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Universidade Federal de Goiás
Divertidamente capa

Especialistas comentam a psicologia de "Divertida Mente 2"

Em 18/07/24 14:15. Atualizada em 18/07/24 14:20.

Ansiedade, Vergonha, Tédio e Inveja se juntam às emoções da personagem adolescente

 

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Novas e velhas emoções disputam o controle da personagem adolescente na sequência de "Divertida Mente 2" (Imagem: Reprodução)

 

Eduardo Bandeira

Quando o aroma amanteigado da pipoca recém-estourada se mistura ao sabor do refrigerante na sala fria e escura, diante da tela gigante prestes a transmitir um filme, a sensação de relaxamento e expectativa toma conta do público. Em especial, no caso de uma animação, essa experiência envolve uma paleta de emoções como alegria, medo, amor, ternura e, principalmente, diversão.

Todas essas sensações são promovidas pela mais nova animação da Pixar, "Divertida Mente 2", lançada no fim de junho. Além de divertir, a sequência, assim como o primeiro filme, abre um leque de discussões e se torna um valioso recurso para explorar as emoções e a inteligência emocional.

Ambientada dois anos após o primeiro filme, a história acompanha a adolescente Riley enfrentando os desafios da puberdade, um dos períodos mais caóticos e confusos da vida. Até então, as emoções de Riley, personificadas por personagens coloridos com suas próprias formas e vozes, pareciam ter encontrado uma maneira eficaz de gerenciar conflitos e confusões, selecionando cuidadosamente quais memórias a acompanhariam ou não.

Alegria, Raiva, Nojinho, Tristeza e Medo, já acostumados a operar o sofisticado painel de controle que gerencia o comportamento de Riley, são confrontados com a chegada de novas emoções: Ansiedade (dublada no Brasil pela atriz e comediante Tatá Werneck), Inveja, Tédio e Vergonha. Com isso, Riley passa por uma espiral de sensações que ameaçam seu último fim de semana com as melhores amigas, que estão prestes a se mudar, e a chance de entrar em um time de hóquei e formar laços com as novas colegas.

Desde a estreia o filme é sucesso de público, consagrando-se como o 25º filme de maior bilheteria na história do cinema, de acordo com o Deadline, e conquistando o percentual de 91% de qualidade no Rotten Tomatoes, um sistema de avaliação que consolida as análises de centenas de críticos de cinema de diferentes veículos e plataformas.

Além de ser uma animação infantil, o filme é um entretenimento para todas as idades. As representações de cada emoção e do percurso psicológico da protagonista, que já proporcionavam um debate sobre inteligência e regulação emocionais no primeiro filme, retornam de uma maneira ainda mais enfática na sequência de 2024.

 

O que "Divertida Mente 2" ensina sobre inteligência emocional?

Para a professora de Psicologia Comportamental da Faculdade de Educação (FE) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Elisa Sanabio, antes de analisar o motivo pelo qual o filme se torna um recurso para discutir questões emocionais, é preciso entender que existem inúmeros recursos terapêuticos para atingir esse fim. "Se pensamos em adultos ou casais, por exemplo, temos dois principais recursos: o que a pessoa fala, a narrativa, e a relação terapêutica. Mas, ao se trabalhar com crianças e adolescentes, é comum que tenhamos que usar outros recursos, alguns bem mais lúdicos que outros".

Elisa observa que o filme estabelece uma relação direta com o aspecto emocional, sendo uma obra valiosa também para trabalhar com adultos. Segundo ela, o filme alude a diversas estratégias que todos utilizam, independentemente da idade ou fase da vida. Ela destaca que as pessoas frequentemente se definem por suas emoções, dizendo coisas como "eu sou uma pessoa ansiosa, invejosa ou alegre", o que torna o filme uma metáfora eficaz para o trabalho com adultos e uma ferramenta útil para crianças e adolescentes.

Na opinião da professora, uma das maiores dificuldades dos indivíduos é a de identificar as emoções. E, para ela, a animação é uma grande aliada nessa perspectiva. Ela explica que, a partir do momento em que as emoções são nomeadas, é mais provável que se consiga entender seu funcionamento e a forma como influenciam o comportamento. Para Elisa, "Divertida Mente 2" retrata muito bem isso quando uma emoção diferente assume a mesa de controle da personagem.

Elisa destaca a importância de discutir como nossa cultura promove a ideia de um equilíbrio constante das emoções, algo que ela considera irrealista. Ela observa que frequentemente as pessoas tentam suprimir emoções como a ansiedade, acreditando que não são apropriadas. Ela sugere que compreender a variação das emoções conforme os contextos pode ajudar a suavizar essa montanha-russa emocional, mesmo que seja inevitável experimentar diferentes intensidades emocionais ao longo da vida.

