
Mesa-redonda discute pandemia, negacionismo e saúde mental
Debate levantou a reflexão sobre a sociedade brasileira durante a crise sanitária
Laíza Miranda*
Na quarta-feira (16/02), o terceiro encontro do 16º Congresso de Psicologia da UFG teve como tema motriz “Pandemia, Negacionismo e Sofrimento Psíquico" para refletir sobre os impactos da pandemia na saúde mental dos brasileiros em face da política bolsonarista de enfrentamento da crise mundial. O encontro foi realizado de modo virtual pelo canal do evento do XVI Congresso de Psicologia da UFG e teve como mediadoras as discentes Gabriela Carvalho e Luísa Jaques.

Além dos palestrantes Crisóstomo Lima, Kássio Kran e Ionara Rabelo, o evento contou com a participação da artista Luz Negra, rapper goiana, que realizou a abertura do encontro com a apresentação de músicas autorais. Kássio Kran, psicólogo, fundador do Instituto Ubuntu e também ativista social, destacou a sua gratidão em participar do evento, por ser, segundo ele, um projeto que visa primordialmente dialogar com a comunidade e aprofundar o compromisso social da Psicologia.
Ao abrir a discussão sobre o negacionismo instalado na sociedade, Kran destacou que o direcionamento das políticas públicas para enfrentamento da pandemia se deu a partir da construção social, histórica e cultural de cada país. Em consequência, o ativista apontou que no Brasil havia dois processos sociais em andamento que culminaram no cenário negacionista e de sofrimento psíquico: Primeiro, com a divisão social polarizada, que de acordo com Kran foi baseada em uma campanha eleitoral controversa, na difusão de “fake news” e no discurso de ódio; E, depois, com o sucateamento da economia, que segundo o ativista, se deu a partir de políticas públicas que visaram atender aos caprichos da corporação pública em detrimento das necessidades reais da população e do país. “Com essa euforia política, nascia mais a direita, a necropolítica brasileira”, fundamenta Kran.
Na sequência, o psicólogo ressalta o crescimento de um sistema baseado na necropolítica e necroliberalismo no qual existe uma escala que define quais vidas são mais importantes que as outras. Kran denomina esse processo como “sistema perverso”, onde os interesses pessoais conflitam com os princípios universais. Com isso, o ativista aponta a causa da sociedade brasileira naturalizar a morte nos guetos e nas favelas, assimilada, portanto, como normatização para proteção da “sociedade de bem”, que segundo ele é apoiada, ainda, por políticas de encarceramento, fortalecendo a estruturação do racismo na sociedade como continuação da escravidão no país.
Na sequência, a doutora e psicóloga Ionara Rabelo abordou os impactos dos desdobramentos da pandemia e as consequências desses desdobramentos na saúde mental da população, tendo como agravantes as diferentes perspectivas políticas e governamentais do país e de cada estado, gerando um estresse em todas as esferas da sociedade. Ela destacou a frágil responsabilidade e inércia do governo em direcionar e implementar o Plano Nacional de enfrentamento da covid-19, o qual foi elaborado por sociedades científicas que se comprometeram e efetivaram a implementação do plano de enfrentamento.
Segundo Ionara, as sociedades científicas, como Fiocruz e pesquisadores, foram cruciais para avançar nos enfrentamentos contra a pandemia, os quais muitas vezes tiveram, e ainda têm, que “empurrar” o negacionismo que acaba por atrapalhar o trabalho de atores comprometidos na luta contra a falta de gestão e da desarticulação no enfrentamento da pandemia.
Professor e psicólogo clínico, Crisóstomo Lima foi o último palestrante da mesa, e afirmou que os movimentos negacionistas vêm ganhando destaque nos últimos anos, sendo disseminados principalmente pelas mídias sociais. Segundo ele, sua crescente receptividade, suas ideias, assim como notícias de conteúdos não verídicos, pode ser apontada como uma espécie de crise epistemológica, relacionada a uma depreciação de instituições no geral e, junto disso, da ciência.
Ele reitera ainda, que é importante que aconteçam eventos como o Congresso de Psicologia e que é essencial que haja uma abertura da universidade para uma aproximação com a sociedade e, assim, seja possível romper com essas movimentações. “Não há dúvidas de que muito da invisibilidade e até mesmo negação que a universidade e a sociedade tem hoje também se dá por esse distanciamento”, complementa.
Crisóstomo falou, ainda, que existe um flerte do negacionismo com a intolerância. Ou seja, além da negação das conquistas históricas da humanidade - como a própria construção do conhecimento científico - a intolerância também emergiu de forma muito intensa, caracterizando o surgimento daquilo que nunca deixou de existir. Ele chama esse fenômeno de “calosidades estruturais na sociedade”, como homofobia, transfobia, sexismo, intolerância religiosa e ideológica, etc. Ele aponta que, além do contexto político em que vivemos, “é como se a pandemia tivesse sido um contexto favorável”.
*Laíza Miranda é estagiária de Jornalismo sob supervisão de Kharen Stecca e orientação de Silvana Coleta
Fonte: Secom UFG
Categorias: Humanidades FE