Do Cerrado para o mundo: a inserção internacional do Lapig
Entre parcerias e viagens, laboratório enriquece pesquisas nacionais e internacionais desde 1994
Pesquisadores do Lapig/UFG em viagem à Indonésia para ministrar capacitação a parceiros do MapBiomas (Foto: Arquivo Pessoal)
Isaac Mendes
Caio Rabelo
Fundado em 1994 no Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG), o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) se tornou referência em mapeamento e monitoramento do uso e cobertura da terra, especialmente no Cerrado. Com a missão de utilizar tecnologias avançadas de sensoriamento remoto e geoprocessamento, o Lapig colabora com instituições nacionais e internacionais para impactar positivamente a gestão dos recursos naturais. Idealizado pelo professor Laerte Ferreira e hoje coordenado pela professora Elaine Silva, o laboratório vem expandindo suas fronteiras por meio de projetos inovadores e parcerias estratégicas ao redor do mundo.
Nesses 30 anos, o Lapig se especializou no processamento e na análise de imagens de sensoriamento remoto de média e alta resolução espacial para monitoramento biofísico-ambiental e governança territorial, fornecendo dados inéditos para um melhor entendimento sobre o funcionamento e a estrutura de paisagens naturais e antrópicas e em apoio à formulação e acompanhamento de políticas públicas.
Parcerias iniciais
A ideia de se criar um laboratório de sensoriamento remoto surgiu em 1994, e logo foram estabelecidas cooperações com outras instituições de pesquisa, como a Embrapa Cerrados e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em 1995, foi ministrado o primeiro curso de Sensoriamento Remoto (SR) e Sistemas de Informações Geográficas (SIG) a membros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do atual Serviço Geológico do Brasil (SGB).
Desde então, o Lapig tem liderado e colaborado com diferentes projetos de pesquisa relacionados ao mapeamento regional da cobertura e da dinâmica do uso da terra, especialmente no bioma Cerrado. Entre outros, entre 2001 e 2014, o Lapig participou ativamente de quatro projetos financiados pelos programas Terrestrial Carbon Ecology e Land-Cover and Land-Use Change da Nasa (Agência Espacial Americana), voltados à validação de novos sensores orbitais e à análise dos impactos das mudanças da cobertura e uso da terra nos ciclos biogeoquímicos e recursos hídricos, principalmente nos biomas Amazônia e Cerrado.
Em 2008, por meio da colaboração com o Departamento de Ecologia Global da Universidade de Stanford/Carnegie, o Lapig passou a se dedicar, entre outras muitas atividades (por exemplo, o mapeamento de cicatrizes de queimadas no bioma Cerrado), ao mapeamento e monitoramento das pastagens brasileiras.
Em 2014 o laboratório já tinha se tornado uma referência nesse tipo de mapeamento, o que resultou em um apoio (grant) substancial recebido da Gordon and Betty Moore Foundation (GBMF) com o objetivo de avaliar o impacto de políticas do governo federal voltadas à recuperação de pastagens degradadas.
Além disso, desde a criação da iniciativa MapBiomas, em 2015, o Lapig é o responsável pela produção de mapas anuais, para todo o território nacional, referentes à área e à qualidade das pastagens brasileiras. Considerando que o Lapig tem em seu DNA os princípios da ciência aberta e colaborativa, todos esses mapas e dados estão disponíveis de forma pública por meio do Atlas das Pastagens Brasileiras.
Em 2022 o Lapig foi convidado pelo World Resources Institute/Land & Carbon Lab (WRI/L&CL) a integrar o consórcio criado com apoio do Bezos Earth Fund para criar o Global Pasture Watch (GPW), cujo lançamento está previsto para o início de 2025.
Ao lado da OpenGeoHub Foundation (Holanda), do International Institute for Applied Systems Analysis (IIASA/Áustria) e do Global Land Analysis & Discovery (GLAD) da Universidade de Maryland (College Park, EUA), o Programa de Pesquisas em Pastagens do Lapig tem trabalhado praticamente sete dias por semana para diferenciar e mapear, em base anual (desde o ano 2000) e com nível de detalhe de 30 metros, gramíneas naturais e cultivadas, com destaque para a produção de dados inéditos de produtividade primária bruta (GPP) associados às gramíneas identificadas (a partir dos quais será possível, por exemplo, estimar os estoques anuais de forragem disponíveis para os rebanhos).
Em webinário recente organizado pelo Lapig junto ao consórcio, foram apresentados os resultados preliminares dos mapas anuais de alta resolução (30m) das áreas de gramíneas naturais e pastagens cultivadas no mundo, com destaque para dois estudos de caso nas regiões do Chaco Argentino e Paraguaio e no Estado do Mato Grosso.
