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Universidade Federal de Goiás
filme oppenheimer

Cientistas da UFG analisam Oppenheimer

Em 14/08/23 19:14. Atualizada em 15/08/23 11:41.

Filme aborda a temática da bomba atômica e da energia nuclear. Confira as entrevistas com os pesquisadores da UFG!

Caio Rabelo, Kharen Stecca e Letícia Carvalho

Sucesso nos cinemas,  o filme Oppenheimer tem chamado atenção de muita gente, por isso a @UFG_oficial procurou os cientistas da Universidade Federal de Goiás para fazer uma breve análise sobre o filme. O material ganhou proporções maiores e agora o Jornal UFG traz na íntegra a entrevista com os dois professores da UFG, Carlo Patti e Fábio Braghin. Carlo Patti é docente do curso de Relações Internacionais (FCS/UFG) e autor do livro "O Brasil e a Bomba Atômica: O Brasil na ordem nuclear global 1945 – 2018", Fábio Braghin é docente do curso de Física (IF/UFG), membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Física Nuclear (INCT-FNA) e bolsista PQ2 do CNPq.

 

Oppenheimer e o Brasil

 

Explique para quem ainda não conhece bem resumidamente, quem foi o Oppenheimer e qual sua importância na história?

Carlo Patti - Oppenheimer era um físico estadunidense chamado pai da bomba atômica dos Estados Unidos. Ele foi o diretor científico de um dos projetos dentro do projeto Manhattan,  que levou a criação da bomba atômica em 1945, um esforço que começou no começo da década de 1940 durante a 2ª Guerra Mundial. Ele é um físico, um homem da ciências duras, mas com uma formação também humanista e isso pode explicar também a sensibilidade política dele que o levou a enfrentar grandes desafios não somente científicos, mas também políticos.

Ou seja, Oppenheimer é conhecido por ter sido uma espécie de Prometheus da era moderna, porque ele garantiu que o homem conseguisse controlar a energia atômica e também foi uma figura central em tentar garantir o controle internacional dessa forma de energia, para evitar que ela fosse utilizada novamente. É importante pensar em Oppenheimer como uma figura entre cientista e humanista considerado o pai da bomba, mas também uma das principais vítimas de uma cruzada anticomunista, e poderíamos dizer também antiintelectual, própria da Guerra Fria e do embate que teve entre os Estados Unidos e a União Soviética, porque nesse embate também se configurava aquela que era uma rivalidade sobre o controle da energia atômica e Oppenheimer foi uma figura que, logo depois da explosão das bombas atômicas no Japão, tentou propor nas Nações Unidas, por exemplo, que a energia atômica fosse banida para o uso militar, para a destruição inicial dos arsenais nucleares, para evitar então a corrida armamentista que conhecemos bem e para garantir o uso pacífico dela. Ele é uma figura importante porque ele tem esse engajamento de fazer a ciência de fato a serviço da humanidade, no sentido positivo. Ele foi o pai da bomba atômica porque a bomba atômica era funcional sobretudo para a derrota da Alemanha nazista. Ou seja, qual era a lógica que estava atrás da bomba atômica? A possibilidade dos alemães chegarem antes, eles poderiam utilizar essa bomba atômica e ganhar a Segunda Guerra Mundial. E então acabar com valores democráticos, liberais no sentido mais progressista, podemos dizer assim e valores também de liberdade, considerando que o Oppenheimer era um homem do próprio tempo,  pertencia a uma família muito rica, de origem judaica alemã e que fazia parte de uma elite também intelectual do começo do século 20 nos Estados Unidos e estava fortemente engajado. Isso ficou claro a partir da década de 1930, quando ele estava fortemente envolvido com a luta contra qualquer tipo de opressão das liberdade civis e daquela que era a possibilidade de uma liberdade também no mundo científico. 

