A urgência do mapeamento detalhado da vegetação nativa
Atlas da Vegetação Nativa Remanescente, elaborado em parceria entre Lapig/UFG e Semad, contribui para um futuro sustentável
Nilson Clementino Ferreira
A segunda metade do século 20 foi palco de uma revolução tecnológica sem precedentes, que projetou a humanidade para além da Terra. Enquanto conquistávamos o espaço e desvendávamos os mistérios do sistema solar, uma outra descoberta, mais urgente e perturbadora, aguardava-nos: a visão clara e inescapável dos impactos que nossa espécie causa no próprio planeta.
Ao direcionar os sensores dos satélites para a Terra, os cientistas começaram a documentar, com precisão, a transformação acelerada da superfície terrestre. As imagens revelaram um planeta em profunda alteração: florestas sendo suprimidas em escala continental, as manchas urbanas expandindo-se de forma desordenada, as cicatrizes da mineração e a fúria recorrente dos incêndios florestais.
Essa nova perspectiva não apenas comprovou o impacto da ação humana, mas também expôs sua velocidade assustadora. No Cerrado brasileiro, por exemplo, metade de todo o desmatamento registrado na história ocorreu apenas nas últimas quatro décadas, um ritmo de destruição que contrasta dramaticamente com os mais de quatro séculos necessários para que a outra metade fosse consumida.
Diante desse cenário, o mapeamento de precisão deixou de ser uma ferramenta meramente técnica para se tornar uma necessidade estratégica. É a base para o planejamento urbano, a gestão de recursos naturais e, sobretudo, para o enfrentamento da crise climática global.
Nesse contexto, destaca-se a bem-sucedida parceria entre Brasil e China, que resultou no programa CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). O mais recente satélite da série, o CBERS-4A, equipado com a câmera WPM, é capaz de gerar imagens com um detalhamento espacial de apenas dois metros. O acesso gratuito a esses dados, disponibilizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), representa um instrumento democrático, poderoso e único no mundo, com este nível de detalhamento e gratuidade.
Um exemplo concreto desse poder está em andamento no estado de Goiás. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Semad), em parceria com o Laboratório de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás (Lapig/UFG), utiliza essas imagens para produzir um Atlas da Vegetação Nativa Remanescente. Esse mapeamento minucioso é fundamental para aprimorar a gestão ambiental, permitindo respostas mais ágeis e precisas aos novos desafios impostos pelas mudanças climáticas e pelas demandas da sociedade.
O legado que herdamos do século 20 nos trouxe também a responsabilidade de resolver problemas monumentais no século 21. Precisamos restaurar ecossistemas inteiros, repensar nossas cidades, promover a segurança hídrica de maneira ampla e adaptar nossas economias para serem inclusivas, considerando um novo regime climático. Para vencer esses desafios, não basta boa vontade; é necessário um guia. E esse guia são mapas detalhados, precisos e atualizados – a cartografia da esperança que nos orientará na construção de um futuro verdadeiramente sustentável.
Nilson Clementino Ferreira é professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG), vinculado ao Laboratório de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento (Lapig) e coordenador científico do projeto Atlas da Vegetação Nativa Remanescente.
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Fonte: Lapig
Categorias: artigo Ciências Naturais Lapig






