"Deadpool & Wolverine": super-heróis entre quadrinhos e telas
Especialistas analisam o gênero de super-heróis a partir do longa estrelado por Ryan Reynolds e Hugh Jackman
Eduardo Bandeira
Roupas de couro, capas, escudos de metal e poderes inimagináveis. Os personagens das histórias de super-heróis, com suas personalidades distintas, carregam traços que lhes conferem um caráter singular.
Em Deadpool, o humor satírico e a quebra da quarta parede o tornam um dos personagens mais interessantes da Marvel Comics. Já no caso de Wolverine, o comportamento carrancudo misturado à lealdade e à honra é o que confere ao herói sua personalidade marcante.
A nuance gerada pela interação dessa dupla pode ser conferida pelo público no novo longa da Marvel Studios, "Deadpool & Wolverine". O filme, que estreou no dia 25 de julho, traz de volta Ryan Reynolds no clássico traje vermelho de Wade Wilson, Deadpool, mas o grande destaque é o retorno de Hugh Jackman, consagrado intérprete de Wolverine, que dá vida ao personagem desde a saga de filmes X-Men, do universo da Fox Studios.
Até o momento, o longa já quebrou o recorde de maior bilheteria em abertura de um filme para maiores e é a quarta maior estreia de um longa de super-heróis. Esses dados indicam que, além de o interesse por filmes do gênero ainda estar em alta, as histórias de heróis seguem se reinventando na contemporaneidade.
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Os super-heróis Deadpool e Wolverine são as estrelas de novo filme: gênero busca se reinventar na atualidade (Imagem: Reprodução)
Os heróis na história
O professor da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Rubem Ramos, remonta o trajeto das histórias de heróis da mitologia grega até a modernidade.
Porém, ele destaca que o gênero, especialmente com a palavra "super", surgiu apenas nos anos 1930, nos Estados Unidos, logo após a quebra da Bolsa de Nova York. Esse período foi marcado por uma sociedade estadunidense muito fragmentada e fragilizada, com problemas econômicos, sociais e sanitários.
Rubem, que ministra a disciplina "Histórias em Quadrinhos de Super-Heróis na Sociedade Contemporânea", salienta que a ideia de ter indivíduos que não apenas representassem o melhor da humanidade, mas também servissem como um espelho para a sociedade e como um norte para um futuro melhor, foi muito bem aceita.
O marco considerado por muitos estudiosos foi o surgimento da HQ do Superman em 1938. Foi o primeiro herói que não só tinha "super" em seu nome, mas também possuía habilidades sobre-humanas.
"Ao contrário dos que vieram antes dele, o Superman representava o verdadeiro poder associado ao termo 'super-herói'. Ele simboliza a visão de um imigrante que se integrou aos Estados Unidos, representando os ideais do país, como igualdade, fraternidade e justiça. Essa visão foi especialmente relevante, pois muitos imigrantes contribuíram significativamente para a fundação e manutenção dos EUA”, explica o professor.
A partir disso, as HQs de super-heróis passaram por várias eras, como a Era de Ouro, que começou com o Superman em 1938 e durou até os anos 1950, trazendo personagens icônicos como o Capitão América e a Mulher-Maravilha, que representavam os valores humanos e lutavam contra as forças do mal, incluindo os nazistas.
Já a Era de Prata começou no fim dos anos 1950 e teve seu auge nos anos 1960 com a Marvel Comics e a fórmula de histórias da Marvel, criada por Stan Lee e Jack Kirby. Esse período trouxe heróis com problemas mais realistas e humanos, como o Homem-Aranha, que enfrenta desafios cotidianos além de suas batalhas contra vilões.
Quando se chega à Era de Bronze, que começou nos anos 1970, são introduzidos eventos mais sérios e realistas, como a morte de Gwen Stacy no universo do Homem-Aranha, marcando uma transição importante para histórias mais maduras e complexas. Foi a era da popularização dos super-heróis em várias mídias, como rádio, televisão e cinema.
"O Homem-Aranha enfrenta uma série de problemas complexos que refletem suas lutas pessoais e psicológicas. A necessidade de manter sua identidade secreta como Peter Parker causa um constante estado de estresse e conflito interno. Ele carrega um peso significativo devido à culpa e à responsabilidade relacionadas à morte de seu tio Ben, além dos desafios impostos pelos vilões, muitos dos quais têm motivações pessoais ou estão diretamente ligados ao seu passado. Além disso, o Homem-Aranha lida com dúvidas e inseguranças sobre suas habilidades, o que impacta sua confiança e estabilidade emocional", comenta Rubem.
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Lançamento da revista Superman, de 1938, é considerado o marco das histórias em quadrinhos de super-heróis (Foto: Divulgação)
Cultura pop
A respeito das representações dos super-heróis no século 21, a cultura pop os consolidou por meio de grandes produções que passaram a dominar o universo cinematográfico, como o filme dos X-Men, lançado nos anos 2000. A partir da aceitação do público e da aquisição das editoras de quadrinhos por grandes conglomerados midiáticos, como Fox, Sony, Disney e Warner, os super-heróis tornaram-se ícones globais.
Rubem esclarece que a reinvenção contínua dos super-heróis ao longo das eras é uma resposta às mudanças culturais e sociais, refletindo a necessidade humana de histórias que ressoem com as próprias experiências e aspirações. Dessa forma, os super-heróis permanecem relevantes e adaptáveis.
Em relação a "Deadpool & Wolverine", o professor explica que Deadpool, em particular, introduziu a quebra da quarta parede, um conceito que ele popularizou ao interagir com o público como se estivesse ciente de que é um personagem de ficção. Esse elemento trouxe um frescor à fórmula do gênero.
