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Universidade Federal de Goiás
Pesquisa cartazes de rua

Discursos usados em cartazes de rua são tema de pesquisa da UFG

Em 05/03/24 08:55. Atualizada em 05/03/24 12:57.

Estudo analisou aspectos linguísticos, discursivos e cognitivos de cartazes usados por pessoas em vulnerabilidade social

Eduardo Bandeira
Luiz Felipe Fernandes

O poder de evocar e mobilizar sentimentos é uma das principais características da linguagem. Para algumas pessoas em vulnerabilidade social, esse recurso está expresso em cartazes e panfletos – objetos de estudo da pesquisadora Amanda Borges Silva durante o mestrado em Letras e Linguística na Universidade Federal de Goiás (UFG).

A pesquisadora analisou aspectos linguísticos, discursivos e cognitivos da língua portuguesa escrita em cartazes de rua. O estudo foi feito com base em 50 cartazes de pessoas localizadas em espaços urbanos de Goiânia, como sinaleiros e em frente a agências bancárias, e outras 50 imagens de cartazes retiradas de redes sociais.

Amanda explica que a temática foi sugerida por seu orientador, o professor da Faculdade de Letras (FL) da UFG Leosmar Aparecido da Silva, com o objetivo de dar visibilidade às pessoas à margem da sociedade. "A pesquisa traz visibilidade para aquelas pessoas que a sociedade considera invisível, aquelas pessoas que a sociedade às vezes não quer ouvir, não quer notar, não quer parar para ler, não quer parar para escutar", argumenta a pesquisadora.

 

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Pesquisa cartazes de rua

Cartazes ficaram mais frequentes com a necessidade de distanciamento social na pandemia (Foto: Arquivo pessoal)

 

Distanciamento

No contexto da pandemia de covid-19, que impôs o distanciamento social, Amanda observou como a linguagem escrita se mostrou uma questão de sobrevivência. "Os motoristas que paravam no sinaleiro, por exemplo, não estavam abrindo o vidro com tanta frequência. Então os autores dos cartazes encontraram na escrita uma forma eficaz de transmitir sua mensagem", relata.

Nas mensagens analisadas, um retrato do abismo social do contexto brasileiro, sobretudo durante a crise sanitária, agravada pela forma como foi gerida pelo governo federal à época: cartazes com pedidos de ajuda foram os mais comuns, seja para comprar remédio, conseguir emprego ou pagar o aluguel. Mas a maior parte revelou uma realidade ainda mais dura: as pessoas queriam apenas matar a fome.

Em relação aos aspectos linguísticos e discursivos, Amanda observou que os cartazes de rua constituem um gênero específico: o suporte é geralmente um pedaço de papelão, com o texto manuscrito feito com letras grandes, frases curtas e com introdução, desenvolvimento e conclusão. "O verbo 'ajudar' e o substantivo 'ajuda' são constantes em quase todos os cartazes", acrescenta a pesquisadora.

 

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Pesquisa cartazes de rua

Identidade e origem: venezuelana segura cartaz com pedido de ajuda em sinaleiro de Goiânia (Foto: Arquivo pessoal)

 

Enquadramentos

Sobre os aspectos cognitivos, a pesquisa chegou a três principais enquadramentos (frames): solidariedade, família e religião. O primeiro deles se subdivide em diversas subcategorias (subframes), como alimentação, saúde, moradia, trabalho, vestuário e educação. O segundo está geralmente relacionado à necessidade de alimentar ou cuidar da saúde do filho. E o último normalmente é acionado no fim do texto, funcionando como uma conclusão, como "Deus te abençõe" ou "Jesus te ama".

Os dados revelaram também enquadramentos ainda mais amplos – chamados de superframes –, que levam em consideração contextos socioculturais mais amplos. Segundo Amanda, eles apontam para a consideração de que os conhecimentos de mundo do locutor e do interlocutor não são tão compartilhados assim. "Se o interlocutor dos cartazes não experiencia a fome, ele terá dificuldades de acessar o superframe da fome vivida por quem a sentiu", explica.

A pesquisa conclui que, para além de comunicar, os cartazes de rua revelam uma forma de a pessoa agir no mundo, apresentam traços da identidade e até da origem, como no caso dos venezuelanos localizados na coleta dos dados.

"A língua está a serviço dos seus usuários. Constitui estrutura maleável e adaptável às necessidades comunicativas dos falantes. Não é por acaso que, nesse contexto específico, a palavra 'ajuda' tenha aparecido na quase totalidade dos textos", resume Amanda.

Acesse aqui a pesquisa "Aspectos linguísticos, discursivos e cognitivos do português escrito em cartazes de rua".

Fonte: Secom UFG

Categorias: desigualdade Humanidades FL