Clima e justiça alimentar
30% mais ricos da população global geram mais de 70% dos impactos ambientais dos sistemas alimentares
Raquel Santiago
A crise climática deixou de ser uma previsão para se consolidar como um risco à saúde humana. O Lancet Countdown Latin America Report 2025 alerta para a lentidão na implementação de políticas de mitigação e adaptação. O documento enfatiza que a transição energética justa e a reorientação das economias para um modelo de baixo carbono não são apenas imperativos ambientais, mas estratégias diretas de promoção da saúde e de prevenção de doenças.
Ainda que a América Latina possua uma das maiores biodiversidades do planeta, grande capacidade agrícola e potencial para energia limpa e alimentação sustentável, a região continua entre as mais vulneráveis aos impactos ambientais. Eventos climáticos extremos como secas, ondas de calor, inundações, associados a deficiências de adaptação, financiamento climático insuficiente e sistemas alimentares insustentáveis intensificam as desigualdades estruturais entre populações rurais, tradicionais e urbanas.
Os sistemas alimentares ocupam posição central neste cenário, atuando simultaneamente como causa e consequência das mudanças climáticas. A produção de alimentos é responsável por aproximadamente 30% das emissões de gases de efeito estufa, impulsionando aumentos significativos de temperatura, que comprometem a produtividade agrícola, a qualidade nutricional dos alimentos e desencadeiam perdas por variações extremas, secas e chuvas intensas.
Neste contexto, a insegurança alimentar e nutricional emerge como expressão de um sistema complexo de interações entre clima, ecossistemas, sistemas de alimentação e justiça social. A instabilidade na produção e distribuição de alimentos, associada à baixa acessibilidade econômica a dietas saudáveis, tem sido uma das maiores ameaças contemporâneas à saúde pública e ao direito humano à alimentação adequada.
Segundo o EAT–Lancet Commission Report (2025), cerca de 2,8 milhões de pessoas ao redor do planeta, em 2022, estavam abaixo das condições mínimas para sustentar uma dieta saudável, especialmente entre populações rurais, indígenas, comunidades tradicionais e pequenos produtores. Estes grupos estão entre os de maior vulnerabilidade social e climática, visto sua baixa capacidade de adaptação.
Dados de literatura enfatizam que os 30% mais ricos da população global geram mais de 70% dos impactos ambientais dos sistemas alimentares, enquanto a maioria permanece à margem da justiça alimentar. Assim, persistem os desafios relacionados à ampliação da diversidade alimentar e à melhoria da qualidade nutricional, assegurando o acesso a alimentos nutritivos, culturalmente adequados e ambientalmente sustentáveis.
Apesar do panorama adverso, há possibilidades viáveis para uma transformação profunda nos sistemas alimentares, tornando-os saudáveis, sustentáveis e equitativos. A promessa de uma transição climática justa e saudável depende da capacidade dos governos, instituições acadêmicas e sociedade civil atuarem de forma coordenada, integrando políticas de saúde, ambiente e desenvolvimento.
Raquel Santiago é professora da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás (Fanut/UFG).
Este artigo foi originalmente publicado em O Popular.
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Fonte: Fanut
Categorias: artigo Ciências Naturais Fanut






