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Universidade Federal de Goiás
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"Ainda estou aqui" projeta cinema brasileiro para o mundo

Em 15/01/25 16:08. Atualizada em 17/01/25 10:29.

Jornal UFG conversou com a cineasta Rosa Berardo para entender o significado da vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro

 

Fernanda Torres

Atriz Fernanda Torres com seu Globo de Ouro de melhor atriz em filme de drama, por sua atuação em "Ainda estou aqui" (Foto: Mario Anzuoni/Reuters)

 

Eduardo Bandeira

O início de 2025 trouxe grandes emoções aos brasileiros. No dia 5 de janeiro, Los Angeles sediou a cerimônia do Globo de Ouro, que premia filmes e séries. Na ocasião, Fernanda Torres, atriz brasileira que foi ovacionada por sua atuação no longa "Ainda estou aqui", de Walter Salles, levou o prêmio de melhor atriz em filme de drama. O prêmio foi entregue pela atriz Viola Davis.

Em seu discurso, Fernanda Torres dedicou o prêmio à mãe, a também atriz Fernanda Montenegro, que em 1999 concorreu na mesma categoria pelo trabalho no filme "Central do Brasil", também de Walter Salles. Naquele ano a vencedora foi Gwyneth Paltrow.

Para entender o impacto dessa vitória no cinema nacional e no audiovisual brasileiro, o Jornal UFG conversou com a cineasta, jornalista, fotógrafa e professora da Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de Goiás (UFG) Rosa Berardo. Confira a entrevista.



Como você entende o impacto de "Ainda estou aqui" no cinema brasileiro neste momento?

O fato de esse filme estar sendo tão bem recebido pelo público brasileiro e a Fernanda Torres ter se destacado, chegando a ganhar o Globo de Ouro, é extremamente importante para os fazedores de cinema no Brasil. O cinema brasileiro sofreu muitos golpes ao longo dos anos. Tivemos um período crítico quando Collor praticamente extinguiu o setor, deixando o cinema nacional morto por vários anos. Depois, na era Lula e Dilma, houve um retorno dos incentivos, mas isso foi brutalmente interrompido no governo Bolsonaro. Durante esses quatro anos, os editais foram cancelados e não houve incentivos para as artes, especialmente o cinema. O cinema sempre foi uma ferramenta de narrativa que reflete a realidade social e política de um povo, e isso incomoda muitos governantes. Historicamente, ele também foi usado como ferramenta de domínio ideológico. Com esse retrocesso, ver agora o cinema brasileiro renascendo, trazendo filmes de qualidade que representam nossa história e cultura do ponto de vista dos brasileiros, é muito significativo. O Walter Salles é um cineasta incrível, para mim o melhor cineasta brasileiro, sem sombra de dúvidas. Desde seus primeiros filmes, a competência e o refinamento dele sempre foram evidentes. Isso traz um grande estímulo para o cinema nacional, elevando a confiança de todos os profissionais envolvidos na produção audiovisual. Também incentiva os jovens brasileiros a estudarem cinema, pois, infelizmente, ainda há um preconceito por parte de algumas famílias que não veem a área como uma profissão séria.

 

Falando em narrativa, quais recursos você acha que Walter Salles utilizou que mais contribuem para a experiência do filme? Por exemplo, percebe-se um aspecto retrô na fotografia, um tom amarelado que lembra fotos antigas. Você concorda?

Sim, com certeza. As cores são elementos fundamentais na psicologia visual. Esse tom amarelado traz a ideia de memória, remetendo àquelas fotos envelhecidas que todos nós já vimos nos álbuns de família. Mesmo sua geração, que é mais jovem, ainda tem esse contato com fotos antigas de pais e avós. O filme inteiro trabalha com essa noção de memória. Embora a história se passe nos anos 60 e 70, ela continua extremamente atual. Recentemente, vivemos um período de ameaças à democracia, vimos generais sendo presos e tentativas de ruptura institucional. Tudo isso ressoa com os eventos da ditadura retratados no filme.

 

E como você avalia a atuação da Fernanda Torres?

Brilhante! A direção do Walter Salles ajudou a extrair dela uma interpretação extremamente refinada e técnica. Ela transmite emoção através dos olhares, da respiração, do tom de voz, das expressões faciais. Não é para qualquer ator conseguir esse tipo de atuação. No cinema, menos é mais. Diferente do teatro, onde é necessário projetar mais as emoções, no cinema a câmera capta cada detalhe e a sutileza se torna essencial. Fernanda Torres domina isso com perfeição, o que explica sua conquista no Globo de Ouro.

