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Universidade Federal de Goiás
Penitenciária feminina

Pesquisa relata violações no sistema prisional feminino

Em 24/09/25 13:41. Atualizada em 24/09/25 15:22.

Estudo traz relatos de detentas da Penitenciária Consuelo Nasser, em Aparecida de Goiânia

 

Penitenciária feminina

Mulheres detentas enfrentam uma realidade marcada pela desigualdade social e pelo patriarcado (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Piter Salvatore

De acordo com o Relatório de Informações Penais (Relipen) do primeiro semestre de 2024, Goiás possui 896 mulheres presas em celas físicas. Destas, 111 cumprem pena em regime fechado na Penitenciária Feminina Consuelo Nasser (PFCN), situada no Complexo Prisional Policial Penal Daniella Cruvinel, no Distrito Agroindustrial de Aparecida de Goiânia.

A pesquisadora, advogada e especialista em Direito Penal e Criminologia Lina Martins Rezende visitou a unidade para entrevistar dez detentas com idades entre 21 e 60 anos, durante sua pesquisa de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PGIDH) na Universidade Federal de Goiás (UFG). Os relatos serviram de base para uma crítica à integridade dos Direitos Humanos no sistema penitenciário goiano.

Na análise, Lina mobiliza fundamentos do marxismo, da criminologia crítica feminista e de conceitos jurídicos para discutir a realidade das mulheres em conflito com a lei. Para ela, "a complexa situação de mulheres em delinquência é problematizada pela desigualdade social criada e reforçada pelo capitalismo, que possui como raiz fundamental o racismo sistêmico e o patriarcado, braços fortes que demonstram a falência do direito penal e do sistema prisional como ferramentas de contínua violação de direitos humanos das mulheres".

Lina
Lina Rezende, mestre em Direitos Humanos pela UFG (Foto: Arquivo Pessoal)

Visita

Esta foi a primeira investigação empírica realizada dentro do presídio após a pandemia de covid-19, embora os primeiros passos tenham sido ainda na quarentena. A visita aconteceu em 2 de agosto de 2022, iniciou-se às 16h e foi concluída às 20h30 do mesmo dia. As entrevistas duraram de 15 a 20 minutos, em média, com apenas uma exceção, que ultrapassou 40 minutos.

Durante a visita, a pesquisadora, as funcionárias e as detentas usaram máscaras e álcool em gel, seguindo os protocolos recomendados pelo Ministério da Saúde e pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFG.

Todas as entrevistas ocorreram na biblioteca do presídio, "um espaço aberto, customizado para questões de leitura, e que foge do aspecto clássico de prisão", afirma a pesquisadora. Lina não chegou a entrar nas celas devido ao foco da pesquisa, que não consistia na análise predial, e sim na coleta dos relatos e na voz ativa das presas fora do ambiente carcerário.

Durante o processo de escolha das fontes, a autora conta que a intenção foi abarcar uma "maior diversidade de crimes cometidos". Ela entrevistou mulheres sentenciadas pelos crimes de tráfico de drogas, latrocínio, roubo, homicídio qualificado e estupro de vulnerável.

Outro objetivo foi conhecer as histórias de vida das mulheres retidas no sistema prisional local, tocando em aspectos como a estrutura social, o caminho até a efetivação do crime e a diversidade da violência causada.

 

Info sistema prisional 2

Fonte: Rezende (2024)

 

Percurso

Entre as 111 mulheres presas, 17,1% se declararam brancas, 9% pretas, 36,9% pardas, 0,9% amarelas e 36% não informaram a cor ou etnia. Não há dados sobre a presença de mulheres indígenas. De acordo com a especialista, os dois últimos dados revelam uma lacuna a ser superada.

"A diretoria relatou que há uma dificuldade na autodeclaração racial das mulheres ao entrar no sistema prisional, uma vez que elas têm dificuldade na autopercepção, o que explica a alta taxa de detentas sem informação sobre sua cor/etnia. Esse cenário leva a uma problemática metodológica sobre a verificação dos dados reais diante da autodeclaração potencialmente equivocada e da ausência de informação e (re)conhecimento sobre raça de uma grande parte das mulheres presas, o que reforça a importância do letramento racial".

