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Universidade Federal de Goiás
Teatro

Teatro, atenção plena e educação sexual na regulação emocional

Em 23/09/24 16:03. Atualizada em 02/10/24 09:32.

Especialistas comentam sobre os impactos desse tripé na saúde mental

 

Teatro

Expressão corporal, que pode ser trabalhada por meio de alongamentos e dança, pode promover bem-estar físico (Foto: Divulgação TeNpo)

 

Reportagem: Eduardo Bandeira
Edição: Luiz Felipe Fernandes

Embora os cuidados com a saúde mental sejam frequentemente abordados de forma generalista na mídia, é fundamental reconhecer as nuances e particularidades de cada caso. Esses cuidados abrangem pilares essenciais que podem ser implementados por meio de práticas acessíveis, como a expressão artística, a atenção plena e uma compreensão saudável da sexualidade. Na terceira reportagem da série "Por uma vida que vale a pena viver", em alusão à campanha Setembro Amarelo, o Jornal UFG conversou com especialistas para entender o papel do teatro, do mindfulness e da educação sexual na regulação emocional.

Teatro, jogos e brincadeiras

A professora de licenciatura em Teatro da Escola de Música e Artes Cênicas (Emac) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Clarice da Silva Costa, explica que o teatro utiliza jogos organizados internamente. Esses jogos direcionam os indivíduos a trabalhar de forma coletiva, ajudando-os a lidar com emoções imediatas, como ansiedade, raiva e entusiasmo, de maneira sutil e tranquila.

Ao enfrentar essas pequenas emoções no contexto teatral, as pessoas começam a desenvolver inteligência emocional, aprendendo a lidar com frustrações, inseguranças e outras emoções.

Os participantes dos jogos teatrais seguem comandos e sequências de proposições. Nesse processo de interação e trabalho em conjunto, ocorre a desinibição, e eles aprendem tanto a falar quanto a ouvir. Além disso, desenvolvem a capacidade de lidar com conflitos.

Essa prática promove empatia e alteridade, pois os participantes conseguem entender tanto suas próprias emoções quanto as dos outros. Isso traz benefícios sociais e psicológicos, ao proporcionar uma visão mais ampla das relações e emoções envolvidas, promovendo o bem-estar e o apaziguamento emocional ao permitir que os indivíduos se coloquem no lugar do outro e entendam o coletivo.

Uma regra essencial no teatro, de acordo com Clarice, é que não se trabalha com o conceito de certo ou errado. Isso permite que os participantes se percebam ao longo do processo.

À medida que os jogos teatrais e dinâmicas de grupo são realizados, os participantes desenvolvem uma percepção positiva de sua inserção no grupo. Essa percepção contribui para o fortalecimento da autoestima e da autoconfiança, tornando o trabalho em grupo altamente benéfico.

Clarice também destaca que a arte oferece uma experiência fora da rotina diária, trazendo um frescor para o cotidiano das pessoas. Seja em um concerto, uma peça de teatro ou uma exposição, o contato com a arte desperta emoções, encanta e possibilita um espaço de expressão que vai além dos movimentos cotidianos de trabalho, escola e casa.

Além disso, a professora enfatiza a importância da meditação como uma técnica que pode ser aplicada tanto no teatro quanto no dia a dia. Ela observa que a meditação ajuda a acalmar a mente e a pulsação, permitindo que a pessoa se concentre em si mesma e deixe os pensamentos fluírem. Essa prática é extremamente positiva, pois favorece o autoconhecimento e a tranquilidade.

Além da meditação, a expressão corporal, que pode ser trabalhada por meio de alongamentos e dança, promove o bem-estar físico, mas também ajuda a reduzir a ansiedade e a aumentar a felicidade. Para Clarice, meditar, alongar-se e dançar são práticas valiosas que contribuem para um estado emocional mais equilibrado.

 

Meditação

Técnicas de meditação podem ajudar a acalmar a mente e a pulsação, permitindo que a pessoa se concentre em si mesma (Foto: HC-UFG)

 

Atenção plena e flexibilidade

Durante a leitura deste texto, é provável que você tenha se distraído uma ou duas vezes até que fosse capaz de retomar a linha de raciocínio. Mesmo que seja natural que o nosso processo de atenção sofra alguns lapsos, o psicólogo Gabriel Valle de Oliveira chama a atenção para pesquisas que indicam que 47% do nosso tempo não é passado no "agora". Isso significa que, mesmo quando estamos acordados, em quase metade do nosso tempo não estamos "presentes" nas nossas vidas.

