
Pesquisadora da UFG mapeia ameaças ao pica-pau-da-taboca
Espécie tem registros raros, o que torna mais importante estudos sobre ela
Pica-pau-da-taboca precisa de condições específicas para sobreviver e por isso está ameaçado (Foto: Thiago Cardoso)
Eduardo Bandeira
Uma pesquisa de doutorado desenvolvida por Letícia Rabelo, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução (PPGECOEVOL) da Universidade Federal de Goiás (UFG), mapeou as ameaças ao Celeus obrieni, conhecido popularmente como pica-pau-da-taboca. Entre as ameaças à espécie estão o fogo e a perda de vegetação.
Letícia explica que o pica-pau-da-taboca é um habitat especialista, ou seja, depende de condições ambientais específicas para sobreviver. Ele precisa de tabocas (um tipo de bambu), que normalmente crescem próximas à água e a uma certa altitude. Nessas tabocas vivem formigas, que são sua principal fonte de alimento.
Essas características fazem com que a espécie seja muito sensível a mudanças ambientais, como alterações climáticas e fogo no Cerrado. Dentro do gênero Celeus, o pica-pau-da-taboca se destaca por sua dependência desse habitat específico.
A espécie ficou cerca de 80 anos sem registros. Foi descrita em 1926 e, depois disso, acreditava-se que se tratava de uma subespécie do Celeus spectabilis. "Apenas em 2006 ele foi redescoberto, e então confirmaram que era uma espécie distinta. Inicialmente, recebeu o nome de pica-pau-do-parnaíba, porque o primeiro exemplar foi coletado nas margens do Rio Parnaíba. Mas, com o avanço dos estudos, percebeu-se que ele dependia das tabocas, e assim seu nome foi atualizado", conta Letícia.
Além disso, dentro do próprio gênero, os indivíduos são muito parecidos morfologicamente. As diferenças são sutis, como uma coloração um pouco mais amarelada em alguns ou mais marrom em outros. O ambiente em que vivem também pode influenciar sua coloração devido à seleção natural: quanto mais camuflado o animal estiver na vegetação, maiores suas chances de sobrevivência.
Dentre as 12 espécies do gênero Celeus, dez ocorrem no Brasil. O Celeus obrieni é a única espécie endêmica do Brasil e do Cerrado. Isso reforça sua vulnerabilidade, pois ele não pode simplesmente migrar para outros ambientes caso seu habitat seja destruído. Além disso, ele é classificado como espécie Vulnerável (VU) na lista nacional de espécies ameaçadas.
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Pesquisadora Letícia Rabelo em trabalho de campo (Foto: Arquivo pessoal)
Impactos ambientais
Os incêndios florestais descontrolados e o desmatamento são os maiores impactos para a espécie. Os ambientes de taboca e bambu, essenciais para o pica-pau-da-taboca, são extremamente sensíveis e levam muito tempo para se regenerarem.
De acordo com Letícia, a destruição desse habitat compromete a cadeia alimentar do pássaro, uma vez que o bambu precisa de tempo para se recompor, permitindo que formigas se estabeleçam e criem ninhos, dos quais a ave se alimenta. Esse ambiente pode levar anos para se restabelecer após um incêndio ou desmatamento.
Atualmente, não há projetos específicos para a conservação do pica-pau-da-taboca e nem dados ecológicos básicos coletados em campo. Essa é uma grande lacuna apontada na pesquisa de Letícia, e um dos objetivos dos estudos sobre a espécie é fornecer informações que possam embasar políticas públicas e iniciativas de conservação.
Falta de dados
"Se compararmos com outras espécies do gênero Celeus, a diferença no número de registros deste gênero de ave é impressionante. Algumas espécies possuem entre 2 mil e 5 mil ocorrências registradas, enquanto o Celeus obrieni tem apenas cerca de 246, o que mostra a urgência de sua proteção", explica a pós-graduanda.
Outro motivo que levou a pesquisadora a focar no pica-pau-da-taboca foi sua vontade de trabalhar com fauna e animais silvestres. Inicialmente, Letícia queria cursar veterinária, mas encontrou na biologia seu caminho para trabalhar com o que gosta. Assim, optou pela conservação, que também é fundamental para a proteção das espécies.
"Minha pesquisa surgiu durante a graduação, quando trabalhei com fogo no Cerrado. No mestrado, quis focar em fauna, e escolhemos aves porque já havia um banco de dados consolidado no laboratório. Dentre as espécies ameaçadas, o pica-pau-da-taboca chamou atenção por ter poucos registros", conta.
A doutoranda destaca que uma das principais dificuldades da pesquisa foi a falta de dados sobre as espécies, problema conhecido como déficit walaciano. Além disso, há outro obstáculo: a ausência de dados ecológicos, que compromete a compreensão do comportamento e das interações desses organismos no meio ambiente.
Letícia ressalta que ainda há muitas lacunas sobre a ecologia da espécie estudada. Um dos seus maiores desejos seria acompanhar o animal para entender melhor sua alimentação. Para isso, ela cita uma linha de pesquisa voltada à análise do conteúdo estomacal, que busca responder se a dieta da espécie é realmente restrita a cinco tipos de formigas ou se inclui outros alimentos.
A continuidade da pesquisa depende de recursos financeiros. Desde 2021, Letícia integra o projeto de extensão Óia Passarinhar, da UFG, onde atualmente auxilia na captação de financiamento e na parte administrativa. O grupo já participa de projetos em Terra Ronca e na Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
A pesquisadora busca viabilizar um estudo para aprofundar o conhecimento sobre as associações do pica-pau-da-taboca, mas ressalta que a obtenção de recursos é um desafio, já que os editais variam em critérios e especificidades.
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Fonte: Secom UFG
Categorias: Espécie ameaçada Ciências Naturais ICB Destaque Notícia 5