Crítica de cinema comenta “Pobres Criaturas”, filme candidato ao Oscar 2024
Longa retrata jornada de autoconhecimento de uma mulher trazida de volta à vida
Eduardo Bandeira
Fotos: Reprodução (Searchlight Pictures)
Seja pelo roteiro ousado e inovador ou pelas cenas de nudez explícitas, "Pobres Criaturas" ("Poor Things"), longa de 2023, dirigido por Yorgos Lanthimos ("A Favorita") e estrelado por Emma Stone ("Cruella"), tem uma maneira única de gerar impacto no espectador.
A produção conta a história de Bella Baxter (Emma Stone), uma versão contemporânea da criatura do Dr. Frankenstein, trazida de volta à vida pelo excêntrico médico Godwin Baxter (Willem Dafoe), de maneiras nada ortodoxas. A personagem parte em uma jornada de autodescoberta e aventuras nada convencionais ao lado do sedutor e mulherengo Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), ao mesmo tempo em que está prometida em casamento ao seu cuidador Max McCandless (Ramy Yussef), por quem desenvolveu um singelo sentimento de amor.
Com aclamação imediata da crítica desde a primeira exibição, no 80º Festival de Cinema de Veneza, e sendo descrito pelos principais meios de comunicação como uma obra que "perturba e seduz", "Pobres Criaturas" é um dos longas que concorre ao prêmio de Melhor Filme no Oscar 2024, que será realizado no próximo domingo (10/3), em Los Angeles (EUA). Estão indicados na mesma categoria "Barbie", "Anatomia de Uma Queda", "Os Rejeitados", "Assassinos da Lua das Flores", "Maestro", "Vidas Passadas", "Zona de Interesse" e "Oppenheimer".
Além de melhor filme, o longa concorre nas categorias de Melhor Atriz com Emma Stone, Melhor Ator Coadjuvante com Mark Ruffalo, Melhor Direção com Yorgos Lanthimos, Melhor Roteiro Adaptado com Tony McNamara, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Figurino, Melhor Maquiagem e Cabelo, Melhor Design de Produção, Melhor Edição e Melhor Fotografia.
Adaptado do livro homônimo escrito por Alasdair Gray, o tom da história que chegou às telas de cinema ganhou elementos dialéticos que unem passado, presente e futuro. Contém trilha sonora gutural e muitas vezes indigesta. A forma como o diretor trabalha esses elementos junto à atuação crua dos atores em cena fez com que o filme conquistasse, até agora, grande destaque na temporada de premiações cinematográficas.
"Pobres Criaturas" conquistou o Leão de Ouro no 80º Festival Internacional de Cinema de Veneza. No 81º Globo de Ouro, ganhou como Melhor Filme de Comédia e Musical e Melhor Atriz em Comédia ou Musical com Emma Stone. No 29º Critics Choice Awards, recebeu 13 indicações, e 11 indicações no 77º British Academy Film Awards.
Para falar sobre o impacto da obra, o Jornal UFG conversou com a crítica de cinema Déborah Tomaselli, formada em audiovisual (a entrevista contém spoilers).
Déborah Tomaselli destaca que produção de arte dialoga com a jornada da protagonista (Foto: Arquivo pessoal)
A clássica história de Frankenstein é popularmente conhecida. Porém, "Pobres Criaturas" é capaz de se inspirar e tomar um rumo extremamente original. Na sua perspectiva, quais são os elementos que influenciam para isso?
Déborah Tomaselli – Ela (Bella Baxter) na verdade é uma mulher que está numa jornada de autodescoberta. Aí a gente tem o tom de empoderamento feminino, mas o que é mais bizarro e que mais me chocou é que, no começo, eu fiquei querendo saber por que ela morreu, mas a jornada dela é tão encantadora que depois você nem liga mais em descobrir esses detalhes. A trajetória dela após ser ressuscitada é muito mais fascinante, o que contribui para a originalidade do filme.
Seja pela narrativa, pelas cenas explícitas de nudez ou pela trilha sonora estrepitosa, as opiniões sobre o filme levam ao extremo, com alguns admirando e outros odiando a obra. Na sua opinião, a que isso se deve?