De acordo com ele, isso acontece porque quando não estamos no momento presente, ficamos mais propensos à ansiedade, à ruminação e à impulsividade. Nesse aspecto, o mindfulness, termo da língua inglesa que, em português, significa atenção plena, ajuda a aumentar a flexibilidade emocional, melhorar a empatia, reduzir a percepção de dor, aumentar o bem-estar e a felicidade, além de poder ser uma ferramenta auxiliar na prevenção da depressão e ansiedade.

Apesar das vantagens cientificamente comprovadas, muitas pessoas relacionam o mindfulness a uma prática religiosa. Gabriel salienta que o mindfulness nada mais é do que um processo de meditação que foi retirado do budismo. Ele se refere à "atenção plena", que significa treinar seu cérebro para focar no presente, no que está acontecendo agora.

"Com o treino, você desenvolve essa habilidade, passa a perceber quando suas emoções estão saindo do controle e consegue se regular. Isso é essencial, pois aumenta a flexibilidade psicológica. Com essa prática, a pessoa tem mais opções para lidar com o estresse e a ansiedade, evitando chegar a um ponto extremo", aponta Gabriel.

O mindfulness pode ser praticado por qualquer pessoa, independentemente de condição financeira, religião ou localidade. A prática não precisa ser longa, já que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda de cinco a dez minutos diários, podendo ser integrada a atividades cotidianas, como lavar louça, tomar banho ou durante um trajeto de carro.

O especialista compartilha que existem, especialmente para pessoas com pouco tempo, diversas técnicas que podem ser aplicadas no dia a dia. Uma delas é a técnica da "fila", que ajuda a pessoa a reconhecer sinais de estresse no corpo em apenas dois ou três minutos. A ideia é que, em situações cotidianas, como esperar em uma fila, o indivíduo reserve alguns minutos para prestar atenção às sensações físicas e emocionais que está experimentando.

Isso permite que a pessoa observe seu estado mental e corporal sem julgamentos, promovendo um momento de pausa e autopercepção, contribuindo para o alívio do estresse em poucos minutos.

Outra técnica recomendada é a respiração diafragmática, em que a pessoa se concentra na respiração por cerca de dez minutos. "Eu costumo explicar que é como treinar um músculo. Você não começa levantando 200 quilos. Você começa com um peso menor e vai aumentando aos poucos. O mesmo acontece com o cérebro: você vai exercitando a capacidade de manter a atenção no presente de forma gradual", ressalta Gabriel.

A atenção plena está alocada em um conjunto de práticas comprovadas cientificamente, assim como a Terapia Comportamental Dialética (DBT) e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), ambas baseadas em evidências e capazes de levar o indivíduo a realizar mudanças que o levem a uma vida que vale a pena ser vivida. Mas é importante ressaltar que qualquer prática precisa ser acompanhada por profissionais capacitados.

Tanto a DBT quanto a ACT compartilham algumas semelhanças teóricas, como o foco na aceitação das emoções e no desenvolvimento da flexibilidade psicológica. A flexibilidade psicológica envolve a capacidade de aceitar os próprios sentimentos e pensamentos, estar presente no momento e agir de acordo com os valores pessoais, mesmo diante de dificuldades.

Gabriel destaca que, quando uma pessoa é psicologicamente inflexível, tende a ser rígida em suas crenças e sentimentos, o que intensifica o sofrimento emocional. Ele exemplifica com o caso de alguém que, ao receber uma crítica, a interpreta como um ataque pessoal e fica preso nessa ideia, sem conseguir considerar outras interpretações, o que pode propiciar sofrimento psicológico.

Por isso, o psicólogo enfatiza que a prevenção ao suicídio começa pela redução da vulnerabilidade social e pelo aumento de campanhas de conscientização sobre saúde mental. Ele ressalta a importância de se trabalhar proatividade e resiliência desde cedo, principalmente no ambiente escolar, ensinando crianças e adolescentes a enfrentar e superar desafios, o que pode reduzir o risco de desenvolver comportamentos suicidas.