Outra parceria de destaque é a rede MapBiomas, uma iniciativa colaborativa que reúne ONGs, universidades e empresas de tecnologia para mapear a cobertura e o uso da terra no Brasil (e em rápida expansão internacional, já abrangendo todos os países da América do Sul e da Indonésia). O Lapig é um dos fundadores desta rede, sendo responsável pelo mapeamento detalhado de pastagens e pela validação de alertas de desmatamento em todo o país. Esse trabalho facilita a fiscalização de terras e a preservação ambiental.
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Webinário organizado pelo Lapig com foco no mapeamento de pastagens na América Latina (Imagem: Divulgação)
Expansão internacional
O processo de internacionalização do Lapig beneficia a todos que participam dos vários projetos desenvolvidos no laboratório, incluindo os seus cerca de 60 bolsistas (da iniciação científica ao pós-doutorado). De um lado, o Lapig recebe anualmente vários pesquisadores vinculados às instituições estrangeiras com as quais colabora, a exemplo do pesquisador Michael Coe, do Woodwell Climate Research Center (EUA). Na condição de Fulbright Scholar, Coe passou o primeiro semestre de 2014 na UFG, tendo inclusive ministrado uma disciplina no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCIAMB).
O Lapig também recebeu três visitas do pesquisador Eric Davidson (ex-presidente da American Geophysical Union), as quais, em parceria com a professora Maria Cristina Faria Dalacorte Ferreira, da Faculdade de Letras (FL), resultou na tradução e publicação, pela Editora UFG, do seu livro "You Can't Eat GNP – or economy as if ecology mattered" ("Você não pode comer PIB – ou economia como se a ecologia fosse considerada").
Mais recentemente, o laboratório recebeu, em 2022 e em 2023, o pesquisador Robert Pontius, da Universidade Clark (EUA), visitas que resultaram na co-orientação de um dos capítulos de uma tese de doutorado em desenvolvimento no CIAMB e na vinda do estudante de Geografia da Clark, Rowan Compton, que está passando cerca de três meses no Lapig.
Por outro lado, os bolsistas do laboratório têm participado de diferentes eventos e parcerias internacionais. Por exemplo, desde 2017, o doutorando do CIAMB Vinícius Mesquita, que integra diversos projetos de mapeamento e monitoramento ambiental, tem representado o laboratório da Irlanda até os chacos paraguaios.
Em 2023, ele e a doutoranda Ana Paula Mattos foram até Jacarta (Indonésia) ministrar uma atividade de capacitação para os colegas do MapBiomas Indonésia. "Desenvolvemos para eles uma versão da nossa plataforma de inspeção de imagens, o TVI (Temporal Visual Inspection), e os ensinamos a fazer chaves de interpretação, acompanhar dúvidas, pautas para reuniões, e até como gerir a equipe", explica Ana Paula. Em continuidade a essas atividades de capacitação, em maio deste ano dois pesquisadores da Indonésia passaram alguns dias no Lapig.
Mais recentemente, no início de junho, foi a vez da mestranda do CIAMB, Lana Teixeira, ir até a Indonésia, com o objetivo de capacitar os parceiros do MapBiomas quanto às atividades de refinamento e validação de alertas de desmatamentos. "Espero que essa capacitação traga avanços significativos. Estou empolgada com a troca de conhecimentos e culturas", afirma Lana.
No próximo sábado (22/6) será a vez da norte-americana Maria Hunter, pesquisadora associada no Lapig, juntamente com o doutorando Bernard Silva, partirem para a Áustria, com o objetivo de participarem do Geo-Open-Hack-2024. O hackathon criado pelo IIASA será focado em geocoding e análises geoespaciais com Big Data. "Vamos trabalhar com computação de alta performance, com ótimas pessoas, e traremos essas tecnologias para a Universidade, para o Lapig, e também para a sociedade", diz Bernard.
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Laerte Ferreira (à esq.) e outros dois membros do Lapig com pesquisadores de vários países em evento do Land & Carbon Lab's (Foto: Arquivo Pessoal)
Perspectivas futuras
As parcerias do Lapig não apenas viabilizam o funcionamento pleno do laboratório, mas também estimulam a resolução de problemas globais e proporcionam uma aprendizagem prática significativa para os estudantes. Segundo o professor Laerte, essas colaborações enriquecem a percepção sobre os fenômenos estudados, tornando a pesquisa mais complexa e rica.
Olhando para o futuro, a internacionalização não apenas amplia a compreensão sobre os ecossistemas e paisagens brasileiras, mas também posiciona o laboratório como uma organização de referência em mudanças ambientais e sustentabilidade em escala global. Com seu vasto conhecimento e competências em Sensoriamento Remoto, Ciências Ambientais e Geociências, o Lapig está preparado para se tornar um agente-chave na formulação de estratégias e políticas ambientais que poderão ser aplicadas mundialmente, contribuindo significativamente para os esforços globais de conservação e uso sustentável dos recursos naturais.
Fonte: Lapig
Categorias: Geoprocessamento Ciências Naturais Lapig Destaque