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Universidade Federal de Goiás
Projeto indígenas Museu Antropológico

Pesquisadores indígenas Wauja fazem curadoria no Museu Antropológico

Em 08/12/23 13:00. Atualizada em 08/12/23 17:01.

Em duas semanas, indígenas do Alto Xingu trabalharam com artefatos de sua etnia

Texto: Carolina Melo
Foto: Mayara Monteiro (Museu Antropológico)

O Museu Antropológico (MA) da Universidade Federal de Goiás (UFG) recebeu cinco pesquisadores indígenas do Alto Xingu, que, de 20 de outubro a 1º de dezembro, desenvolveram um trabalho de curadoria e documentação museológica dos artefatos de seu povo Wauja. Ao todo, 35 peças de cerâmicas foram identificadas e algumas fotos detalhadas por Yakariwana Waura, Pere Tsiyayu Waura, Wajamani Waura, Kunapu Waura e Willis Kapulupi Yawalapiti Waura.

O trabalho está vinculado à ação de extensão "Práticas museológicas e trocas de saberes entre pesquisadores Wauja e profissionais do Museu Antropológico", criada para compôr o projeto internacional "Cultura material do Alto Xingu no passado, presente e futuro: documentação colaborativa de tradição multiétnica na Amazônia brasileira", coordenado por Carlos Fausto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com apoio do Museu Britânico.

 

Projeto indígenas Museu Antropológico

Pesquisadores indígenas Wauja, do Alto Xingu, durante trabalho de curadoria no Museu Antropológico da UFG

 

Durante residência no Museu Antropológico, os indígenas puderam escolher quais objetos cerâmicos iriam fazer a leitura, assim como a identificação de fotos antigas. "No primeiro dia, nos apresentaram o espaço do museu e iniciamos o trabalho com as fotos. Conseguimos identificar lugares, aldeias e algumas pessoas que a gente ouvia falar pelos nossos avós. No segundo dia, identificamos os objetos cerâmicos, e observamos as flechas, cocar e máscaras. Depois iniciamos o trabalho de revisão dos documentos, faltava informações sobre os objetos e colocamos os nomes, inclusive na língua materna", conta Wajamani Waura, 28 anos, da aldeia Ulupuwene.

De acordo com a coordenadora de Museologia do MA, Mayara Domingues Monteiro, o trabalho envolveu "entrar na reserva técnica, fazer escolhas e movimentação de acervo, revisar, complementar ou criar documentação museológica, fotografar com qualidade de estúdio os objetos em diferentes ângulos, renomear os arquivos fotográficos, editar imagens, fazer upload das fotos e preencher metadados do acervo digital do MA".

 

Projeto indígenas Museu Antropológico

Um dos trabalhos envolveu a análise, identificação e catalogação de objetos em cerâmica do acervo do museu

 

Para Wajamani, foi um trabalho desafiador. "Foi difícil quando tínhamos que lidar com conhecimentos que não eram nossos, como medir a cerâmica, por exemplo. Depois fui pegando o jeito e foi muito bom ter acesso a outros conhecimentos. Pra mim, foi importante ajudar a complementar as informações sobre os objetos".

O pesquisador indígena observou que muitos dos objetos do Museu Antropológico estavam sem informação ou com nomes errados. "Isso para mim não é certo. Então foi muito importante fazer a identificação dos objetos. Pelo que vi, ainda faltam cerâmicas, cestaria, cocar e máscaras. Trabalhamos mais na parte das cerâmicas".

Para a museóloga Mayara Monteiro, outro resultado da parceria igualmente importante é a capacitação dos cinco pesquisadores indígenas. "A Associação da Aldeia Ulupuwene criou recentemente o Museu Indígena Ulupuwene, e essa capacitação dos jovens pode ajudar no desenvolvimento desse museu". A iniciativa também promoveu, segundo ela, "a ampliação, revisão e atualização da documentação, o intercâmbio entre os técnicos do museu e o povo Wauja, e a ampliação da relação interinstitucional".

 

Leia também: Diálogo entre saberes indígenas e acadêmicos na UFG

 

Projeto indígenas Museu Antropológico

Parceria: um dos resultados do projeto de extensão foi a capacitação dos cinco pesquisadores indígenas

 

Projeto

Entre os objetivos do projeto "Cultura material do Alto Xingu no passado, presente e futuro: documentação colaborativa de uma tradição multiétnica na Amazônia brasileira" estão: documentar duas grandes categorias de cultura material dos povos do Alto Xingu: cerâmica e objetos tecidos (em sentido amplo); estudar acervos museológicos do Brasil e do exterior; produzir uma base de dados multimídia, associando conhecimentos práticos (saber-fazer e modos de uso), metadiscursos sobre artefatos (narrativas, categorias e denominações) e uma cartografia dos recursos naturais; revalorizar e estimular a transmissão desse conhecimento entre gerações; e propor ações para proteger esse conhecimento, bem como as fontes de matérias-primas necessárias à sua manutenção.

O professor da University of East Anglia (Reino Unido) e do Centro de Estudos Mesoamericanos e Andinos da Universidade de São Paulo (USP), o antropólogo Aristóteles Barcelos Neto, foi o responsável por convidar o MA da UFG para compor o projeto, com foco na cerâmica do povo Wauja, salvaguardadas pelo museu.

Foi ele também quem selecionou os cinco pesquisadores indígenas para a vivência na Universidade. "Inicialmente foram selecionadas duas mulheres e dois homens. Mas as meninas desistiram de participar devido à dificuldade com a língua portuguesa. Em nova seleção, ficamos em cinco, com a participação de apenas uma menina", conta Wajamani Waura.

 

Projeto indígenas Museu Antropológico

Pesquisadores indígenas visitaram espaços da universidade, como o Núcleo Takinahakỹ, no Campus Samambaia

 

Incêndio

Um dia depois que chegaram em sua aldeia, após os trabalhos na UFG, Yakariwana Waura, Pere Tsiyayu Waura, Wajamani Waura, Kunapu Waura e Willis Kapulupi Yawalapiti Waura foram surpreendidos com um incêndio provocado por um raio, que deixou 60 pessoas de seu povo desabrigados.

A aldeia Ulupuwene fica isolada e a cidade mais próxima é Canarana (MT), a nove horas de distância, e é formada por 18 casas que abrigam em torno de dez pessoas cada. Seis delas, construídas em madeira e sapê conforme tradição secular, foram destruídas e seus moradores perderam documentos, redes, cobertores, alimentos, miçangas, artefatos sagrados e objetos rituais.

"Estamos tristes e ainda impactados, mas com sorte não tivemos ninguém ferido", disse Wajamani Waura. Uma rede de apoio se formou e vem recebendo ajuda para a compra de lonas e combustível para o recolhimento de madeira para a construção de abrigos temporários. "A casa tradicional pode demorar um ano ou mais para ser concluída, e a seiva e a palha utilizadas na cobertura são escassas no território e só serão colhidas quando terminar a época das chuvas, em maio de 2024", explica um dos comunicados da rede de apoio.

Campanhas na internet foram criadas para reunir doações para a aldeia. Clique aqui para a campanha nacional e aqui para a internacional.

 

Projeto indígenas Museu Antropológico

Incêndio na aldeia Ulupuwene, no estado de Mato Grosso, deixou 60 pessoas desabrigadas (Foto: JustGiving)

Fonte: Secom UFG

Categorias: museologia Humanidades museu antropológico