Além disso, destaca a resiliência, associada à flexibilidade psicológica e à aceitação e aponta a necessidade de ampliar os repertórios emocionais das pessoas por meio de práticas como mindfulness e esportes. No entanto, ele sublinha que tudo isso deve ser feito com o apoio do estado, já que muitos jovens, especialmente aqueles que enfrentam longas jornadas de trabalho e deslocamento, não têm o privilégio de conhecer essas práticas.

Educação sexual e relações disfuncionais

Apesar de não funcionar sozinha na prevenção ao suicídio, a educação sexual, quando colocada em conjunto a outras práticas para a promoção da saúde mental, desempenha um papel fundamental na prevenção de situações que podem levar a problemas emocionais graves.

O psicólogo especializado em sexualidade, João Victor Soares Ferreira, revela que, ao educar crianças e adolescentes sobre limites, respeito ao próprio corpo e sinais de abuso, o conhecimento os ajuda a identificar e enfrentar situações adversas antes que elas se agravem. Isso pode prevenir o desenvolvimento de condições como depressão, que está frequentemente associada ao suicídio.

A abordagem da educação sexual deve ser adaptada conforme a faixa etária. Para crianças pequenas, a educação sexual deve focar na nomeação adequada das partes do corpo e na compreensão dos limites pessoais. Para isso, João Victor explica que é necessário o envolvimento da família para garantir que a criança compreenda o conceito de limites e respeito.

Para adolescentes, o foco muda para aspectos mais complexos, como relacionamentos saudáveis e consentimento.

Para tornar seu trabalho mais dinâmico e acessível, João Victor conta com uma série de materiais de apoio que utiliza no dia a dia. "Baralhos de dependência afetiva" ou "diagramas de comportamento" contribuem para adaptar a linguagem da teoria não só a cada faixa etária, mas também a cada situação pessoal, no intuito de trazer consciência e saúde à vida das pessoas.

Apesar dos benefícios cientificamente comprovados, a educação sexual ainda enfrenta uma série de desafios. É o caso de pais que apresentam resistência por falta de compreensão sobre a importância da discussão. Por isso, João Victor alerta para a necessidade de também educá-los.

Nessa linha, o especialista elucida que a educação sexual auxilia a identificar adultos que podem representar fontes de segurança para crianças e adolescentes. Além disso, ensina a procurar ajuda e a tecer questionamentos sobre métodos contraceptivos e proteção, e também possibilita encontrar redes de apoio.

Um dos elementos utilizados para classificar uma relação como disfuncional, de acordo com João Victor, é o impacto na saúde mental dos indivíduos na interação. Se o relacionamento está trazendo mais prejuízo do que benefício, ele é disfuncional.

Dessa maneira, o alerta para relacionamentos abusivos é ligado quando essas dinâmicas causam o distanciamento da vítima de sua rede de apoio, o que é um dos principais mecanismos de defesa para a saúde mental. Sem uma rede de apoio sólida, a pessoa enfrenta problemas maiores sozinha. Esse distanciamento pode, inclusive, aumentar o risco de adoecimento mental.

Esse cenário torna-se propenso à ocorrência de diversos tipos de abuso, inclusive, o sexual. De acordo com o psicólogo, toda forma de abuso sexual acarreta uma violência psicológica significativa. Embora nem todo abuso psicológico seja sexual, o abuso sexual deixa marcas profundas nos aspectos psicológico, emocional e cognitivo.

As consequências podem incluir baixa autoestima e desconfiança, levando a uma sensação de inadequação e dificuldades em confiar nos outros. Além disso, a vítima pode enfrentar dificuldades em formar e manter relacionamentos, resultando em um distanciamento das pessoas e em uma rede de apoio deficiente.

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) também pode se manifestar, trazendo altos níveis de ansiedade, depressão e dificuldades em manter contatos íntimos, com a prática sexual se tornando algo negativo na vida da pessoa.

 

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Se você ou alguém que você conheça estiver se sentindo vulnerável, entre em contato com algum dos serviços:

- Disque 188 (Centro de Valorização da Vida)
- (62) 3209-6243 (Programa Saudavelmente UFG)
- (62) 3209-6298 (Centro de Psicologia da UFG)
- (62) 3434-0496 (Rede de Psicologia)
- psymeetsocial.com (terapia com valores acessíveis)

Fonte: Secom UFG

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