Carlo Patti
Carlo Patti tem um livro publicado sobre os planos nucleares brasileiros (Imagens: Caio Rabelo)

 

Oppenheimer é conhecido por isso, mas é conhecido sobretudo por aquela que foi a grande derrota, a grande tragédia dele, que coincidiu de fato com aquele período macarthismo que caracterizou os Estados Unidos a partir do final da década de 1940 até a metade da década de 1950 que foi chamado também de caças às bruxas, aos comunistas e isso levou ele a uma tragédia humana, política e científica porque culminou na retirada de suas credenciais de segurança como membro da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos, que ele também contribuiu a criar como diretor e ele perdeu a possibilidade de ter acesso a todos os segredos atômicos que os Estados Unidos tinham, ter acesso direto e influência àquelas políticas ligadas à energia nuclear da época. Então Oppenheimer de grande cientista, modelo de como um cientista poderia contribuir ao desenvolvimento da humanidade, ao desenvolvimento da política, ao prestígio dos cientistas se tornou uma espécie de mártir, do macarthismo, sobretudo das lógicas da Guerra Fria, as lógicas mais cruéis da Guerra Fria, marcada por uma corrida à construção de arsenais sempre mais letais e sempre mais numerosos, chegando a um número infinito de armas nucleares muito grandes até o final da década de 1960.

Então Oppenheimer, além de ser um símbolo por ter criado um dos departamentos de Física mais avançados e mais atualizados nos Estados Unidos na década de 1930 e 1940 na Universidade de Berkeley na Califórnia foi também um símbolo de fato de como a ciência e os cientistas foram derrotados.

 

No seu livro O Brasil e a bomba atômica você aborda a participação do Brasil na ordem nuclear global. A gente queria saber como o  trabalho de Oppenheimer se relaciona com o desenvolvimento Nuclear no Brasil.

Carlo Patti - O trabalho de Oppenheimer e o trabalho de todos os cientistas que contribuíram ao projeto Manhattan que é o nome em código para identificar o programa atômico americano, claramente influenciou muitíssimo o Brasil. Desde logo depois das explosões em Hiroshima e Nagasaki o governo brasileiro, os cientistas brasileiros, se envolveram como foi possível aos cientistas que construíram a bomba. Isso foi imediatamente depois das explosões que ocorreram no dia 6 e 8 de agosto de 1945. E aquele que ia se tornar o pai do programa atômico brasileiro, Álvaro Alberto da Mota e Silva, pediu a um dos assistentes para entender como se chegou a bomba. Foi feito no Brasil um relatório, pouco depois das explosões em Hiroshima e Nagasaki, sobre como a bomba poderia ter sido construída. O projeto Manhattan e Oppenheimer foram um modelo para o Brasil, sobre a possível construção de uma estrutura burocrática administrativa que administrasse um programa nuclear brasileiro. Qual era o interesse do Brasil na época? O interesse do Brasil era entender como essa forma de energia podia servir para o futuro desenvolvimento de uma nação que na época era uma nação prevalentemente agrícola com um setor industrial ainda muito incipiente e como setor científico ainda mais incipiente.

E porque o Brasil era importante? O Brasil participou do esforço atômico através dos próprios recursos minerais a partir de 1945. Mais especificamente o período entre fevereiro e julho de 1945, o Brasil começou a enviar para os Estados Unidos as chamada areias monazíticas, que são materiais ricos em tório, ou seja um elemento que se pode produzir plutônio, que é um elemento para a produção das bombas atômicas, um elemento também útil para a produção de energia atômica para  finalidade civis. O modelo da comissão atômica americana podia ser seguido no Brasil, de fato há um impacto imediato disso já a partir de fevereiro de 1946. E Oppenheimer em si é visto como um modelo de cientista também aqui no Brasil e não é um acaso que Oppenheimer pouco antes daquele que será o próprio declínio, visitou o Brasil em 1953, depois de um encontro que tinha acontecido em Nova Iorque entre o Álvaro Alberto, que na época era o Presidente do Conselho Nacional de Pesquisa, o CNPQ, que é hoje em dia o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e que na época era o órgão designado pelo estado brasileiro para o desenvolvimento da energia atômica. Então há um encontro anterior entre Álvaro, ou seja o pai do programa brasileiro, e Oppenheimer onde Álvaro Alberto pergunta a Oppenheimer qual é o melhor caminho que o Brasil poderia percorrer, trilhar para chegar ao controle de energia atômica. Oppenheimer nesse breve encontro deu algumas dicas preciosas sobre aqueles que seriam os esforços mais proveitosos na construção de um programa atômico. Depois houve uma visita ao Brasil e este ano estamos celebrando os 70 anos da vida de Oppenheimer, onde ele repetiu as possibilidades de um projeto atômico brasileiro. 