Déborah – Em primeiro lugar, é o próprio diretor Yorgos Lanthimos. Muitos dizem que ele tem uma visão considerada negativa da vida, além de ser muito formalista. Tanto que, para mim, "Pobres Criaturas" é um verdadeiro deleite. Ele brinca com a fotografia, vai do preto ao branco para representar a personagem presa, usa o colorido para representar quando ela está na jornada de autoconhecimento – ela está colorida para representar quando está esperta e livre. Nós temos muita tendência a gostar do filme baseado nas nossas vivências, assim uma pessoa mais puritana vai acabar reclamando que teve sexo demais, enquanto outras conseguem absorver outros elementos da história, como o crescimento da personagem, as relações estabelecidas. E também há os que não entenderam.
A estética visual de "Pobres Criaturas" tem pontos muito particulares, desde elementos futuristas a características retrô. Qual a importância da ambientação para a essência de um filme como este?
Déborah – É muito importante, porque conversa com a jornada da Bella. Ela é uma mulher que vive na era vitoriana, uma época em que as mulheres viviam mais do que nunca nos padrões da sociedade. E ela, que tem o cérebro de um bebê, não se encaixa nessas normas, ela está à frente do tempo dela, então é importante o diretor mostrar essa ambientação desde o figurino até a direção de fotografia. O preto e branco representava ela presa, o colorido as partes em que estava livre e desbravando o mundo. Quanto mais ela está no final da jornada, as cores ficam mais saturadas. Então, para mim, é passado, presente e futuro conversando, além de conversar com o espectador, principalmente para as mulheres e o empoderamento feminino, ao mostrar que nós mulheres temos um percurso em que tudo é conectado, lutando cada vez mais para ter ainda mais liberdade no antes, no hoje e no futuro.
Referências do filme "Pobres Criaturas" incluem o livro Dr. Frankenstein e seu monstro criado em laboratório
Ao longo do filme, algo que não passa despercebido é a trilha sonora. Como você percebe a influência dos elementos sonoros para ambientar os acontecimentos que se passam em "Pobres Criaturas"?
Déborah – Tem algumas partes da trilha sonora, umas cordas, parte dos instrumentos, que dão a impressão de que ela é malfeita. Assim, a trilha vai crescendo junto com a personagem, mas ao mesmo tempo é para mostrar o jeito despretensioso dela. É uma trilha despretensiosa, um mix de sensações, iguais às que a Bella causa em nós.
Sobre as técnicas de filmagem utilizadas, como a lente olho de peixe, que borra grande parte da imagem, como isso influencia a reação e experiência do espectador?
Déborah – É um pouco para termos esse estranhamento também, tanto que depois, quando a jornada dela já está próxima do fim e ela se conheceu bem, não tem mais muito uso da olho de peixe, fica um cinema padrão. Ou seja, nós também nos aproximamos dela, porque tem aquele afastamento no começo, mas ele (o diretor) está mantendo ainda oculto para nós. Então, para mim, está tudo interligado a todos os elementos técnicos e narrativos. O diretor pensou muito bem em cada detalhe.
Na sua opinião, quais elementos tornam o filme um dos favoritos ao Oscar 2024?
Déborah – Todo esse conjunto que nós mencionamos, sem falar no roteiro e como ele foi bem adaptado. Mesmo tendo sido feito por um homem, escrito por um homem, ele consegue ser potente e ao mesmo tempo sutil, não tão didático sobre feminismo quanto "Barbie", que foi didático demais. Ele é mais potente na maneira como aborda empoderamento feminino.
Empoderamento feminino está entre as possíveis interpretações para a personagem vivida por Emma Stone
Ao longo do filme, algo que você não esperava a surpreendeu?
Déborah – Eu não esperava, mesmo tendo visto o trailer e lido especulações, que ela ia ficar tão grande assim, tão inteligente, tão culta. A inteligência dela me surpreendeu e eu esperava que eles iam ser mais didáticos explicando porque que ela se suicidou. Mas esses elementos não são o foco da história, esse não é um filme que subestima o espectador.
Na sua opinião, qual a relevância de filmes com o tom de "Pobres Criaturas" serem indicados ao Oscar?
Déborah – Justamente a formação de um público mais pensante, que entende um filme que tem camadas e não é despretensioso, e a a formação do senso crítico. Estamos precisando de um parecer mais crítico, mais gente interessada em crítica, justamente para fortalecer essa área e também ter mais cabeças pensando no filme, não só para entretenimento mas também para educação.
Dentre os filmes indicados ao Oscar, para qual vai sua torcida?
Déborah – Estou satisfeita com a maioria, são filmes profundos que você quer conversar sobre. Estou na torcida para "Pobres Criaturas" levar Melhor Filme e para Emma Stone como Melhor Atriz.
Fonte: Secom UFG
Categorias: Arte e Cultura ueg