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Universidade Federal de Goiás
Cristiane Lemos

No meio do caminho do SUS tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho do SUS

Em 10/07/25 14:16. Atualizada em 10/07/25 14:38.

População precisa estar organizada para defender um projeto sanitário digno, com financiamento adequado e valorização dos trabalhadores

Cristiane Lemos

"No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho…" – já dizia Drummond. No Brasil, muita gente diria que essa pedra se chama SUS: filas, demora, estrutura precária, burocracia. Um sistema que, para alguns, parece mais atrapalhar do que ajudar. Mas será mesmo?

O SUS nasceu da luta do povo. Foi criado pela Constituição de 1988 como resposta à exclusão histórica do acesso à saúde. É um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, oferecendo, de forma gratuita, desde vacina até transplante de órgãos. Antes do SUS, só quem tinha carteira assinada tinha direito à saúde. Mesmo com esse acesso mais amplo e inclusivo, muita gente ainda desconfia do sistema. Por quê?

Essa desconfiança tem raízes profundas. Por um lado, existe a ideia de que o que é privado é automaticamente melhor, mais eficiente. Por outro, há um problema real: o SUS vive com orçamento apertado. O subfinanciamento crônico se torna mais sério quando se compreende que, na prática, o sistema acaba sendo a única opção de acesso para os 75% da população que não têm condições de pagar para ter acesso ao atendimento.

Neste mês, o Ministério da Saúde, reconhecendo o problema histórico das filas, decretou uma Situação de Urgência em Saúde Pública. A ideia é agilizar os atendimentos especializados – como exames e cirurgias – em regiões com maior demanda, principalmente em áreas como oncologia, ortopedia, cardiologia, ginecologia, entre outras.

Isso parece bom – e é urgente, especialmente após a pandemia de covid-19, que aumentou a demanda por atendimento especializado. A grande preocupação está em como isso será feito. O governo lançou o programa Agora Tem Especialistas, que pretende contratar hospitais e clínicas privadas para atender a demanda reprimida do SUS. Para isso, os hospitais poderão abater dívidas com o governo em troca dos atendimentos. Em outras palavras: dinheiro público para pagar serviço privado.

O ministro Alexandre Padilha parece partir da ideia que o que o povo quer é ser atendido – seja no público ou no privado. Mas, curiosamente, em um governo que deveria valorizar o diálogo com os movimentos sociais, os empresários da saúde foram ouvidos primeiro. Sanitaristas e defensores do SUS acenderam o alerta: esse modelo pode abrir caminho para a mercantilização da saúde, o que vai contra um dos princípios mais importantes do SUS – de que saúde não é mercadoria.

E pior: pouco se fala dos cortes no financiamento do SUS nos últimos anos. Pouco se discute como fortalecer a atenção básica – que é justamente o pilar para evitar que as filas nas especialidades fiquem tão longas. Além disso, cresce o número de unidades públicas entregues à gestão de empresas privadas (as chamadas Organizações Sociais), muitas vezes envolvidas em denúncias de corrupção, má gestão e precarização dos direitos dos trabalhadores da saúde. E hora ou outra circula-se a ideia de ofertar planos populares de saúde que obviamente estaria muito distante da integralidade do atendimento que o SUS oferece ao povo brasileiro.

A verdade é que, para milhões de brasileiros, o SUS não é uma pedra no caminho – é o único caminho. É motivo de orgulho. É o que nos diferencia de muitos países onde saúde é um privilégio e não um direito.

Mas o que a população precisa entender é que, sim, há uma pedra no caminho do SUS: o interesse constante do mercado, que vê no sistema público uma oportunidade de lucrar com a saúde do povo brasileiro. Cabe ao governo – especialmente aos que se dizem progressistas – não perder o horizonte: saúde é um direito, não um negócio.

Diminuir as filas é urgente, mas isso não pode virar desculpa para desmontar, aos poucos, um dos maiores patrimônios do povo brasileiro. A população precisa estar atenta e organizada para defender um projeto sanitário digno, com financiamento adequado, melhor gestão e valorização dos trabalhadores que, todos os dias, doam seu tempo e dedicação para fazer do SUS um dos melhores sistemas de saúde pública do mundo.

 

Cristiane Lemos é professora do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFG e faz parte do Cebes Núcleo Goiás e da coordenação do Grupo de Gestão, Política e Planejamento da Abrasco.

 

Este artigo foi originalmente publicado no site da revista Carta Capital.

 

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Fonte: FE

Categorias: artigo saúde ICB