Oppenheimer foi questionado também sobre como a bomba era feita por parte das autoridades brasileiras, mas de fato por aquela que era a consciência ética dele e sobretudo pela obrigação de silêncio que ele tinha dos segredos atômicos, ele não deu nenhuma informação a respeito. Na época o Brasil tinha também alguns interesses em fazer experiências em relação a alguns conhecimentos úteis para a explosão e detonação de bombas. Então é interessante ver como Oppenheimer teve uma relevância direta na primeira fase do programa atômico brasileiro e vários assistentes de Oppenheimer, foram também as primeiras vítimas entre os cientistas excluídos do programa atômico americano e ostracizados por parte da academia estadunidense, depois dos primeiros  julgamentos por parte do congresso americano.

Então podemos ver como os frutos também dessa campanha contra Oppenheimer e contra o cientistas americanos, que eram considerados próximos com ideias esquerdistas ou próximos ao comunistas, tiveram também efeitos benéficos por aquele que era um projeto incipiente de construção da ciência do Brasil sobretudo na área da física teórica.

Livro Carlo Patti
Livro retrata a posição do Brasil no contexto mundial da ordem nuclear

 

O filme retrata a vida pessoal e profissional do cientista. Quais são os aspectos mais interessantes da vida de Oppenheimer para quem ainda não viu o filme, né?

Carlo Patti - Os aspectos mais interessantes são ligados à complexidade de Oppenheimer  como cientista, homem e político. Como figura fortemente ligada à política e fortemente influenciada pela política do tempo. Então os espectadores podem ver uma figura psicologicamente complexa, um lado pessoal. Uma figura eticamente complexa, sobretudo em consequência do uso das armas nucleares. Ele é uma figura também que apresenta sinais de fraqueza, sobretudo nos momentos em que se encontra sob pressão.

Então os espectadores poderão ver como ele se relaciona com o presidente dos Estados Unidos, com a comissão que o julgará em 1954 e também uma figura acadêmica que, em alguns casos, não se dá conta do uso da própria superioridade intelectual.

Atualmente, como podemos definir o cenário Nuclear no mundo?

Carlo Patti - Atualmente o cenário nuclear no mundo está provavelmente no momento de maior proximidade ao perigo de uso de armas nucleares, por conta da quebra dos acordos entre a superpotências ou seja, Estados Unidos e Rússia por conta da guerra na Ucrânia e, sobretudo, por conta do fim de muito dos acordos que tinham que levar ao desarmamento atômico,  que também é um dos principais questionamentos que Oppenheimer coloca.

O que é ficção no filme?

Carlo Patti - O drama da realidade é pior do que apareceu no filme. Por exemplo, a moça que morre no filme, não se sabe se ela suicidou. O diálogo com Einstein nunca aconteceu. E tem muitas partes adulteradas. Ele não tem um questionamento tão grande de imediato em relação ao não uso das bombas atômicas. Isso é algo que vai evoluindo. E ele na realidade, sem se dar conta, era uma figura fraca em alguns momentos, porque sem querer vende alguns colegas dele como comunistas. Então tem tudo isso, que no fim não aparece porque se dá uma aura de um homem que vai além.

O episódio da maçã. Ele envenenou um cara e quase foi expulso da Universidade. Eles não mostram. Ele fala disso ao longo do filme, mas na realidade o episódio da maçã acontece. O cara é envenenado. Ele não morre, mas ele coloca cianureto na maçã.  Ele tem uma espécie de adolescência longa até os 27 anos no sentido que não tem relações com mulheres. Ele encontra as respostas na literatura. Ele é um sujeito que de um lado é cientista e de outro poeta. Ele escreve em dois anos 17 artigos. 

 

E a Física Núclear?

 

Entrevista com Fábio Braghin

O senhor pode explicar para as pessoas que não estão familiarizadas, o que seria a física nuclear? Qual é o papel desempenhado pelos físicos nucleares no mundo?

Fábio Braghin - Bom, a física nuclear é uma área da ciência que investiga todos os fenômenos que estão relacionados ao núcleo do átomo. Então no núcleo do átomo, que são os elementos que compõem a tabela periódica temos dois tipos de partículas estáveis e que compõem basicamente o núcleo: são os nêutrons e prótons e todos os fenômenos que envolvem qualquer questão que tem a ver com a dinâmica, com a estrutura, com a interação dessas partículas e a gente chama de física nuclear.

