
Goiás avança na pesquisa sobre uso da pele de tilápia para ferimentos
Descelularização e despigmentação da pele são as principais inovações em relação a pesquisas anteriores
Pele de tilápia para tratar ferimentos começou a ser estudada na Universidade Federal do Ceará (Foto: Viktor Braga/UFC)
Eduardo Bandeira
O uso da pele de tilápia no tratamento de ferimentos graves, como queimaduras, foi desenvolvido inicialmente na Universidade Federal do Ceará (UFC) e ganhou repercussão nacional. A técnica tem sido aprimorada em Goiás por meio de uma pesquisa coordenada pelo professor Valcinir Aloísio Scalla Vulcani, da Universidade Federal de Jataí (UFJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da Universidade Federal de Goiás (UFG).
A principal inovação do estudo é o uso de uma técnica desenvolvida em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), que emprega pele de tilápia descelularizada em vez da versão liofilizada, processo que congela o material e, em seguida, remove a água por sublimação, preservando sua estrutura. O foco da pesquisa está no desenvolvimento de curativos para aplicação veterinária e humana, com ênfase no aproveitamento do colágeno presente na pele do peixe.
Outro avanço importante surgiu de forma inesperada: a despigmentação da pele. Durante os testes, a equipe descobriu uma forma de branquear o material, reduzindo o aspecto visual típico de "pele de peixe" e tornando-o mais aceitável, inclusive do ponto de vista estético, para os próprios pacientes. A mudança na coloração não comprometeu a estrutura da matriz extracelular nem o colágeno, preservando as propriedades essenciais para o tratamento.
O professor descreve a metodologia de descelularização como inovadora por empregar uma "solução alcalina" capaz de remover as células sem comprometer o restante do tecido, especialmente a matriz extracelular, rica em colágeno. Ele também destaca a importância dos testes de engenharia, química e física realizados para confirmar a integridade do colágeno após o tratamento.
Pele in natura (esq.) e depois do tratamento de descelularização e clareamento (dir.) (Foto: Arquivo Pessoal)
Curativo
De acordo com Aloísio, a pele de tilápia é indicada para diversos tipos de feridas, principalmente aquelas que apresentam grande perda de líquido, como queimaduras e feridas crônicas, comuns em pacientes diabéticos ou com problemas circulatórios, que necessitam de estímulo para a cicatrização. Nesses casos, a pele atua como um curativo oclusivo, ajudando a manter a umidade e protegendo o local.
Uma das principais vantagens observadas é que a pele de tilápia exige pouco manejo, podendo ser mantida por períodos prolongados, o que reduz a dor do paciente e a frequência das trocas de curativo. Além disso, ao contrário de outros materiais, ela favorece o crescimento celular e atua como uma barreira física protetora, impedindo a entrada de microrganismos e acelerando o processo de regeneração da pele.
Além dos benefícios clínicos, o uso da pele de tilápia também se destaca pela sustentabilidade e pelo baixo custo. Considerada um subproduto dos abatedouros, a pele é frequentemente descartada, o que representa um impacto ambiental significativo. Ao aproveitá-la, o que antes era resíduo se transforma em um recurso valioso para a área da saúde. "Quando eu converso com colegas que estão no exterior trabalhando neste processo, eles falam que, quando contam que no Brasil jogamos colágeno fora, que contaminam rios, eles dão risada. Mas é o que fazemos no Brasil", relata o professor.

Atualmente o grupo consegue obter a pele descelularizada e despigmentada, além de passar por um processo inicial de descontaminação. Em seguida, após o congelamento, é liofilizada e pode ser esterilizada em óxido de etileno para uso cirúrgico.
Embora a técnica de descelularização reduza significativamente o risco de rejeição pelo organismo, essa possibilidade ainda existe. Aloísio destaca que "qualquer material que se coloque em contato com um organismo vivo sempre vai causar uma reação". Por isso, mesmo com os avanços no preparo da pele de tilápia, é necessário acompanhar de perto a resposta do corpo ao tratamento.
O maior desafio atualmente, para o professor, é viabilizar a utilização da pele de tilápia como produto. Sua equipe, que possui formação majoritariamente acadêmica, busca agora parcerias com incubadoras e empresas para transformar o desenvolvimento em um produto comercial. Além disso, Aloísio chama a atenção para o processo de aprovação de biomateriais no Brasil, que é exigente.
Há planos para testar o protocolo de descelularização e despigmentação em peles de outras espécies de peixes, além da pele de rã, já utilizada em Goiânia.
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Fonte: Secom UFG