Com relação à faixa etária, foram seis mulheres entre 18 e 24 anos; 18 entre 25 e 29 anos; 19 entre 30 e 34 anos; 21 entre 35 e 45 anos; sete entre 46 e 60 anos; duas entre 61 e 70 anos; e 38 mulheres que não possuíam informações de idade. Esta última situação, para a advogada, está "próxima à indigência".

Infográfico sistema prisional

Correntes

Segundo Lina, "quase todas elas [as mulheres presas] foram para essa realidade criminal por conta dos seus maridos". Os cônjuges e parceiros de algumas das detentas já estavam marginalizados, ligados ao crime ou mesmo faccionados. Essa associação também afetou as parceiras, que adentraram nesse universo por motivações de poder, status e prestígio dentro das próprias relações afetivo-matrimoniais.

Ainda segundo a autora do estudo, "o tráfico de drogas não era o principal crime em que elas se encontravam condenadas, muito embora metade delas tivesse alguma dependência química ou já tivesse experiência com o comércio de drogas". Além disso, mais da metade das mulheres passou por violência doméstica e familiar, um histórico reincidente, e os danos do racismo também foram um ponto levantado pelas entrevistadas.

Apesar da realidade do presídio Consuelo Nasser, de acordo com o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ONG que atua na defesa dos direitos das mulheres estrangeiras em conflito com a lei – o encarceramento feminino no país está diretamente ligado ao tráfico de drogas.

"No Brasil, entre 2005 e 2014, o número de mulheres presas por delitos relacionados a drogas aumentou 290%. A maioria delas possui um perfil parecido: baixa escolaridade, vive em condições de pobreza e é responsável pelos cuidados de filhos, filhas, jovens, pessoas idosas ou com deficiência. O envolvimento com o tráfico de drogas surge grandemente como uma forma de geração de renda".

Sobre os episódios de racismo, Lina ainda destaca que, embora as presas não tivessem queixas de violação de direitos humanos básicos, as falas divergiram entre as detentas brancas e negras. "As mulheres negras comentam que havia situações de racismo por parte das policiais penais", diz. Enquanto isso, submetidas à mesma pergunta, entre as mulheres brancas, "nenhuma presa alegou presenciar casos de racismo dentro da penitenciária", comenta a advogada.

Solidão

"Elas são abandonadas naturalmente", afirma a pesquisadora, comentando sobre a solidão das entrevistadas. À época, a pandemia de Covid-19 impossibilitou que as visitas acontecessem de forma regular. Porém, mesmo após o fim da quarentena, as visitas permaneceram baixas.

Entre as mulheres que são mães, nenhuma delas alegou vontade de receber os filhos no presídio, receosas com o convívio das crianças no local. Em relação aos cônjuges e parceiros, a possibilidade de visita era quase nula, pois a maioria deles estava morta ou presa.

Lina observou que as entrevistadas também enfrentavam complicações subjetivas, fruto das experiências vividas no ambiente penitenciário. O isolamento e a escassez de atividades diárias foram frequentemente mencionados como queixas, assim como a dificuldade de acesso à terapia regular.

A professora destacou o apelo de uma das entrevistadas, que ressaltou a importância de uma maior presença da atuação dos defensores e defensoras dos Direitos Humanos no contexto da penitenciária.

 

NA HISTÓRIA

Segundo a Diretoria-Geral de Polícia Penal de Goiás, a Penitenciária Consuelo Nasser foi o primeiro presídio feminino construído no estado. Inaugurada em 1985, a unidade foi instalada em frente ao Centro de Atividades Industriais do Estado de Goiás (Cepaigo), autarquia criada durante o governo de Jânio Quadros, na gestão do governador Mauro Borges. As obras do Cepaigo começaram em 1959, em uma fazenda situada em Aparecida de Goiânia.