 

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Mocinha ou vilã? Ansiedade, a personagem que rouba a cena no novo filme, provoca debate sobre aceitação das emoções (Imagem: Reprodução)

 

Emoções no controle

Sobre essas intensidades, a chegada das novas emoções de Riley vai ao encontro da adolescência, da vontade de se destacar no esporte favorito e da separação das amigas, que se mudarão para uma nova escola. Esse contexto se torna propício para que a nova emoção, Ansiedade, opere em conjunto com Tédio, Vergonha e Inveja, moldando a forma de ver o mundo da garota.

Questionada sobre a existência de momentos na vida em que algumas emoções se destacam em relação às outras, Elisa salienta que, de fato, existem momentos em que aspectos orgânicos combinam-se com experiências de vida e resultam em mudanças mais profundas. Dessa forma, se esses cenários passam a ser mais confusos e diferentes, as emoções podem se alterar.

Em "Divertida Mente 2" é possível perceber que, até a chegada de novos sentimentos, a Alegria mantinha um controle seletivo de quais seriam as lembranças acessadas pelo consciente da personagem Riley, enviando todas as memórias desagradáveis, representadas por pequenas esferas brilhantes, para o vale das memórias, ou subconsciente.

"Na análise do comportamento e nas terapias contextuais, existe uma proposta de terapia que acho genial, que é a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). A ACT parte do princípio de que pensamentos e sentimentos desagradáveis fazem parte da vida e, muitas vezes, são inevitáveis. A estratégia de não sentir coisas desconfortáveis ou desagradáveis, ou de não pensar nelas, é o que chamamos de 'evitação experiencial'", relata Elisa.

A professora conta que o problema por trás dessa prática é que ela não traz resultados positivos, produzindo o chamado "efeito rebote". "Tanto é que no filme isso aparece. De repente, quando Riley não quer pensar na Ansiedade ou em outras emoções, acaba tendo uma crise de ansiedade ou sendo atropelada por um monte de memórias reprimidas. Quando deixamos essas emoções de lado, sem querer pensar ou sentir, o efeito que observamos é a intensificação desses sentimentos e pensamentos em algum momento".

Por causa da forma como o filme aborda essa situação, houve especulações sobre os riscos de se considerar a Ansiedade uma vilã. No entanto, a partir do momento em que se começa a observar essas emoções e a sua relação com o contexto em que vive a personagem, é impossível dizer se a ansiedade é uma emoção boa ou ruim.

"Eu costumo brincar com meus alunos que há uma resposta na Psicologia que sempre será verdadeira: depende. Tudo depende do contexto", explica Elisa. Ela destaca que a ansiedade, por exemplo, pode ser útil em situações de alerta, quando o corpo reage fisiologicamente para nos manter focados e prontos para agir rapidamente.

Ela ilustra essa situação mencionando como a ansiedade a ajudou a se preparar para a conversa com o Jornal UFG, ao criar um ambiente tranquilo. No entanto, ela também enfatiza que há momentos em que a ansiedade não é produtiva, como preocupações futuras que não influenciam diretamente no presente.

A complexidade das emoções

O estudante de Psicologia da UFG, Natan Vitor da Silva, explica que as emoções são processos complexos que envolvem aspectos fisiológicos e que, quando combinados, resultam em comportamentos específicos que identificamos por meio de nomes distintos.

"Por exemplo, quando você observa uma pessoa com raiva, essa pessoa não está possuída por um espírito de raiva; ela é uma pessoa que tem um processo fisiológico que gera uma reatividade maior e uma parte de sensibilidade. Dependendo do contexto, poderia chamar isso de tristeza ou alegria. Resumindo, são processos majoritariamente fisiológicos que, quando agrupados, damos um determinado nome com base no nosso desenvolvimento", explica.

Em "Divertida Mente 2", as novas emoções de Riley têm grande destaque, mais especificamente a Ansiedade, a Vergonha, o Tédio e a Inveja. É comum associar essas emoções ao polo das "emoções ruins". Porém, Natan explica que isso tem relação direta com a cultura na qual os indivíduos estão inseridos.

"As emoções são culturais. O que aprendemos a nomear como emoções boas ou ruins, são fatos apreendidos com base no nosso contexto. Na maioria das vezes, devemos lembrar que nosso contexto e modelo social é o neoliberalismo, um modelo específico com base no capital. Muitas emoções negativas são vistas como pouco produtivas nesse modelo. Por exemplo, uma pessoa ansiosa ou com tédio é vista com maus olhos por não estar produzindo. Uma pessoa triste, com humor deprimido, também é vista como pouco produtiva. Uma pessoa com raiva, que não está sob seu controle, é vista como irracional".