Fábio Braghin
Fábio Braghin fala sobre a física nuclear

 

Qual o papel desempenhado pelos físicos nucleares no mundo?

Fábio Braghin - Então, os físicos nucleares tem uma variedade muito grande de subáreas dentro da física nuclear, então tem os físicos nucleares que procuram entender teoricamente como o núcleo atômico se comporta e tem uma comunidade que faz investigações experimentais para ajudar no desenvolvimento das teorias, interagir com a teoria. É um desenvolvimento que depende das duas partes e aplicar esse conhecimento é normalmente, em benefício e bem-estar da sociedade.  

O filme Oppenheimer aborda questões éticas relacionadas ao desenvolvimento da bomba atômica. Como os avanços na física nuclear nos levam a refletir sobre essa responsabilidade?

Fábio Braghin - Acho que o surgimento da bomba atômica apareceu num contexto muito específico, muito particular que foi ali no âmbito da Segunda Guerra Mundial, com toda ameaça nazista. Agora do ponto de vista de um cientista, uma das primeiras motivações que a gente tem enquanto cientista é procurar entender as leis da natureza e como elas funcionam. Então, desse ponto de vista, um físico tem intenção de entender. Ele não tem que dizer do ponto de vista final, onde isso vai levar, aonde o conhecimento vai chegar. Então, do ponto de vista ético, a questão que se torna em algum momento, é transformar esse conhecimento em alguma atividade, alguma aplicação que não seja benéfica para a sociedade. Foi o caso da bomba atômica. No caso específico da física nuclear, a primeira grande aplicação foi a do desenvolvimento da bomba, foi uma reação momentânea devido ao momento histórico que a humanidade estava vivendo. Mas depois disso, tirando esse fato, a quantidade de aplicações aumentou muito, desde produção de energia, aplicações na física médica, diagnóstico, tratamento de doenças e tratamento de alimentos, questões geológicas, há uma infinidade de aplicações. É uma questão complicada de ser analisada porque efetivamente o desenvolvimento de uma bomba é também uma tragédia.

Quais as chances de acidentes envolvendo a criação de bombas atômicas?

Fábio Braghin - A chance de acidentes existe, mas ela é muito pequena. As pessoas que trabalham com isso reconhecem o perigo que elas representam, obviamente os cuidados são muito grandes. Mas acho que não deixa de existir algum perigo. 

É possível que em uma explosão aconteça uma reação atípica que leve à destruição do planeta?

Fábio Braghin - Acho que esse foi o medo que foi abordado no filme, realmente é uma questão que pode aparecer, mas efetivamente a probabilidade é infinitamente pequena, não deve existir esse problema mesmo, porque pra você construir uma bomba você tem que concentrar o combustível, ele não existe de maneira abundante na natureza, então tem uma questão de formular o combustível de modo apropriado. 

Quais as principais contribuições científicas que o Oppenheimer trouxe pra gente?

Fábio Braghin - Oppenheimer teve uma quantidade e variedade grande de trabalhos que tiveram papel importante na física, desde aplicações da mecânica quântica, em física atômica e física nuclear, astrofísica, com relação à evolução estelar. Ele também ajudou na predição, na elaboração da ideia de antipartículas, Ele trabalhou em áreas bem diferentes, sempre contribuindo com questões bastante importantes.

Além da história da bomba atômica, o que mais o público pode aprender sobre a física nuclear assistindo ao filme do Oppenheimer?

Fábio Braghin - Pouco. Procurei prestar atenção no que que tinha de conceitos físicos no filme. Acho que foi pouco, eles abordam as questões de maneira muito leve, muito suave, por exemplo, a questão do enriquecimento do urânio. Isso apareceu mais como uma metáfora ali com as bolinhas de gude que ele colocava no pote, enfim, não chegaram a discutir realmente questões físicas de maneira a esclarecer mais, com conteúdo científico, nas questões que envolviam toda a construção da bomba.

 

Confira o vídeo no perfil @UFG_Oficial  

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Fonte: Secom UFG

Categorias: entrevista Oppenheimer Energia Nuclear IF destaque Humanidades