
Um novo olhar sobre a relação entre tempo, gravidade e termodinâmica
Estudo inédito inaugura campo de investigação em área aberta há mais de um século
Piter Salvatore
Um artigo produzido por três pesquisadores da área de física quântica e da relativística, coordenado pelo professor do Instituto de Física (IF) da Universidade Federal de Goiás (UFG) Lucas Céleri, propõe uma conexão entre a seta termodinâmica do tempo e a estrutura causal do espaço-tempo. O objetivo principal é descrever a termodinâmica de sistemas quânticos sob a influência da gravidade, considerando as particularidades de um conceito chamado "espaço-tempo curvo".
A motivação da pesquisa foi a necessidade de compreender o tempo de uma maneira não absoluta, conforme proposto pela Teoria da Relatividade. "Para afirmarmos que dois eventos ocorrem no mesmo instante de tempo, devemos especificar com relação a quem estamos mensurando o tempo", explica Lucas. Em outras palavras, o tempo não é o mesmo para todos os observadores. Na física quântica, os observadores são os sujeitos que conduzem as medições em um determinado sistema, analisando um fenômeno específico.
Em termodinâmica, área da física responsável por estudar as formas de energia e suas conversões, um sistema é toda região do espaço que se deseja estudar. Ele é delimitado por uma superfície chamada de "fronteira" (paredes e membranas) que separa o sistema do resto do universo (vizinhança). Alguns exemplos comuns de sistemas seriam uma panela de pressão posta ao fogo, uma caldeira em chamas e até situações extremas, como um elefante em uma corda bamba.
De acordo com o professor da UFG, "é esperado que toda a termodinâmica não seja absoluta, mas que seja dependente do observador, dado que é construída sob a noção de tempo". Nesse caso, tempo, termodinâmica e espaço passam a ter semelhanças, tornando-se conceitos relativos e dependentes de quem os observa.
Além de Lucas Céleri, assinam o artigo Marcos Basso, da Universidade Federal do ABC (UFABC), e Jonas Maziero, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Os três se conheceram durante a pós-graduação e, anteriormente, já haviam publicado outro artigo em conjunto, que precedia o problema da pesquisa em questão.
Espaço-tempo curvo
Antes de Isaac Newton (1643-1727), o tempo e o espaço tinham uma estrutura que dependia dos objetos e das coisas, como explica o professor da UFG. Essa herança de pensamento possui raízes em Aristóteles e Descartes, mas foi a física newtoniana que forneceu a estrutura matemática para medir as duas instâncias.
No século 20, Albert Einstein (1879-1955) ampliou a teoria de seu antecessor para descrever um "espaço-tempo curvo" onde gravidade e espaço-tempo são a mesma coisa. De acordo com Lucas Céleri, o adjetivo "curvo" remonta à curvatura do espaço-tempo, no qual a gravidade é consequência do efeito dessa mesma curvatura.
Com o impacto das pesquisas de Einstein, cientistas tentaram construir uma versão relativística da termodinâmica. "Entretanto, até o momento não temos uma teoria plenamente aceita", afirma Lucas. Na visão do autor, o artigo publicado recentemente pode mudar o olhar sobre a teoria física e o pressuposto da irreversibilidade de alguns processos da vida prática.
Por exemplo, em uma obra cinematográfica como um filme de enredo linear, uma sequência de cenas pode acontecer normalmente, da maneira estabelecida pelo diretor. Mas revertendo as cenas, modificando o tempo, a experiência com o filme se torna diferente. Essa quebra da irreversibilidade traduz um processo chamado de entropia.
Segundo o cientista da UFG, "entropia é um termo muito geral usado para definir muitas coisas diferentes". Em 1948, Claude E. Shannon, em seu artigo A Mathematical Theory of Communication, definiu entropia como uma das fórmulas para se "medir a informação". Porém, foi Ludwing Boltzmann, com a Teoria Cinética dos Gases, que aproximou o conceito de sua noção mais atual, descrevendo-a como uma medida concreta do número de estados microscópicos associados a um estado macroscópico em um determinado sistema.
A entropia, portanto, não é algo que podemos tocar ou experimentar, mas sim uma quantidade estatística que permite contar o número de maneiras possíveis de arranjar os átomos de uma substância. Ela também é a responsável por sustentar a Segunda Lei da Termodinâmica, onde a entropia sempre tende a aumentar.
O professor da UFG destrincha o processo: "As teorias fundamentais da física são reversíveis temporalmente. Isso significa que se invertermos o sinal do tempo (sua direção), as previsões fornecidas por essas teorias não mudam. Entretanto, claramente observamos a irreversibilidade ao redor de nós todos os dias. Por exemplo, nós envelhecemos, e essa irreversibilidade é dada pela noção de entropia. Isso nos fornece a noção de passagem do tempo. Por esse motivo, o aumento da entropia é chamado de seta do tempo".
A entropia é também um conceito utilizado em outras ciências, como na Teoria da Informação, que analisa os efeitos da comunicação e da transmissão de dados. Outros aspectos dessa teoria se relacionam com a segurança de dados e a criptografia.
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Físico Carlo Rovelli conjectura ligação entre a seta termodinâmica do tempo e a seta causal (Foto: Jamie Stoker)
Paradoxo de informação
"Fornecemos uma nova linha para estudar a termodinâmica de sistemas quânticos sob a ação da gravidade. Com isso, um número imenso de possibilidades é aberto. Por exemplo, podemos agora considerar espaços-tempos que possuem buracos negros e estudar o chamado paradoxo de informação", afirma o professor.
Atualmente, uma aplicação da Teoria Geral da Relatividade pode ser vista no Sistema de Posicionamento Global (GPS). As equações de campo de Einstein permitem aos desenvolvedores realizarem cálculos e definirem trajetórias, sincronizando relógios. Enquanto isso, outra versão, a Teoria da Relatividade Especial, foi a responsável pela geração do Grande Colisor de Hádrons, um túnel debaixo da fronteira da França com a Suíça que realiza experimentos de aceleração de partículas.
Lucas destaca que a pesquisa ainda é bastante inicial e que questões em aberto são "imensas". No momento, os pesquisadores investigam a existência de um campo quântico no lugar de um sistema localizado. A segunda questão refere-se ao entendimento das concepções de "tempo", como a ideia de "tempo térmico" introduzida pelo físico italiano Carlo Rovelli, que conjecturou uma ligação entre a seta termodinâmica do tempo e a seta causal, relação defendida no teorema do trio de cientistas.
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Fonte: Secom UFG
Categorias: Física Ciências Naturais IF Notícia 1