 

Rosa Berardo

Rosa Berardo, professora da FAV/UFG: "Tecnicamente, 'Ainda estou aqui' tem todos os requisitos para vencer um Oscar" (Foto: Rimene Amaral)

 

Esse prêmio tem um peso simbólico para o Brasil. Você acredita que pode abrir portas para mais reconhecimento internacional do nosso cinema?

Com certeza! Esse tipo de reconhecimento valida o cinema brasileiro no cenário internacional e inspira novos talentos a investirem nessa carreira. O Brasil tem uma rica tradição cinematográfica e, apesar dos desafios, continua produzindo obras de grande qualidade. O sucesso de "Ainda estou aqui" é uma prova de que temos muito a contar e que nossas histórias precisam ser vistas pelo mundo.

 

Como você vê as possibilidades de expansão do cinema nacional a partir de agora?

O cinema nacional já está indo muito melhor. O governo tem cumprido suas responsabilidades na área da cultura e os editais estão funcionando. Com esse incentivo, acho que os olhos do público e da crítica internacional estão cada vez mais atentos ao cinema brasileiro.

 

O que falta para os filmes nacionais conquistarem ainda mais espaço em festivais internacionais?

O julgamento de um filme envolve muitas variantes. No Globo de Ouro, por exemplo, os jurados são, em sua maioria, jornalistas internacionais, pessoas mais jovens, abertas à diversidade. Já no Oscar, apesar das mudanças ao longo das décadas, ainda há um perfil predominante de jurados: homens brancos e mais velhos, o que influencia as escolhas. Mas essa barreira vem sendo quebrada. Filmes dirigidos por pessoas negras, mulheres e cineastas de diferentes origens estão ganhando mais espaço. "Ainda estou aqui" é um filme extremamente relevante para o momento histórico que vivemos. Ele retrata uma repressão violenta, um cenário de ideologias políticas opostas, algo que o mundo todo enfrenta. Há uma crescente onda conservadora global, e filmes como esse servem como alerta. O filme tem um olhar sociológico, uma abordagem histórica e uma narrativa universal. Tecnicamente, tem todos os requisitos para vencer um Oscar. Além disso, sua relevância social o torna ainda mais importante.

 

O impacto de um filme também depende de como ele é recebido internacionalmente. Você mencionou que o Globo de Ouro tem um júri mais jovem e diverso. Como funciona a escolha dos jurados para essas premiações?

O Globo de Ouro, de fato, tem um júri mais aberto, com jornalistas e críticos culturais de diferentes origens. Isso faz com que haja mais valorização de diferentes culturas e estilos cinematográficos. Já o Oscar, historicamente, tem sido dominado por membros mais conservadores da Academia. Houve mudanças nos últimos anos, mas ainda há influência de grandes estúdios e campanhas publicitárias milionárias para impulsionar certos filmes e atores. 

 

Como jornalista e cineasta, você diria que "Ainda estou aqui" é um divisor de águas no cinema nacional?

Sim, porque ele surge em um momento muito delicado da nossa história. Já tivemos ótimos filmes sobre a ditadura, como "O que é isso, companheiro?" e "Cabra marcado para morrer", mas "Ainda estou aqui" tem um refinamento técnico impressionante. Isso se deve à competência do diretor, ao investimento que possibilitou uma produção de alto nível e à escolha de um elenco excelente, com nomes como Selton Mello e Fernanda Torres. Esse filme pode ser um marco porque nos faz refletir sobre o Brasil recente, sobre o medo que sentimos há pouco tempo, sobre como quase voltamos a uma ditadura. O cinema tem esse poder de eternizar momentos históricos.

 

Falando de cinema nacional, que tendências você enxerga para os próximos anos?

O cinema brasileiro está vibrante, celebrando nossa identidade. Não precisamos copiar Hollywood. Hoje, há mais liberdade para contar nossas histórias, e o governo e o setor privado estão investindo em produções de cineastas negros, indígenas, mulheres e pessoas trans. Isso é emocionante! Ver novos talentos surgindo e contando histórias que antes não tinham espaço é um grande avanço. Com leis que garantem oportunidades mais justas, essas produções podem competir em igualdade com os filmes de diretores brancos e homens cisgêneros, que sempre dominaram o mercado. Esse florescimento de novas vozes é lindo de ver.

 

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Fonte: Secom UFG

Categorias: entrevista Arte e Cultura fav Destaque Notícia 4