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Universidade Federal de Goiás
PORQUE O ESTADO IMPORTA

PORQUE O ESTADO IMPORTA

Em 11/08/21 09:42. Atualizada em 13/08/21 15:21.

A saúde e os afetos: o que nos restará após a pandemia?

Rusvênia Luiza Batista Rodrigues da Silva*

O sofrimento é inevitável e ubíquo, conforme Christopher Dejours, psiquiatra e psicanalista francês, um dos maiores nomes no estudo dos efeitos do trabalho na vida social contemporânea. Como podemos refletir o sofrimento causado pelos impactos da pandemia na saúde mental dos membros de uma comunidade universitária?

Como se já não bastasse saber que o desenvolvimento das forças produtivas provoca seus impactos na saúde mental dos trabalhadores; como se não fosse suficiente conhecer a maneira como as pressões no trabalho colocam em cheque o equilíbrio psíquico e a saúde mental dos trabalhadores; como se não fosse notável saber que incertezas diante do futuro arruínam as expectativas de satisfação e felicidade  - materiais, mentais, individuais e coletivas, fazendo com que estejamos frustrada(o)s e tristes ao olhar para o horizonte.

Já tínhamos isso para lidar, com maior ou menor consciência. Algumas pessoas buscando esperança, vivendo filigranas de alegrias, no que a vida se transformou em seus momentos de vertigem. Todos, de algum modo, afetados nessa insistência de viver o adverso, o que, para o pesquisador francês, é a principal causa do sofrimento no trabalho.

No equilíbrio entre nossas defesas psíquicas e a realidade, já se sabe que no primeiro semestre da pandemia, com a suspensão das aulas, no caso da UFG, houve também uma redução da busca por atendimentos junto aos programas de assistência à saúde mental oferecidos pela universidade, como o Saudavelmente. De modo oposto, tão logo as aulas retornaram, a busca por atendimentos emergenciais e rotineiros aumentou: junto com a paralisação das aulas, as nossas, também ficamos paralisados, já não se sabia quanto tempo ficaríamos reclusos, parecia inacreditável que o confinamento não tivesse dia e hora para terminar.

À medida que a “ficha” foi caindo, as tensões foram, invariavelmente, ampliadas: numa escala geral, encontramos um número grande de textos, de diversas fontes, que apontam para a alteração das expectativas em relação ao ano letivo e sua interferência na saúde mental dos estudantes universitários. As tensões e incertezas em relação ao futuro e tudo o que representa a formação acadêmica, no sentido de que essa, tal formação, traz uma promessa conformada aos afetos: o futuro, a formatura, a alegria e o entusiasmo que se percebia nas colações de grau, mesmo que isso não fosse a promessa de uma realização plena de vida feliz, tudo isso foi interrompido e nada foi colocado no lugar senão a imprecisão sobre o futuro.

Nenhuma: nem a gestão da universidade ou dos institutos poderiam prever que decisões seriam mais favoráveis para minorar o sofrimento da comunidade acadêmica. Se o sofrimento se associa a fatores históricos e também à história psíquica dos homens, a promoção da saúde é mais difícil quando preservar a vida implica estar confinado em casa. A casa pode ser um lugar de afetos genuínos – muitos trabalhadores associam a casa como sinônimo de vida afetiva plena e o trabalho como lugar de tensão...mas pode ser o contrário, sobretudo quando unimos casa e trabalho, quando conjugamos o espaço e percebemos que cada um de nós tem condições muito diferentes de realizar essa fusão. A casa pode ser muita coisa, pode ser a prisão das tarefas domésticas, o lugar da violência silenciada, o ponto de tráfico, o lugar de cuidado e trabalho, a explicitação das carências, o sinônimo da tragédia.

Dá angústia ver estudantes trabalhando enquanto estudam; outros voltando para casa do trabalho noturno, acessando as aulas on line pelo aparelho de celular no trajeto do ônibus. Estudantes que comungam muitas funções no ambiente doméstico por serem, ao mesmo tempo, filhos, pais ou mães. Estudantes que com a pandemia e a crise econômica, o desemprego e a redução do poder de compra tiveram que sair de casa e se expor ao risco de contaminação em busca de emprego, pois só isso tornaria possível sobrevivência básica das famílias.

Várias são as realidades que surpreendem e redimensionam o lugar da universidade não apenas como lugar, não apenas da produção e difusão de conhecimento. A missão social da universidade é sim produzir conhecimentos em benefício dos homens – não apenas com a exposição das maneiras que todos temos de internalizar para se proteger da contaminação pelo vírus; não apenas com a descoberta de tratamentos aos contaminados; não apenas com as pesquisas que nos levaram a produzir uma vacina. Para além de tudo isso, a universidade deve ser chamada para formar pessoas conscientes de seu papel social, capazes de se posicionar politicamente diante do negacionismo e das injustiças.

O estado de emergência fez aumentar o estresse, a ansiedade e a depressão: desajustou e escancarou as diferenças sociais já existentes. Os efeitos deletérios do confinamento tencionam a vida de cada um: há turmas de alunos e alunas que sequer conhecem a universidade, que foram impedidos de construir as suas memórias junto a esse espaço de rica sociabilidade. Há corredores vazios, laboratórios empoeirados, espaços cheios de silêncio. Os mais vulneráveis socialmente estão em uma canoa furada: guerreiam com seus poucos recursos para se manterem vivos e de pé. Temos uma responsabilidade muito grande diante disso, todos nós, professores e professoras. Devemos ter clareza e sensibilidade para não engrossar o universo de algozes.  

Acesse informações  de qualidade sobre o Estado Social

Plataformas de Dados do Observatório do Estado Social Brasileiro

http://obsestadosocial.com.br/

https://observatorio.spatialize.com.br/#/

 

Canal Porque o Estado Importa

https://www.youtube.com/channel/UCuZDu3jkiPMfxYTmfzVzKWw

 

*Rusvênia Luiza Batista Rodrigues da Silva é professora de Geografia do IESA/UFG

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

 

Fonte: Secom-UFG

Categorias: colunistas Porque o Estado Importa IESA