Natan esclarece que os seres humanos são complexos e têm várias emoções e modos de funcionamento. De acordo com ele, o que faz uma emoção ser doentia ou patológica é o exagero e o sofrimento resultante disso. "Por exemplo, uma pessoa com uma crise exagerada de alegria pode ser considerada doente. O exagero é o fator-chave; não há um limite rígido, pois isso depende de cada pessoa e de seu funcionamento individual".

Ao longo do filme, parte do desequilíbrio causado pelas novas emoções da protagonista é resultante da sua vontade de pertencer ao novo ambiente social no qual está inserida: provar-se como uma boa jogadora de hóquei para as novas colegas e, consequentemente, ser aceita em seu novo ambiente social naquele momento, o acampamento de verão.

Diante desse cenário, as novas emoções tomam conta de Riley, levando-a a manifestar comportamentos que não estavam de acordo com suas antigas convicções. Sobre o esforço para pertencer a um novo ambiente social, o psicólogo comportamental Gabriel Valle explica que as pessoas podem ter diversas reações ao não se sentirem inseridas. Alguns podem encolher-se, evitando se manifestar por medo de julgamento.

Por outro lado, existem pessoas mais proativas que investem em melhorar a qualidade social ou em entender o ambiente para realmente se integrarem. Esse é o caso de Riley, que, apesar de optar por se distanciar de suas amigas, acaba por investir em observar e entender o comportamento das garotas do acampamento.

"Algumas pessoas chegam a um novo ambiente com um repertório mais semelhante ao do ambiente ou têm habilidades suficientes para se adaptarem rapidamente a ele. Por isso, as respostas são variadas. A resposta emocional depende de cada pessoa e do estímulo. Sentir que não estamos inseridos em um grupo diminui nossa chance de sobrevivência biológica. O ser humano é social porque, historicamente, estar em sociedade aumentava nossas chances de sobreviver. Assim como temos vontade de reproduzir e nos alimentar para perpetuar nossa espécie, temos que estar atentos às contingências sociais para não sermos excluídos do grupo", explica Gabriel.

O psicólogo afirma que, mesmo com a evolução da sociedade, o efeito biológico da interação social ainda persiste. Segundo ele, a redução da interação social diminui a disponibilidade de reforçadores no ambiente, a importância da fala de uma pessoa e suas oportunidades de conectividade social e financeira. Isso justifica a coerência no corte de cabelo, uma estratégia utilizada por Riley ao tingir seu cabelo de rosa, e o uso de roupas culturalmente adequadas, pois há uma necessidade de pertencimento a um grupo. Quando essa necessidade não é atendida, podem surgir sentimentos negativos como tristeza, desesperança ou depressão, variando de acordo com cada indivíduo.

 

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Nostalgia, uma senhora convidativa e agradável, surge na animação para trazer o conforto dos bons momentos (Imagem: Reprodução)

 

A simpática Nostalgia

Em "Divertida Mente 2", no entanto, o público também é apresentado, mesmo que por pouco tempo, à personagem Nostalgia, uma senhora convidativa e agradável que aparece tentando fazer com que as outras emoções lembrem-se de momentos confortáveis do passado. Nostalgia, como conta Gabriel Valle, é o sentimento que surge ao sermos lembrados de experiências passadas por estímulos sensoriais – visuais, olfativos e auditivos –, evocando emoções e comportamentos de uma época específica de nossas vidas.

Inúmeras são as situações que evocam esse sentimento. Para Gabriel, é possível que um estímulo visual, como um filme, ou até mesmo um cheiro ou uma música nostálgica, nos façam lembrar de estímulos que foram reforçadores no passado e que representam experiências diferentes para cada pessoa. O terapeuta ressalta que, ao longo da vida, a pessoa passa por várias experiências que, ao ser relembrada posteriormente, podem evocar sentimentos de nostalgia, caso sejam sentimentos positivos. "Cada pessoa pode ter uma experiência diferente com esses estímulos. Algo que é nostálgico para você pode não ser para mim, dependendo da nossa história de vida".

Para Gabriel, "ao aplicar esses temas em filmes, estamos contribuindo para uma mudança cultural. Quando as pessoas consomem esse tipo de conteúdo, aumenta-se a probabilidade de que essa cultura comece a refletir e aceitar esses sentimentos. Transmitir essa representatividade é uma das muitas possibilidades de criar atividades que diminuam a ansiedade social das pessoas ou a chateação de não se sentirem inseridas em alguns locais".

Fonte: Secom UFG

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