
Crossfit auxilia controle do vício em drogas
Estudo realizado com dependentes químicos em internação mostra benefícios na capacidade decisória dos pacientes
Atividade física intensa e de curta duração mostrou-se importante aliada no tratamento do vício em drogas (Foto: Arquivo Pessoal)
Kharen Stecca
Um estudo realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (PPGCB) da Universidade Federal de Goiás (UFG) avalia os impactos do exercício físico de alta intensidade entre pacientes diagnosticadas com transtorno por uso de substâncias (TUS) internados no Complexo de Referência Estadual de Saúde Mental (Cresm). A pesquisa examina os efeitos imediatos de uma sessão curta, mas intensa, de atividade física – com duração de apenas seis minutos – na neuroquímica e no desempenho cognitivo dos pacientes.
As avaliações foram feitas antes e depois do exercício, concentrando-se nos biomarcadores relacionados à plasticidade neural (como lactato, BDNF e irisina) e nas funções executivas (inibição, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva). A hipótese é que a modulação neuroquímica provocada pela atividade física possa diminuir o craving (ou fissura), auxiliando na prevenção de recaídas e reforçando o autocontrole diante dos gatilhos associados ao vício. Os resultados iniciais são promissores quanto à capacidade de auxiliar esses pacientes a se afastarem das substâncias químicas e se apoiarem na atividade física para uma maior chance de controle do vício.
Segundo o pesquisador Christian José dos Santos, profissional de Educação Física e doutorando do programa, o craving está relacionado a alterações nas funções executivas, como tomada de decisão e controle dos impulsos. O estudo verificou que o exercício de alta intensidade, quando avaliado de 10 a 12 minutos depois de sua realização, demonstrava melhora nas funções executivas e até no afeto e humor.
Coleta
A pesquisa de campo ocorreu durante oito meses, tendo coletado amostras de 45 participantes aptos para os testes. Na pesquisa, foram realizados testes cognitivos antes e após o exercício, além da coleta de sangue. As amostras sanguíneas foram colhidas antes e logo após o fim do exercício. Já os testes cognitivos pós-exercício foram aplicados entre 10 e 15 minutos após o término da atividade.
Segundo Christian, uma lacuna na investigação da área era a avaliação durante ou alguns minutos depois da realização do exercício físico de alta intensidade. Grande parte das pesquisas existentes avaliaram apenas quando o corpo ainda estava em sinal de estresse, imediatamente após o exercício. "Nossa pesquisa propôs esperar de 10 a 12 minutos para a coleta quando esse estresse já diminuiu, mas os benefícios reais do exercício podem ser medidos com relação a esses biomarcadores ligados ao processo de cognição", explica.
O estudo avaliou pontualmente o efeito do exercício de alta intensidade realizado apenas com o peso do corpo e durante um tempo curto de seis minutos (uma característica desses exercícios de alta intensidade são também serem realizados em pequenos intervalos). O que se percebe é que há um grande ganho desses pacientes, mesmo que esses exercícios não sejam realizados cotidianamente, o que fortalece a tese de que a longo prazo eles são essenciais na qualidade de vida do paciente.
Pesquisador Christian dos Santos coleta dados de participante (Foto: Arquivo Pessoal)
Biomarcadores
Após o exercício, foram coletadas amostras de sangue para análise dos biomarcadores lactato, BDNF e irisina. A irisina é uma substância liberada pelos músculos durante o exercício físico e está associada à intensidade do esforço. A hipótese do projeto é que o aumento da irisina possa estimular a produção do BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro), uma proteína essencial para a neurogênese (formação de novos neurônios) e para a plasticidade neural (adaptação e fortalecimento das conexões entre neurônios).
Outro biomarcador analisado foi o lactato, uma substância produzida durante o exercício físico intenso. A hipótese do projeto é de que o aumento na produção de lactato, proporcional à intensidade do esforço, possa estar relacionado à elevação dos níveis de irisina e, posteriormente, de BDNF. Esses efeitos bioquímicos estariam associados à melhora das funções executivas, o que pode contribuir para uma maior capacidade de controle inibitório e tomada de decisões em pessoas com transtornos por uso de substâncias.
