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Universidade Federal de Goiás
Inova

INOVA

Em 31/08/22 15:48. Atualizada em 31/08/22 15:48.

Open Sience, open data: a nova cultura em pesquisa que exige integridade na pesquisa e (muita!) atenção à propriedade intelectual

Tatiana Ertner

“ O mais aberto quanto possível, o mais fechado quanto necessário!” esse lema é a forma minemônica que as pessoas encontraram para tentar fazer sentido o que é a nova realidade: a open science. O termo vai em inglês mesmo, porque, em português chega a causar estranheza tamanho pleonasmo. Ciência (aberta), scientia, quer dizer conhecimento. Conhecimento trancado a sete chaves passa longe de ser conhecimento.

O que é, então, open science? Todos realmente entendem no que consiste?

A resposta, não é preciso esforço para proferir, é NÃO! E não tenham vergonha disso, pois ainda há muito debate quanto ao que devem ser as primícias da open science. O que é consenso é que a open science existe para se referir ao conhecimento que é compartilhado em uma perspectiva global,  que se trata de uma mudança radical de paradigma quanto a como se faz pesquisa e como seus resultados devem ser disseminados. E isso, atrelado ao fato de que open science deve promover, simultanemente, o desenvolvimento tecnológico e a mudança cultural para abertura e colaborações. Portanto, suas diretrizes nem sempre são fáceis de se definir, mas tem objetivos muito claros:

  1. Observar os aspectos éticos e íntegros na proposição, condução e divulgação da pesquisa;
  2.  Estabelecer uma estruturação da carreira em pesquisa que estimule práticas que contribuam para a criação de um sistema de conhecimento compartilhado;
  3. Promover a inovação;
  4. Se referir a uma pesquisa confiável, transparente e notável;
  5. Se basear em políticas e práticas de evidências;
  6. Se apoiar em uma cultura que facilite a diversidade e a igualdade de oportunidades.

 

Nenhum desses objetivos são facilmente alcançados, exige um esforço que, evidentemente, muitos podem não estar dispostos a realizar, a não ser se uma situação extrema se apresente. E foi isso que nos aconteceu em 2020. 

Por causa das urgências de nossa sociedade e da velocidade com que a comunicação ocorre mundialmente através da internet, o paradigma da pesquisa, estabelecido no século 17 e baseado exclusivamente na comunicação científica em periódicos científicos de alto impacto já não mais atende às demandas. Ele se mostra disfuncional, uma vez que não consegue responder rapidamente a situações que afetam os direitos fundamentais do ser humano, como o direito à saúde e à segurança. 

Nessa perspectiva a open science é capaz de promover a rápida transferência de know-how e tecnologia e a valorização da propriedade intelectual, o que a torna a aliada ideal para o estabelecimento da open science. 

Como exemplo dessa relação, no contexto da pandemia da COVID-19, a comunicação imediata que se deu por meio de open data, open access e  preprints fez com que a disseminação de produtos de pesquisas relevantes alcançassem em curtíssimo tempo os setores produtivos, de modo que foi possível combater a pandemia, globalmente, com a produção de insumos, equipamentos e desenvolvimento de vacinas, entre outros. Aqui, as componentes da open science se destacaram e alavancaram a percepção da necessidade de se abandonar a forma antiga de se comunicar ciência e passar a adotar essa nova forma, que amplia os horizontes da influência científica na vida das pessoas.

As componentes da open science podem ser agrupadas naquelas relacionadas aos resultados e as relacionadas aos atores do processo. As primeiras dizem respeito à necessidade das comunicações dos resultados se darem por veículos de acesso aberto (open access), inclusive com acesso aberto aos dados das pesquisas (open data) e observando os preceito dos dados FAIR (do inglês findable, accessible, interoparable e resuable). Nesse contexto, é evidente que nova métricas, com indicadores que substituam o sistema baseado na medida da números de publicações em periódicos que impacto com número de citações e evidenciem a qualidade da ciência produzida no novo paradigma. Na verdade, esse é um assunto que vem sendo longamente debatido e hoje já existem mais de 150 propostas de indicadores que representam a nova realidade, muitos deles considerando aspectos da propriedade intelectual como informação relativa à qualidade e impacto da pesquisa.

