca Tomaz de; OLIVEIRA, Adriano Rodrigues de. O agronegócio no Brasil: o discurso da fração de classe reinante. Revista NERA, v. 24, n. 58, p. 28-55, mai.-ago., 2021. Disponível em: https://revista.fct.unesp.br/index.php/nera/article/view/8082
MENDONÇA, Marcelo Rodrigues. DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE: temos o que comemorar? Disponível em: https://www.facebook.com/prof.marcelomendonca
Sofrimento ignorado: desmatamento em terras indígenas aumentou 74%. Disponível em: https://observatorio3setor.org.br/noticias/sofrimento-ignorado-desmatamento-em-terras-indigenas-aumentou-74/
* Marcelo Rodrigues Mendonça é professor associado do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG
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Fonte: Secom-UFG
Categorias: colunistas IESA