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Universidade Federal de Goiás
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Entrevista com Rosa Maria Dias

Em 25/11/10 03:07. Atualizada em 24/01/12 08:26.
A professora da UERJ falou com o Jorna UFG On-line sobre as relações entre a arte, a filosofia e a vida

A professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rosa Maria Dias, foi uma das convidadas do I Colóquio Nietzsche no Cerrado, promovido pela Faculdade de Filosofia da UFG em agosto de 2010. Entre suas considerações ela destacou a importância da arte para a filosofia de Nietzsche e afirmou que: “não há distinção entre a vida e a arte”. A professora concedeu uma entrevista ao Jornal UFG On-line e à professora da Faculdade de  Filosofia da UFG, Adriana Delbó, explanando sobre as expressões artísticas e a juventude. Confira abaixo mais trechos da entrevista.

 

Quando foi o seu primeiro contato com  Nietzsche?

Em torno de 1967 e 1968 comecei a me interessar por ele. O primeiro livro que li foi A Origem da Tragédia. Na época eu estava mais preocupada com questões políticas e a obra não me chamou a atenção imediatamente. Em 1969 eu estava na graduação na USP e pertencia a um grupo político ligado ao tropicalismo. Caetano Veloso e Gilberto Gil tinham sido exilados e, quando eu soube que estava também sendo procurada, pela repressão do regime militar, resolvi ir para Londres. Lá formamos um pequeno grupo e começamos a discutir as ideias de Nietzsche. Foi assim que começou o meu interesse. Mas eu só fui estudá-lo realmente por volta de 1981, durante o meu mestrado.

 

Qual a relação da filosofia de Nietzsche com as expressões artísticas?

Há um tema que atravessa a filosofia de Nietzsche inteira, que é a relação entre filosofia, arte e vida, presente mesmo antes da Origem da Tragédia. Para ele, a música e a literatura  compunham a grande arte.

 

Durante uma exposição do I Colóquio Nietzsche no Cerrado foi citado um trecho do filme A vida dos outros para exemplificar e esclarecer um pouco mais o impacto que a música provoca nos ouvintes. No filme, é pela arte que o personagem se questiona e muda sua postura, o que provoca então uma reviravolta na história. Que relação podemos estabelecer entre essa passagem e a relevância da música, da audição, do conseguir ouvir e se deixar levar pela música, na sociedade atual. Como Nietzsche contribuiria para que fôssemos outros ouvintes, outros espectadores?

Creio que o argumento da Anna Hartmann Cavalcanti (Unirio) era da não-necessidade da palavra colocada ao lado da música, como se a música não fosse meio de expressão, valendo por si mesma. No filme, o personagem ouve Apassionata, de Beethoven. Nietzsche elaborou uma frase a respeito dessa música: “diante dessa música como alguém poderia ser mal?” E eu fiquei com essa frase na cabeça. O que levou o personagem a mudar ao ouvir a música de Beethoven? Inicialmente ele estava numa posição de vigilância, e, de repente, bastou tocar a música para ele perceber que aquele não era o seu lugar, que ele não estava se sentindo bem lá.  Com isso ele pôde dar uma forma musical a seus afetos e mudar toda aquela situação. A música teria dado uma outra substância a esses afetos, de modo que ele percebeu que estava no lugar errado. Não sei se é exatamente isso que estava presente ali, mas lembro de uma frase fundamental de Nietzsche que é “sem a música a vida para mim não teria sentido”. Que frase forte! O que deu toda substância à vivência do filósofo, aos  seus afetos e suas paixões foi a música. Aos cinco anos ele via o pai tocando na igreja. A relação com o compositor Richard Wagner, por exemplo, foi fundamental na vida de Nietzsche e a obra Tristão e Isolda não foi abandonada por ele. Esta é uma obra magistral.

 

Como a senhora avalia a educação e o comportamento do jovem no Brasil de hoje?

Eu trabalho com jovens na graduação com idade em torno dos 20 anos, e o que noto é que –  o que vou dizer pode soar um pouco duro – eles são muito preocupados com o mercado de trabalho. Uma parte dos estudantes que ingressam na UERJ em cursos como Filosofia, vem da periferia do Rio de Janeiro. São jovens que enfrentam dificuldades para se manter na universidade e, por isso, estão muito preocupados com o mercado de trabalho. Acho que a universidade  perdeu a característica de ser um espaço para a formação humanista, um espaço reivindicatório e de resistência, em parte decorrente da grande desigualdade social existente no Brasil.

 

Esta realidade social contribuiu para formar uma juventude muito individualista?

A ditadura proporcionou um tipo de formação e as pessoas não sabem o quanto isso foi decisivo para a identidade delas. Temos indivíduos isolados que não têm mais o desejo de resistir a um  poder estabelecido e forte.  Portanto, de onde surgiu essa preocupação com o mercado de trabalho? Isso foi uma coisa imposta. O papel da universidade foi modificado para produzir um tipo de indivíduo isolado dessa capacidade de resistência e  denúncia.

 

Fonte: Adriana Delbó e Michele Martins