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Universidade Federal de Goiás
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Os riscos da dependência intelectual

Em 05/11/11 01:47. Atualizada em 21/08/14 11:44.
Para Plínio de Arruda Sampaio Júnior, a universidade e a rotina produtiva dos pesquisadores também têm sido afetadas pela crise econômica mundial

 

A convite do Centro Popular de Estudos Contemporâneos (Cepec) e do Sindicato Nacional dos Docentes (Andes), Plínio de Arruda Sampaio Júnior, professor do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), esteve em Goiânia no mês de setembro para falar sobre a crise econômica mundial. Na ocasião, ele se dedicou a avaliar a conjuntura sob uma perspectiva histórica e global. Isso significou enxergar a crise como um desdobramento estrutural das contradições geradas pelo próprio modo de produção capitalista. Para ele, um sistema que “opera com base na superexploração do trabalho” traz consequências ruins para todos os setores da sociedade, sobretudo para as universidades. Somado a isso, está o que o professor denomina “reversão neocolonial”, que torna tanto a política econômica como o próprio pensamento brasileiros dependentes. Na forma impressa da edição n° 48 do Jornal UFG, foram reproduzidos trechos da palestra de Plínio Júnior. Já nesta versão on line de nossa publicação, retomamos o tema com respostas do professor a perguntas feitas pela plateia. Confira.

 

Como a universidade pública brasileira se insere no cenário da crise e nesse contexto particular brasileiro de “reversão neocolonial”?

O processo de “reversão neocolonial” não comporta uma universidade crítica. Afinal, não convém a uma colônia ter pensamento crítico. A colônia precisa de ensino superior pura e simplesmente, reproduzindo o que a metrópole pensa e sem autonomia para discutir os problemas nacionais. A postura e o pensamento críticos vêm sofrendo retaliações e, assim, a universidade passa a repetir manuais. Estudante de economia, por exemplo, não estuda Celso Furtado, Caio Prado Júnior, Ruy Mauro Marini, entre outros, estuda Olivier Blanchard, que é o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Essa escolha faz parte do processo de colonização. Ataca-se, assim, o pensamento brasileiro e a autonomia dos pesquisadores em todos os níveis e espaços. A Capes coordena esse processo, com seus índices de pontuação para a divulgação das pesquisas, com sua exigência por volume de resultados, com a hierarquia estabelecida entre os periódicos. As publicações locais e nacionais têm pouco valor. Já as publicações internacionais, se ainda forem textos em inglês, valem muitos pontos para o currículo do pesquisador. É curioso. Se envio meu trabalho a um pesquisador norte-americano avaliar e publicar no periódico de sua instituição, estou sujeito à visão de mundo dele. Se ele não gostar do que escrevi, me censurará. Esse é um controle ideológico primário. A universidade tem piorado e muito.

 

Há alternativas para a crise?

O capitalismo resolve suas crises aumentando as taxas de exploração, concentrando o capital e generalizando as relações de produção. Essa é a solução. A austeridade, no fundo, quer dizer o quê? Menos política social. A austeridade é para o trabalhador, para sobrar mais dinheiro para o capital. Isso resolve? Não, enquanto não se atacar o problema essencial, que é o excedente absoluto de capital. Portanto, existem duas alternativas reais: ou o capitalismo, com muito sacrifício, a duras penas, encontra uma solução capitalista para a crise, recompondo as condições de acumulação às custas da barbárie, da exploração, da concentração de capital e do acirramento da rivalidade entre os países – o que provocaria uma crise ainda maior; ou se aproveita a brecha que se abre com a crise para desenvolver uma solução contra o capital, para além do capital. O capitalismo que vem pela frente, na solução burguesa, é grave. Os relatórios do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam claramente que a crise não está resolvida. E sugerem que, caso haja problema financeiro, os governos não devem se poupar e todo o dinheiro possível deve ser destinado a “salvar” os bancos. Está escrito nos relatórios: “a crise vai provocar crise fiscal, portanto, precisamos pensar na estabilidade fiscal”. Por outro lado, de um ponto de vista histórico, a crise apresenta surpresas e são essas surpresas que devem ser aproveitadas. Ninguém previu o alcance da Primavera Árabe, por exemplo. Ninguém sabia, também, que as manifestações e as revoltas no Chile, na Inglaterra, na Espanha repercutiriam. As contradições e os antagonismos de classe são acirradas, recompondo em outro patamar a questão da luta de classes. Da perspectiva do trabalhador, a solução só pode ser uma: aproveitar a crise para denunciar o capitalismo e para mostrar a necessidade e a possibilidade de outra forma de organizar a sociedade. As derrotas da classe operárias nunca são definitivas, pois estamos vivendo um modelo de sociedade que provoca contradições e antagonismos monumentais. E são essas contradições que vão abrir brechas. Nem toda brecha vira revolução. Nem toda revolução ganha. Nem toda revolução que ganha é revolução socialista. Mas a única perspectiva que temos neste mundo extraordinariamente adverso é oferecer uma alternativa radicalmente distinta ao mundo do capital que é a alternativa do socialismo.

 

Qual é o papel da esquerda brasileira neste momento?

Estou consciente de que a esquerda e, por conseguinte, o movimento socialista estão em um momento de refluxo. Certa vez, dei entrevista a um jornalista que perguntou: “mas o sr. ainda acredita no socialismo?”. Na verdade, é curioso, porque quem acredita no socialismo com muita fé é a burguesia. Essa sim tem pânico do socialismo. Por isso, banaliza-se o debate, bloqueia-se qualquer possibilidade de debate racional sobre o socialismo, principalmente nos meios de comunicação. E se isso hoje parece distante, também parecia muito distante a crise de 2008. Então, a novidade histórica é o produto da história, é essa conjuntura estrutural que nós estamos vivendo. A questão que está posta para a esquerda é a superação do “Programa Democrático Popular”. Precisamos de outras teorias e outras práticas de revolução. Qual era a “ilusão” do Programa Democrático Popular? Que daria para conciliar com o capitalismo e fazer o embate para acumular pequenas conquistas. Mas a história revela que o capitalismo brasileiro não é passível de mudança, não está interessado em realizar reformas de base. Alguma lição temos de tirar do fato de o país ter sido redemocratizado e nada ter mudado. Não está na agenda do capitalismo melhorar. Os partidos devem se reavaliar e estabelecer uma relação mais fraterna possível entre si, para estar do lado da classe trabalhadora.

 

Leia o conteúdo completo da entrevista no jornal impresso.

Fonte: Patrícia da Veiga