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Universidade Federal de Goiás
Emiliano Godoi

Cerrado sendo serrado

Em 01/08/23 09:09. Atualizada em 20/12/23 13:56.

Eliminar espécies antes de conhecê-las equivale a rasgar folhas de um livro que ainda não foi lido

Emiliano Lobo de Godoi* 

Emiliano Godoi

Qualquer olhar mais cuidadoso permite observar que o Cerrado não é um só bioma. É múltiplo em suas plantas. É plural em suas paisagens, que inclui campos naturais, savanas, veredas e florestas. É diverso em seus tipos de solos e microclimas. É surpreendente em sua rica biodiversidade e em suas variadas altitudes e relevos.

Por um capricho da natureza, é localizado estrategicamente interligando os biomas da Amazônia, da Caatinga, da Mata Atlântica e do Pantanal. Com isso, se transforma no principal corredor ecológico do país, estabelecendo um constante fluxo genético entre os vários biomas.

O Cerrado também é diverso em suas águas e áreas de drenagem. Nele encontram-se as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata. É uma imensa caixa d’água, de onde correm águas cristalinas, que seguem para diferentes cantos do nosso país. Com isso, se caracteriza como o Berço das Águas de nossa nação, para onde a preocupação e cuidado de todos deveriam se voltar.

Mas, ao contrário disso, apesar de tamanha importância e de tanto conhecimento acumulado, o Cerrado vem sendo cada vez mais dilacerado, serrado e tombado sem piedade. Mesmo com todos os alertas que os avançados sistemas de satélites nos oferecem, tratores e motosserras se mostram bem mais fortes e poderosos que jacarandás, aroeiras e ipês. O ronco dos motores é bem mais alto que o canto dos pássaros que se calam.

E se o cenário já estava ruim, ficou ainda pior!

Conforme dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), no primeiro semestre de 2023, essa região perdeu 491 mil hectares. Este índice é 28% maior do que o mesmo período do ano anterior, quando houve desmatamento de aproximadamente 400 mil hectares.

Em maio de 2023, o desmatamento na região registrou um aumento de 83% em relação ao mesmo mês do ano passado, de acordo com o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O mês de junho também apontou um aumento significativo, com 126 mil hectares desmatados, um aumento de 20,6% em comparação ao mesmo mês do ano anterior.

A nova fronteira agrícola denominada Matopiba, que compreende áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, foi responsável por 74,7% de todo o desmatamento do Cerrado. As demais regiões do Cerrado apresentam números bem menores de desmatamento pelo simples motivo de não terem mais o que desmatar.

Eliminar espécies vegetais antes de conhecê-las equivale a rasgar folhas de um livro que ainda não foi lido. E é exatamente isso que está ocorrendo no Cerrado. O capital natural que a região possui está sendo gasto antes de ser estudado e contabilizado. Com isso, temos um Cerrado cada vez mais serrado, com menos espécies vivas e com mais espécies extintas. Só nos resta torcer para que a resiliência do Cerrado seja maior que a ganância do Homem!

*Emiliano Lobo de Godoi é professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Fonte: Secom UFG

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