 As últimas consideram o que é o grande desafio da open science: promover uma avaliação profissional do pesquisador que o estimule e o encorage a mudar seus esforços na direção da open science. Sem ele, o processo não ocorre e é preciso que ele se dedique completamente à mudança para que ela se perpetue e tenha resultados de impacto. A Holanda e a Noruega são exemplos de países que já iniciaram o processo de mudança. Criaram uma matriz de avaliação da atividade do pesquisador que considera, inclusive, aspectos ligados a patentes e a licenças como uma prática da open science compreendidos nos termos do impacto da pesquisa!

A percepção da importância dos direitos de propriedade intelectual no avanço e manutenção da open science não para por aí. O outro aspecto  fundamental da open science, relacionado aos atores, diz respeito a treinamentos em open science, que são a forma mais rápida de engajar e estabelecer uma comunicação entre os pesquisadores e as práticas da open science. De modo geral, os pesquisadores que estão realizando os treinamentos (existem diversos programas, entre eles, o FOSTER e FOSTER+, disponível em diversos idiomas) informam que sentem a necessidade de serem treinados nos aspectos relacionados à propriedade intelectual. Mesmo que já a conheçam, o que é realidade em muitos países, mas está longe de ser no Brasil, o conhecimento dos aspectos da proteção, manutenção, uso dos direitos de PI, bem como da sua capacidade de informação científica é compreendido como essencial para que os pesquisadores possam contemplar completamente as práticas da open science em seus projetos de pesquisa. Assim como conta-se, na open science, com a dedicação dos pesquisadores às atividades, contemplando os aspectos éticos e de integridade em pesquisa, também conta-se com sua capacidade de compreender e avaliar as potencialidades dos resultados das pesquisas em transformar a vida das pessoas e, desse modo, habilitá-los à transferência de know-how e tecnologia por meio da correta proteção da propriedade intelectual. Muitos afirmam, inclusive, que ética, integridade em pesquisa e propriedade intelectual devem ser inseridos nos currículos das pós-graduações.

Reconhecer a propriedade intelectual como uma das forças da open science só contribui para a credibilidade do que se produz nesses princípios e incentiva outros a seguirem por esse caminho. Ao contrário do que muitos podem pensar, a proteção da propriedade intelectual de maneira alguma cria obstáculos para a pesquisa open science, pois, segundo a Convenção de Berna de 1886, a autoria de um produto deve ser imediatamente reconhecida, sem obstáculos.  Isso é garantido pelas leis de direitos autorais em todo o mundo e mesmo quando observamos o processo de pedido de patente, em que uma avaliação é necessária, tomando tempo, esses pedidos gozam de uma expectativa de direito desde o momento do depósito do pedido em qualquer escritório. Quando a patente é finalmente concedida, também sua vigência passa a vigorar a partir dessa mesma data de depósito e não da data em que foi proferido o resultado do exame ou da concessão da patente. 

As vantagens em observar a proteção do produto intelectual vão além, pois essas são as fontes diretas e indiretas de novos financiamentos para pesquisa, ou através de sua negociação, que só pode ser realizada uma vez protegidas, ou por meio da demonstração das capacidades de um grupo de pesquisa ou de um centro, com o portfolio de propriedade intelectual colaborando para a reputação dos pesquisadores e instituições.

Mas, não nos enganemos. Para que a open science funcione como deve, é preciso que a propriedade intelectual também opere adequadamente. Isso quer dizer que é nossa responsabilidade, de pesquisadores, estudantes, os NITs e das universidades e centros de pesquisa, nos especializarmos nesse temas, de modo que possamos garantir a integridade dessa mudança de paradigmas que, sim, veio para ficar!!!

 

*Tatiana Duque Martins Ertner de Almeida é professora do Instituto de Química, presidente da Comitê Interno de Internacionalização do IQ, mantém linhas de pesquisa sobre propriedade intelectual, projetos de extensão de PI no ensino básico e coordena o curso de especialização em Propriedade Industrial da UFG

 

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

 

 

Fonte: Secom UFG

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