Alternativo ou mainstream? Quando a diferença vira tendência
Com números altos e estética fora da fórmula tradicional, artistas ressignificam o "underground" em tempos de TikTok
Eduardo Bandeira
Na música 57.5, a cantora norte-americana Lana Del Rey diz que talvez seu companheiro esteja entre os 57,5 milhões de ouvintes que ela possui no Spotify, serviço de streaming musical. O verso, que compõe uma canção sobre o sucesso e a fama, ilustra os números elevados que artistas de uma chamada "música alternativa" – como ela, Billie Eilish, Marina e Conan Gray – alcançaram no cenário atual.
A música alternativa, gênero antes associado ao underground, conquista espaço nas playlists de uma nova geração. Para o professor Fernando Llanos, da Escola de Música e Artes Cênicas (Emac) da Universidade Federal de Goiás (UFG), o termo "alternativo" hoje envolve uma constante subversão das fórmulas tradicionais do mercado pop, mesmo quando artistas com essa estética alcançam o topo das paradas. "Lana Del Rey, Marina ou Billie Eilish são vozes que, embora populares, renovam os sentidos do pop ao priorizar a expressão pessoal, a fusão de estilos e a originalidade sonora".
Fernando explica que o "alternativo" não é exatamente novo, mas se transforma a cada geração. Se antes nomes como Björk, Portishead e Garbage representavam esse conceito, hoje há uma nova geração de artistas que o ressignificam. "Cada geração reinventa o pop de acordo com suas ferramentas, plataformas e pautas culturais. Madonna foi para a MTV o que Lady Gaga foi para o YouTube e Billie Eilish é para o TikTok", explica. Para ele, a presença dessas artistas no mainstream não anula sua proposta estética diferenciada, muitas vezes cuidadosamente calculada para parecer fora do molde.
As redes sociais, como esclarece o especialista, funcionam hoje como um divisor de águas na forma como o público consome a música alternativa, influenciando não apenas o som, mas também o lirismo e a estética visual dos artistas. A presença digital intensa ampliou o diálogo entre música, cinema, moda e arte, tornando a experiência pop algo que vai muito além de um simples videoclipe promocional.
"Esses artistas provocam em seus fãs uma recepção que é, muitas vezes, extramusical", salienta o docente. "O arquétipo de Lana Del Rey, por exemplo, se conecta com a figura da femme fatale a la Rita Hayworth. Já Marina não apenas evoca Andy Warhol, como também reinterpreta os códigos da pop art para uma era dominada pelo Instagram e pela cultura de memes".
Termo atualizado
O resultado desse movimento é um elo mais forte com o público. Segundo o professor da Emac, essa conexão geracional contribui para que os próprios artistas definam sua identidade sob o rótulo de "alternativo", o que leva a uma constante atualização do termo, que se torna fluido e impermanente conforme surgem novos nomes e estilos.
"O apelo do 'alternativo' hoje em dia está em proporcionar um frisson de exclusividade: 'você conhece algo que não é óbvio'. No entanto, como essas músicas quebram recordes de streaming e tocam em rádios top 40, percebe-se que o nicho tornou-se mainstream por meio dessa aura de diferença", explica o professor.
No que diz respeito à sonoridade, o pop alternativo também segue fórmulas, e para garantir sua qualidade precisa ser de fácil memorização, dançante e com compressão na mixagem. "Tirando essa receita tradicional, você abre o leque para outras assinaturas acústicas possíveis em cada artista: vocais em close mic e cordas orquestrais (Video Games, de Lana Del Rey), synths pontiagudos (square wave) e backing vocals pop art (Primadonna, de Marina and The Diamonds), respiração gravada (quase ASMR), mas o clássico bass 808 profundo (When the Party's Over, de Billie Eilish)", exemplifica Fernando.
Pode existir também a oscilação entre a sonoridade cinematográfica (hiperdistribuída espacialmente) e o sussurro intimista. Outra questão que deixa bem clara a transposição de estilos é a formação instrumental, na qual predomina a sobreposição de elementos heterogêneos (piano acústico mais sub-bass digital; cordas sampleadas mais percussão glitch).
Brasileiras "alternativas"
No Brasil, a presença do gênero alternativo também se destaca por meio de artistas como Duda Beat e Marina Sena, que mesclam influências da MPB, brega, arrocha, samba rock, funk e música eletrônica. Essa fusão de estilos permite que construam sonoridades únicas e pessoais, que se enquadram no campo do alternativo. Além disso, suas obras frequentemente incorporam reivindicações sociais e valorizam práticas culturais historicamente marginalizadas.
Apesar de sua relevância tanto no mainstream quanto nas redes sociais, Fernando Llanos chama atenção para o fato de que o termo "alternativo" não deve ser encarado como um adjetivo fixo, mas como uma forma de pertencimento àquilo que se coloca em alternância ao que é dominante. Segundo ele, o alternativo muitas vezes segue uma cartilha determinada; por isso, é sempre necessário perguntar: quem define o que é alternativo? E lembrar de que se trata de um movimento social de base contracultural.
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Fonte: Secom UFG
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