PAINEL ECONÔMICO
Economia brasileira cresce, mas inflação piora
Edson Roberto Vieira
Antônio Marcos de Queiroz*
A previsão de crescimento da economia brasileira foi novamente ajustada para cima no relatório World Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional (FMI). O Relatório Focus, do Banco Central, também vem renovando as previsões de crescimento econômico do país, que dobraram em relação às observadas nos levantamentos realizados no início do ano.
Ao mesmo tempo, mas não por acaso, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o mercado de trabalho brasileiro continua apresentando bons resultados em 2024, com a taxa de desocupação situando-se em 6,4% no trimestre terminado em setembro de 2024, sendo essa a segunda menor taxa da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012.
Por outro lado, as expectativas de inflação vêm piorando. O último levantamento feito pelo IBGE mostra que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) anualizado ultrapassou o teto da meta perseguida pelo Banco Central, atingindo 4,76% em outubro de 2024. Em reação a esse processo, a autoridade monetária brasileira elevou a taxa Selic (taxa básica de juros do país) em 0,5 ponto percentual na reunião realizada em novembro, alçando-a a 11,25% ao ano.
Os problemas climáticos têm contribuído efetivamente para elevar os preços da energia elétrica e da alimentação no domicílio no Brasil em 2024. O excesso de chuvas no Rio Grande do Sul e a seca prolongada na região Centro-Sul geraram problemas na oferta de importantes produtos da cesta média brasileira, com destaque para o arroz, o café e as carnes.
Além disso, a falta de chuvas reduziu os níveis dos reservatórios e levou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a acionar a bandeira vermelha patamar 2 (que é a mais elevada tarifa de energia elétrica do país) a partir do dia 1º de outubro de 2024, elevando em 4,74% o preço médio da energia elétrica brasileira, com picos em Goiânia (9,62%), Brasília (5,49%) e São Paulo (6%).
Some-se a isso fatores internos e externos que têm pressionado a taxa de câmbio, com efeito diretos e indiretos sobre o IPCA. Do ponto de vista interno, o receio do mercado em torno da sustentabilidade do arcabouço fiscal tem provocado aumento do preço do dólar, na medida em que algumas despesas obrigatórias vêm crescendo acima do esperado e provocado uma trajetória de alta do déficit nas contas públicas no longo prazo.
O relatório de outubro de 2024 da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado aponta que a dívida bruta do país deve fechar o ano em torno de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), com viés de alta, podendo atingir 82,2% em 2025 e 84,1% em 2026. E a trajetória da dívida pública, por vezes, acaba sendo mais importante na formação das expectativas dos agentes econômicos do que seu patamar. Países como o Japão (260%), Grécia (200%) e Itália (150%), por exemplo, possuem patamares de endividamento público muitos superiores ao do Brasil, mas a trajetória de suas dívidas no longo prazo é mais comportada.
Do ponto de vista externo, os principais fatores econômicos e políticos também não contribuíram para suavizar o movimento do câmbio no Brasil, como destacado no comunicado à imprensa feito pelo Banco Central quando da elevação da taxa Selic em novembro, chamando a atenção para a conjuntura econômica incerta nos EUA.
Até setembro de 2024, quando o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) reduziu a taxa de juros pela primeira vez desde março de 2020, a principal causa do aumento do preço do dólar no Brasil no front externo era a política monetária dos EUA. Havia expectativa de queda da taxa de juros por lá, mas a resiliência da inflação alta não permitiu que isso ocorresse rapidamente nesse ano.
Aliás, há fortes indícios de que o descontentamento da população com o aumento da inflação possa ter sido fundamental para decidir as eleições norte-americanas. O crescimento econômico do país vem surpreendendo positivamente e o mercado de trabalho continua com bons números em 2024, mas o aumento do custo de vida parece ter estimulado muitos eleitores a saírem de casa para votar.
A despeito de a inflação ter caído recentemente, a verdade é que, embora estejam aumentando menos do que antes, os preços continuam aumentando. Para que haja redução do custo de vida da população (que aumentou muito depois da pandemia da covid-19), os salários devem ter aumento acima da inflação e serem acompanhados de uma elevação da produtividade para evitar que ocorra o repasse para os preços internos.
Mais recentemente, as novas pressões sobre o dólar tiveram origem justamente no processo eleitoral dos EUA. Promessas de campanha feitas pelo presidente eleito, Donald Trump, como o aumento linear das tarifas de importação, estão pressionando os juros futuros do país, haja vista que podem causar aumento da inflação. Esse processo pode reverter o recente corte de juros iniciado pelo Fed e levar a uma valorização global do dólar, exportando a inflação dos EUA para outros países, como o Brasil.
Ainda em relação aos resultados das eleições dos EUA, cumpre ressaltar que este país é o segundo principal destino das exportações brasileiras, ficando atrás apenas da China. Um eventual aumento geral das tarifas de importação pode afetar, sobretudo, as exportações brasileiras de produtos manufaturados, como aeronaves, e de produtos semimanufaturados, como ferro e aço, que já tinham sido atingidas pelo aumento de 25% das tarifas de importação implementado no primeiro Governo de Trump. Isso tudo pode se acentuar ainda mais caso ocorram retaliações de outros países contra as tarifas impostas pelos EUA, desencadeando um cenário global de restrições ao comércio externo.
No caso de Goiás, pode ser que o novo governo que será inaugurado nos EUA no início do próximo ano beneficie parte de suas exportações, assim como do setor agropecuário brasileiro como um todo. Isso porque há possibilidade de acirramento dos atritos comerciais entre os EUA e a China, dado que Trump tem prometido aumentar em 60% as tarifas de importações do país asiático. Isso pode fazer com que o governo chinês reduza as importações de produtos agropecuários oriundas dos EUA e intensifique as compras de outros países.
Resta saber se o saldo disso tudo será bom para o Brasil e para Goiás. Pode ser que seja positivo para o setor agropecuário, mas a teoria econômica sugere que políticas protecionistas, em geral, reduzem o bem-estar das populações envolvidas no processo.
Boletim de Conjuntura Econômica de Goiás – N. 173/outubro de 2024.
* Edson Roberto Vieira e Antônio Marcos de Queiroz são professores da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas (FACE) da UFG.
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Fonte: FACE
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