
Em busca das bonecas Ritxoko, patrimônio cultural Iny Karajá
Com colaboração voluntária, pesquisadores mapearam peças em mais de 16 países
Exemplar de boneca Ritxoko: mais de 80 museus no mundo possuem esse tipo de peça (Foto: Markus Garscha)
Anna Paulla Soares
Em 2017, três professoras da Universidade Federal de Goiás (UFG) criaram o projeto de pesquisa intitulado Presença Karajá: cultura material, tramas e trânsitos coloniais, que, dentre seus feitos, mapeou a presença da cultura Karajá em mais de 80 museus espalhados pelo mundo. O projeto foi desenvolvido por Manuelina Duarte Cândido, da Faculdade de Ciências Sociais (FCS), juntamente com Rita Morais de Andrade, da Faculdade de Artes Visuais (FAV), e com a professora aposentada Nei Clara de Lima, também da FCS.
A primeira etapa do projeto, de 2017 a 2020, consistiu no mapeamento, identificação e análise de bonecas Ritxoko, produzidas pelos grupos indígenas Iny Karajá, presentes no acervo de museus nacionais e internacionais. As pesquisadoras também estudaram os adornos corporais e indumentárias das bonecas e, ao fim da etapa, haviam encontrado 76 museus em 16 países que possuíam Ritxokos em seu acervo, sendo 47 deles no Brasil. Hoje, o total já ultrapassa 80 museus, mas os dados ainda não foram oficialmente atualizados.
Segundo Manuelina, coordenadora do projeto, possuir uma rede de colaboração voluntária é de extrema importância para a continuidade da pesquisa, visto que não recebem financiamento. De acordo com ela, grande parte do mapeamento foi realizada por intermédio das redes sociais. "Por meio das redes sociais chegam muitas informações de pessoas que estão visitando museus, tiram fotos e mandam pra nós checarmos se são realmente Ritxoko".
A professora conta que, para a descoberta, não precisa necessariamente haver visitação, e é isso que permite que o projeto ocorra à distância e sem financiamento. Uma parte dos museus já possui inventário on-line e, caso haja alguma dúvida se aquela peça é ou não uma Ritxoko, a equipe entra em contato com o museu para checar a documentação museológica e, se a dúvida permanecer, são solicitadas imagens da peça em diferentes ângulos para confirmar a informação.
"No começo, a gente foi fazendo um levantamento bibliográfico e vendo os museus que já eram mencionados nos artigos, na bibliografia já conhecida. Depois, o mapeamento se expandiu quando a gente começou a ter essa contribuição das pessoas que visitam as nossas páginas e reconhecem as Ritxokos em suas visitas aos museus", relata a professora.
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Professoras Nei Clara e Manuelina Duarte, acompanhadas por Bebeto, em Aruanã (GO) (Foto: Markus Garscha)
Base de dados
A segunda etapa do projeto, iniciada em 2021 e encerrada em 2024, continuou com o mapeamento, mas de forma desacelerada, e se dedicou ao esboço de uma base de dados on-line com as informações obtidas pela pesquisa. Devido à disponibilidade limitada da equipe, essa base de dados ainda segue em desenvolvimento e será disponibilizada para o acesso público na plataforma Tainacan quando estiver pronta.
Manuelina ainda destaca que, apesar do viés acadêmico do projeto de pesquisa, o objetivo principal sempre será o diálogo dessas coleções de museus com as comunidades que estão vivas e produzindo este patrimônio.
"Os nossos campos são os museus, mas sem nunca desconectar o patrimônio musealizado da cultura viva, do patrimônio vivo. Para nós é muito importante fazer essa conexão e nos empenharmos de todas as maneiras que estejam ao nosso alcance para estimular a continuidade da fabricação das bonecas Ritxoko e que a sua comunidade, o povo Iny Karajá, tenha consciência da importância que elas têm".
Atualmente o projeto conta com cerca de 20 voluntários, entre professores, estudantes e comunidade externa, tanto indígenas quanto não indígenas. O grupo deseja levar até os Karajá todas as informações coletadas para que sejam também utilizadas pelas escolas indígenas.

Parceria
Ainda durante a segunda etapa, o projeto contribuiu com diferentes museus. A equipe do Presença Karajá fotografou e documentou coleções de quatro museus de Goiânia, especialmente do Museu Antropológico da UFG e do Museu Goiano Professor Zoroastro Artiaga.
Além das alianças locais, o projeto construiu uma parceria com o Grassi Museum of Ethnography, em Leipzig, Alemanha. Por dois anos, 2021 e 2022, membros do Presença Karajá e do museu alemão se reuniram quinzenalmente às segundas-feiras durante aproximadamente duas horas por chamadas de vídeo. Os integrantes analisaram cuidadosamente peça por peça da coleção de Ritxoko do museu e discutiram detalhes de cada uma.
Segundo Manuelina, a experiência foi enriquecedora e promoveu a inclusão dos Iny Karajá na discussão das peças produzidas por seu povo, principalmente das que precisavam de restauração.
"Todas as pessoas do nosso projeto, especialmente os Iny Karajá, tinham oportunidade de protagonismo, de colaborar de uma maneira muito ativa. Foi realmente uma experiência bem singular em relação ao que a gente teve com outros museus. Foi muito especial o acolhimento, a disponibilidade, a sensibilidade, a importância de dar esse tempo, durante dois anos, para o nosso trabalho conjunto", relata a professora.
Direitos de imagem
Dentre as dificuldades enfrentadas diante da construção do banco de dados, está a negociação dos direitos de uso da imagem das instituições. A professora conta que trabalha atualmente com cerca de oito instituições, que possuem restrições distintas.
"Tem museus que liberam totalmente, que é o caso desse museu da Alemanha, e tem museus que colocam restrições. Há um museu aqui de Goiânia, por exemplo, que nos permite usar só 12 fotos. Doze fotos são de duas a três peças. Então, todas as outras peças, a gente vai poder colocar na base de dados para consulta interna, mas deixar acesso ao público somente para as 12 fotos autorizadas", explica.
"Isso não é o ideal e fazemos um trabalho cuidadoso para tentar sensibilizar os museus da importância de compartilhar os dados sobre o acervo. Nesse sentido, o termo de cooperação assinado com o Grassi Museum é um bom modelo, pois eles abriram até mais do que o que foi solicitado".
Apesar de ainda não utilizarem oficialmente esse termo, a coordenadora afirma que a iniciativa pode ser relacionada à Ciência Aberta – movimento que busca tornar o conhecimento científico mais acessível, transparente e colaborativo. Os canais para contribuição são as redes sociais do projeto e o e-mail, disponibilizados no site oficial.
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Fonte: Secom UFG
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