Como explica Christian, a pesquisa avalia especificamente o efeito do exercício para o paciente, mas quando acompanhado no hospital, o paciente passa por uma diversidade de outras ações: participa de terapia ocupacional, é medicado, terapia em grupo e individual, tem acesso a atividades religiosas, entre outras ações. "Buscamos avaliar pontualmente o efeito do exercício físico, mas o tratamento do paciente de forma complexa é também uma forma de aumentar as possibilidades de que ele consiga sair do vício".
Fissura ou craving
Christian ressalta explicitamente a ligação entre o craving e o controle inibitório: a fissura gera recaída, e a recaída tem a ver com o controle inibitório. A pesquisa utilizou uma escala de fissura para medir essa vontade antes e depois do exercício. Na pesquisa, essa fissura era provocada no ambiente com elementos que funcionavam como gatilhos, como o cheiro de álcool para etilistas.
O controle inibitório é a capacidade de inibir impulsos automáticos ou desejos. "Nas funções executivas, que são responsáveis pela criação de estratégias e tomada de decisões, o controle inibitório é crucial. O adicto, assim como o idoso, sofre um decréscimo nessas funções, incluindo o controle inibitório", explica Christian. A pesquisa visa oferecer o exercício de alta intensidade como ferramenta para auxiliar nesse controle.
Avaliação isolada
Christian também explicou porque avaliou pontualmente os exercícios, e não cronicamente, ou seja, ao longo de um período de internação. "Os pacientes não são internados de forma compulsória e podem não estar lá dentro de alguns dias, o que tornaria inviável avaliá-los assim. Mas já existem iniciativas de estudos ampliados nesse sentido", detalha.
Ele também avaliou apenas homens na pesquisa, pois, segundo ele, as mulheres, pela variação hormonal, precisam ser avaliadas de uma forma mais complexa que demandaria mais tempo de estudo e análises ampliadas.
Ele conta sobre a dificuldade de levantamento da amostra: "Se o paciente, no dia da coleta, por exemplo, já havia participado de uma ação religiosa ou terapia, eu precisava descartar a amostra, pois um outro fator poderia alterar os resultados. Foram oito meses de coleta para chegarmos à amostra de 45 participantes", conta.
Há muitos fatores envolvidos em pesquisas com seres humanos que precisam ser considerados e também o fator emocional do pesquisador. "Adictos são pessoas que têm necessidades de atenção e afeto altas e é preciso um preparo psicológico para atendê-los, além de extremo cuidado com todo o ambiente em que a pesquisa é feita", exemplifica Christian ao enumerar as dificuldades na pesquisa.
Envelhecimento
Christian conta que, inicialmente, sua proposta era avaliar o público idoso. No entanto, ao longo do desenvolvimento do projeto, percebeu que pessoas com TUS poderiam representar um modelo relevante para investigar o envelhecimento precoce. "O uso prolongado de drogas pode acelerar processos típicos do envelhecimento, afetando funções como memória e tomada de decisão de forma semelhante ao que ocorre em pessoas com idade avançada", destaca.
Ele esclarece que as descobertas acerca dos mecanismos fisiológicos envolvidos em exercícios intensos – como a produção de irisina, que pode influenciar a expressão do BDNF – estão ligadas a processos como a neurogênese e a plasticidade neural, fundamentais para a melhoria das funções cognitivas em indivíduos com condições como demência ou Alzheimer.
Outro grupo que pode ser atingido pela extrapolação da pesquisa são pessoas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Christian ressalta que o exercício físico melhora as funções executivas não apenas em idosos e adictos, mas também em pessoas com TDAH. Por fim, a pesquisa mostra que exercícios intensos, sem necessidade de nenhum tipo de material ou investimento, podem significar melhora na qualidade de vida de qualquer pessoa, sendo importante coadjuvante tanto em pessoas saudáveis quanto não saudáveis.
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Fonte: Secom UFG
Categorias: Educação Física saúde ICB Destaque