A penitenciária recebe esse nome em homenagem à advogada, jornalista e ativista feminista Consuelo Nasser. Natural do Rio de Janeiro, ela se mudou para Goiânia em 1959, acompanhada do tio Alfredo Nasser, que na época havia sido empossado deputado federal. Sua trajetória foi marcada pela luta pelos direitos das mulheres e pela defesa da comunicação e informação no jornalismo goiano.

Consuelo foi uma das fundadoras do Centro de Valorização da Mulher (Cevam), que atualmente leva seu nome, e também integrou a redação do semanário Cinco de Março, publicado no mesmo ano da sua chegada à capital, e que rememora uma tragédia ocorrida em frente ao Mercado Central, durante manifestações estudantis.

 

Rastros

Unindo marxismo, criminologia e feminismo, a dissertação de Lina parte do entendimento de que a criminologia, enquanto ciência, estuda os crimes, as vítimas e o controle social, tendo se fortalecido nos anos 1960, com a prerrogativa de criar políticas públicas mais eficazes e estratégias de prevenção. Contudo, a pesquisa busca a criminologia crítica, que, segundo a mestra em Direitos Humanos, difere-se da criminologia feminista por propor mudanças estruturais, em vez de se restringir aos limites da legislação.

Na perspectiva da pesquisadora, a criminologia crítica acredita em uma "revolução do Direito Penal", conceito trabalhado pelo teórico Cirino dos Santos. O Direito Penal, por sua vez, define os crimes, as penas e regula o poder punitivo do Estado. No ponto de vista de Lina, a criminologia crítica é fundamental para "entender as questões criminológicas que afetam as mulheres", justamente por propor "um olhar crítico às instituições e como elas operam".

Arena

De acordo com o World Prison Brief de 2023, o Brasil permanece como o terceiro país com a maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Atualmente, são mais de 850 mil pessoas presas, distribuídas entre 1.381 unidades estaduais, cinco federais e em outras carceragens, além de casos de prisão domiciliar. Os dados foram divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio do Observatório Nacional dos Direitos Humanos.

No primeiro semestre de 2024, a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) divulgou o Relatório de Informações Penais (Relipen), que traça um panorama da população prisional brasileira. Com base em dados do Sistema Nacional de Informações Penais (Sisdepen), o levantamento mostra que a maioria das mulheres presas tem entre 35 e 45 anos, é solteira, parda e possui baixa escolaridade.

 

Info sistema prisional

 

O relatório também aponta que 1.100 mulheres estão privadas de liberdade sem documentos civis. Em Goiás, o perfil é semelhante ao nacional, ainda que em números menores.

Os dados do Relipen ainda revelam que a maioria das detentas é composta por mulheres autodeclaradas pardas, condição que gera debates sobre o racismo estrutural e a seletividade penal. A configuração se repete no estado de Goiás.

 

 

 

O sistema prisional feminino no Brasil abriga 212 gestantes e 117 lactantes, distribuídas em 63 dormitórios especializados – seis deles localizados em Goiás. Apenas três estados contam com creches em unidades prisionais: São Paulo, com três; e Paraná e Mato Grosso do Sul, com uma cada. Atualmente, há 119 crianças vivendo em penitenciárias no país, sendo apenas uma em Goiás.

Além disso, das 366 detentas com deficiência, seis são cadeirantes, restritas aos estados de Piauí, Tocantins, Espírito Santo, São Paulo e Rio Grande do Sul. Em Goiás, há 11 mulheres com deficiência presas, distribuídas entre aquelas que possuem deficiência intelectual (6) e física (5).

 

 

 

Também há mais mulheres cumprindo pena em regime fechado, totalizando 14.205. No regime aberto, são 402 mulheres presas; no semiaberto, 4.761; e em situação provisória, 9.285. Em Goiás, 400 detentas cumprem pena em regime fechado. No regime aberto, há 70 mulheres presas; no semiaberto, 58; e 368 estão em regime provisório. Confira a distribuição percentual.

 

 

 

Acesse aqui a dissertação "O crime não faz parte da minha natureza…" Da criminologia crítica ao feminismo-marxista: vozes de mulheres presas na Penitenciária Feminina Consuelo Nasser.

 

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Fonte: Secom UFG

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