Em nome da comodidade, transporte coletivo perde terreno nas grandes cidades
Palestra apontou as mudanças na mobilidade urbana e as perspectivas para o setor
Kharen Stecca
A defesa unânime do transporte coletivo, seja por metrô, VLT ou ônibus comum, um pilar inquestionável da mobilidade urbana há poucos anos, tornou-se uma questão complexa nas grandes cidades brasileiras. A realidade é que o transporte coletivo enfrenta hoje grandes rivais na forma de alternativas individuais.
Essa é a opinião do professor Antonio Clóvis Pinto, conhecido como Coca Ferraz, da Escola de Engenharia da USP São Carlos, palestrante do 39º Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes (Anpet). A palestra Mobilidade urbana no país: passado, presente e futuro, realizada na última terça-feira (11/11) no Ipog, sede do evento, apontou algumas das questões que os profissionais precisam considerar hoje na hora de pensar planos de mobilidade para as regiões urbanas.
Para o professor, a população, impulsionada pelo desejo de uma vida mais confortável e cômoda, migra para transportes que oferecem atributos que o ônibus simplesmente não consegue igualar. "Para os técnicos da área, é crucial ser realista: o transporte coletivo está sendo significativamente esvaziado, intensificado por fatores recentes como descentralização dos centros urbanos, o crescimento do trabalho remoto, comércio eletrônico e educação à distância, especialmente após a pandemia de covid-19", ressaltou o professor.
Durante a palestra, ele contou uma história que acompanhou, sobre a instalação de uma rede de transporte coletivo em León, no México. Durante uma audiência pública, uma pessoa levantou todos os problemas que o moderno sistema de transporte substituiria: fim de uma avenida de comércio, troca do trânsito de vans pelo trânsito de carros no centro da cidade e satisfação de pouquíssimas pessoas.
Anos depois, ele foi até o local e percebeu tudo o que o cidadão na palestra havia previsto. Portanto, como ressalta o professor Coca, o transporte público já não pode mais ser pensado como única forma de solução para as grandes cidades.
O professor levantou as vantagens "irresistíveis" do transporte individual, sejam carros e motos próprios ou de aplicativos. Entre eles, o transporte de porta a porta (eliminando a necessidade de deslocamento até um ponto de ônibus), a rapidez do trajeto, sem esperas, o custo competitivo e o menor risco de violência.
É claro que há desvantagens, como o custo do veículo no caso do carro próprio, busca por vagas e, principalmente, os congestionamentos. Há também o maior risco de acidentes. No entanto, como bem ressaltou o professor: "as vantagens são muitas".
Também é preciso considerar as mudanças de hábitos e até de modelos de urbanização. "Há cerca de 50 anos, a estrutura da mobilidade urbana brasileira era radicalmente diferente. O ônibus era o modo de transporte predominante para passageiros, principalmente devido à baixa renda da maioria da população. O carro era um privilégio e as motocicletas eram raras. O sucesso do transporte coletivo era garantido pela concentração de atividades na área central da cidade. A maior parte das viagens (historicamente entre 65% e 75%) era destinada ao centro, permitindo aos passageiros ter uma viagem direta do bairro. Com grande volume de pessoas utilizando o ônibus, as tarifas eram baixas, a espera era pequena e a qualidade do serviço era aceitável", explicou Coca.
No entanto, as cidades mudaram e a mobilidade urbana de hoje é marcada pela descentralização. "As cidades se tornaram polinuclearizadas, com atividades como hospitais, escolas, postos de saúde e shopping centers espalhadas pelos bairros. Essa estrutura é péssima para o ônibus porque exige a realização de transbordos por parte dos passageiros em viagens interbairros, algo desagradável e demorado para a população. Em contrapartida, a descentralização é boa para o carro e a motocicleta, pois as distâncias são mais curtas, o congestionamento é menor e o estacionamento é mais fácil nos bairros", avaliou o professor.
Hoje, a proporção de viagens por transporte coletivo caiu drasticamente, situando-se entre 10% e 50%, o que torna oneroso manter esse transporte. Não por acaso, o transporte público vem sendo cada vez mais subsidiado nas grandes cidades. Para o professor, a tarifa zero é inevitável no futuro: "Com o subsídio, a população mais pobre ganha mobilidade e interação social com a cidade", explicou.
Futuro
O professor também mostrou sua visão para o futuro, lembrando que ele é uma pessoa otimista. "Olhando para o futuro, o cenário é de forte transformação, impulsionado pela tecnologia e pela necessidade de inclusão social. A tarifa zero é inevitável devido à perda massiva de passageiros e aos custos proibitivos para os usuários restantes, sendo uma ação de grande cunho social", ressaltou o professor.
Ele também acredita que caminhamos para uma frota limpa e sustentável, principalmente com os veículos elétricos que devem dominar o mercado até 2050. "Não haverá venda de veículos que não sejam movidos a eletricidade, álcool ou hidrogênio, resolvendo o problema da poluição e do consumo de energia não renovável".
Ele também aposta no crescimento do uso de bicicletas e patinetes, um reflexo do aumento da qualidade de vida e da possibilidade de acessar locais próximos, favorecido pela descentralização.
A questão dos acidentes também deve mudar com o avanço da tecnologia: haverá uma redução na acidentalidade no trânsito por meio do avanço tecnológico veicular, como sistemas de frenagem automática e impedimento de mudança de faixa não deliberada, além de maior investimento em educação no trânsito e ações legais.
O futuro da mobilidade, para o professor, será caracterizado por um equilíbrio: nem tanto ao ônibus, nem tanto à motocicleta. O sistema de transporte coletivo sobreviverá e crescerá em demanda, mas apenas se for fortemente subsidiado, enquanto o transporte individual se tornará mais limpo e seguro. Para isso, ele ressalta que deve crescer a conscientização política sobre as vantagens de investir em mobilidade urbana e que, para isso, precisamos ter profissionais cada vez mais bem preparados, reforçando a necessidade de atualização e capacitação desse setor.
39º Anpet em Goiânia
O Anpet é o maior congresso do setor de transportes e ocorre pela primeira vez em Goiânia, com organização da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da PUC Goiás. O evento é realizado no Ipog, de 10 a 14 de novembro.
A professora Cíntia Guerrero, uma das organizadoras do congresso em Goiânia, ressalta a importância do evento para o curso de Engenharia de Transportes da UFG, que completa 10 anos em 2025 e teve recentemente seu programa de mestrado aprovado. Mais informações no site do evento.
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Fonte: Secom UFG
Categorias: Mobilidade Urbana Ciências Naturais FCT Notícia 2