"O novo filme do 'Deadpool & Wolverine' reflete essa reinvenção do gênero de super-heróis que saiu das HQs e foi para o cinema. O cinema se rendeu aos quadrinhos, e a Disney, assim como outros estúdios, souberam aproveitar isso. A química entre Deadpool e Wolverine, dois personagens com estilos diferentes, foi bem explorada, embora suas abordagens sejam distintas", diz o professor.
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Super-herói e super-humano: Homem-Aranha enfrenta problemas complexos que refletem lutas pessoais e psicológicas (Imagem: Divulgação)
Os heróis no cinema
No cinema, o universo de super-heróis conta com filmes dos mais variados estúdios. No entanto, a Marvel Studios se destaca como a única que conseguiu, até o momento, consolidar um universo cinematográfico que entrelaça produções destinadas aos cinemas e à televisão, por meio do streaming Disney+, com séries e animações.
É nesse universo que "Deadpool & Wolverine" se insere. Sobre o filme, a crítica de cinema Déborah Tomaselli destaca que o novo longa realmente foi algo inovador, mas, ao mesmo tempo, familiar, pois voltou um pouco às raízes dos anos 2000, misturando o novo com o antigo.
Para ela, a interação entre Deadpool e Wolverine foi interessante porque o Wolverine de agora não é o mesmo dos filmes antigos. Está mais desiludido, apesar de manter o caráter heroico. Para a crítica, a dinâmica entre os dois funciona bem, e grande parte disso se deve ao Deadpool, que trouxe seu humor característico para equilibrar o tom do filme.
Em relação ao conceito de multiverso, já utilizado por outros filmes do estúdio, Déborah elogia a ferramenta em "Deadpool & Wolverine", pois o multiverso oferece muitas possibilidades.
"Às vezes, você não quer destruir a memória de um personagem específico para aquela história, então você usa o multiverso para mantê-lo adorado em outra variação, como no caso do Wolverine".
Para Déborah, o retorno de Hugh Jackman ao papel de Logan é uma maneira de mostrar novas nuances da atuação, com um Wolverine diferente, que passou por situações como depressão e destruição de seu mundo.
"Isso permite que ele mostre seu talento de ator em um contexto diferente, enquanto ainda mantém a essência do personagem", explica a crítica de cinema.
Ela ainda comenta que o filme possui mais pontos positivos que negativos, pois Deadpool usa a comédia para revitalizar o universo Marvel, que enfrentou problemas com produções recentes. Ela destaca que a comédia e o tom irreverente do personagem ajudaram a trazer uma nova perspectiva e a rejuvenescer o universo Marvel, que estava se tornando um pouco cansativo.
Segundo Déborah, Deadpool, que se autointitula "Jesus da Marvel", "salva" o estúdio no filme, com sua abordagem única e engraçada, e espera-se que ele não seja "crucificado" por isso.
Filmes do X-Men estão entre as grandes produções que passaram a dominar o universo cinematográfico a partir dos anos 2000 (Imagem: Divulgação)
O trecho a seguir contém spoilers
Além do carisma de Ryan Reynolds e Hugh Jackman, o diretor de "Deadpool & Wolverine", Shawn Levy, revela surpresas e participações especiais no filme, incluindo Jennifer Garner como Elektra, Wesley Snipes (Blade), Chris Evans (Tocha Humana) e Channing Tatum (Gambit), personagens que aparecem com o objetivo de reverenciar as produções da Fox Studios.
"Acredito que a Marvel fez um bom trabalho ao homenagear a Fox e o legado que a Fox deixou. A ideia de mostrar personagens da Fox em um contexto diferente, com um tom mais irreverente, foi uma forma de mostrar gratidão e respeito pelo que a Fox contribuiu para a Marvel. Isso não só serve como nostalgia para quem cresceu assistindo a esses personagens, mas também pode apresentar esses clássicos para uma nova geração", opina Déborah.
A crítica de cinema afirma que as escolhas da direção foram bastante acertadas. Ela observa que as cenas pós-créditos, apesar de não revelarem muito, adicionam curiosidade e possibilidades futuras. Essas decisões criativas, segundo Déborah, ajudam a abrir portas para novos desenvolvimentos e exploram diferentes direções para os próximos filmes.
Ela acredita que a Marvel pode estar testando o que funciona e ajustando suas estratégias de acordo com a recepção do público e a bilheteira.
A crítica aponta ainda que, mesmo sendo um filme de comédia, os efeitos especiais foram muito bem trabalhados. Algumas cenas que pareciam propositalmente toscas, como o sangue fake, tinham a intenção de criar um efeito humorístico. Outras cenas, como as dos Vingadores e do Thor, apresentaram um visual bem feito e intencionalmente exagerado para criar um efeito cômico.
Segundo Déborah, é notável que, apesar das críticas, o filme acertou em muitas áreas visuais, mantendo um equilíbrio entre o bem feito e o propositalmente tosco.
"Sobre a ideia de reinventar os filmes de super-heróis, acredito que seja uma questão de adaptação. O darwinismo cultural nos leva a buscar novidades e evitar fórmulas saturadas. As novas gerações e as mudanças tecnológicas influenciam a forma como consumimos filmes. 'Deadpool & Wolverine' consegue trazer uma nova abordagem ao gênero, misturando o antigo com o novo", considera.
Na opinião dela, no futuro próximo o gênero de super-heróis deve explorar mais diversidade e humanização dos personagens. Apesar da saturação, ela acredita que os filmes continuarão a evoluir, incorporando novas tecnologias e abordagens.
Nostalgia: aparições de super-heróis em "Deadpool & Wolverine" homenageiam legado da Fox (Imagem: Reprodução)
Fonte: Secom UFG
Categorias: Cinema Arte e Cultura Fic