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Universidade Federal de Goiás

MESA-REDONDA: Prevenção é a melhor forma de combate ao vírus da Aids

Em 09/10/14 11:08. Atualizada em 24/11/14 14:13.

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Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás 
ANO VII – Nº 68 – Outubro – 2014

Mesa-redonda: Prevenção é a melhor forma de combate ao vírus da Aids

Texto: Equipe Ascom e TV UFG | Fotos: Júlia Mariano

A Aids, doença que causou comoção na década de 1980, continua a ser um problema de saúde pública em todo o mundo. A prevenção ainda é a única forma de evitar a doença, mas ela continua crescendo em todas as classes sociais e faixas etárias da população. Para falar sobre como têm sido realizados a prevenção e o tratamento dos portadores do vírus HIV e pacientes com Aids, entrevistamos Sandra Brunini, professora da Faculdade de Enfermagem da UFG (FEN), Rosilda Marins Marinho, presidente da ONG Pela Vida, de Goiânia, e Edvan Miranda, coordenador de DST/Aids da Secretaria Estadual de Saúde.

 

Qual é o cenário atual da Aids no Brasil e no estado de Goiás? Quais são as estratégias do governo para prevenção e tratamento? Como vocês avaliam essas estratégias?

Mesa Redonda Sandra Brunini

Sandra Brunini – Essa epidemia existe há 30 anos, e ainda temos muitas dificuldades, questões a serem resolvidas e dúvidas a serem esclarecidas no meio científico, mas, principalmente, entre a população. Temos dúvidas até a respeito da diferença entre ser exposto ao vírus, ser um indivíduo infectado, e ser uma pessoa doente de Aids. Ainda não se sabe bem a diferença entre ter o HIV e ter Aids. E isso, de alguma forma, interfere no direcionamento das políticas de enfrentamento dessa importante epidemia. Ao contrário do que muitos imaginam e do que muitas vezes é divulgado na mídia, a Aids não está diminuindo. Tem-se a falsa impressão de que ela está diminuindo, de que não existe mais, de que não tem mais importância epidemiológica nem impacto na vida da população; mas nada disso é verdade.

Rosilda Marins – A população relaxou muito e, em função disso, os dados têm mostrado aumento do número de casos de pessoas infectadas, e esses números vão aumentar ainda mais. A ONG Pela Vida iniciou um projeto de sete meses, que contou com a participação de outras ONGs e que consiste na aplicação de testes com fluidos orais para a obtenção de dados mais precisos. O que temos hoje, por meio desse projeto, são dados de pessoas em tratamento. E a política do Ministério da Saúde é fornecer remédio para todos, independentemente do tipo de carga viral: indetectável, baixa ou alta. Além disso, se o paciente tem o exame HIV positivo, ele é inserido no Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan). Com isso, será possível ter dados mais precisos e, de fato, teremos um cenário que mostrará a realidade, que, lamentavelmente, será assustadora.

 

Então pode haver casos de subnotificação? Há pessoas que não têm ideia de que têm o vírus?

Edvan Miranda – Sim, temos muitos casos não notificados. Porém, uma novidade que a população deve saber é que, a partir de junho deste ano, o Ministério da Saúde lançou uma Portaria na qual foram revistos os agravos de notificação compulsória, e, agora, o HIV faz parte desses agravos. No Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que é nosso banco de dados, tínhamos apenas registros dos casos de Aids, mas, a partir de agora, esse sistema vai notificar também os casos de HIV. Isso vai contribuir para que tenhamos dados mais reais e precisos sobre essa epidemiologia. Uma vez notificadas de que estão com o vírus, as pessoas já iniciarão o tratamento, independente da carga viral. Uma das ações preventivas que o Ministério da Saúde está começando a adotar é o uso dos retrovirais. Antes eram feitos exames para ver a carga viral do paciente, e, de acordo com isso, é que se iniciava o tratamento. Mas a recomendação agora é entrar com a medicação a partir do momento em que se sabe portador do HIV. Isso para que a carga viral seja reduzida e diminuam, também, as possibilidades de transmissão do vírus, caso o portador tenha relações sexuais desprotegidas.

 

Como estão os números no estado de Goiás?

Edvan Miranda – Os dados acumulados em Goiás desde o início da epidemia, em 1984, até setembro de 2013, mostram 12.109 casos de Aids. Porém, registramos no Sinan uma média de 500 novos casos anuais.

Sandra Brunini – É importante distinguir os casos de Aids dos casos de infecções. Até agora, o Brasil só trabalhava com a vigilância epidemiológica da Aids. No entanto, a Aids é a reta final do desenvolvimento de uma infecção. Do período em que a pessoa é exposta ao vírus e se infecta, até o momento em que ela desenvolve a Aids, seguindo o curso natural da doença e não havendo nenhuma interferência natural ou terapêutica, pode levar de sete a dez anos. Monitorar a Aids é ter o retrato de uma situação iniciada de sete a dez anos atrás. Alguns países no mundo já fazem vigilância do HIV há quinze anos. Essa é a vigilância de segunda geração. Uma pessoa que já recebe o diagnóstico no estágio da Aids ainda pode voltar a ser saudável? Sandra Brunini – Sim, mas o prognóstico é mais reduzido do que quando o vírus é descoberto precocemente. Por isso, toda a importância do investimento em diagnóstico precoce. Rosilda Marins – Hoje, a maior causa de morte por Aids é o diagnóstico tardio. Isso mostra como o diagnóstico é importante para a qualidade de vida das pessoas infectadas e também para a prevenção. A carga viral, a quantidade de vírus que a pessoa tem no sangue, se tratada, também reduz o risco de transmissão. O paciente que recebe esse tratamento, às vezes, não precisará tomar outros tipos de medicamento. A política atual é a de um só comprimido com três drogas para tais pacientes. Isso é um avanço. Essas pessoas farão exames pelo menos de seis em seis meses, serão acompanhadas e terão uma vida normal como qualquer outra pessoa com problemas crônicos, como a diabética. Nossos maiores problemas eram a falta de diagnóstico e o fato de as pessoas estarem se infectando como se a doença não existisse. Esses problemas sempre foram enfrentados tanto entre jovens quanto por indivíduos na terceira idade.

 

Ainda existe grupo de risco?

Mesa Redonda Edvan Miranda

Edvan Miranda – Não usamos mais esse termo. Hoje o termo correto seria comportamento de risco, porque a contaminação pelo HIV permeia todas as classes sociais e faixas etárias, não existindo mais um grupo específico, como existiu no início da epidemia, quando os casos iniciaram em grupos de homossexuais. Hoje os dados evidenciam que o número de casos é maior entre heterossexuais do que entre homossexuais. Os mais vulneráveis à infecção são os profissionais do sexo e os usuários de álcool e outras drogas, mas não há mais grupos de risco. Inclusive, mulheres casadas estão apresentando o vírus. Às vezes o esposo tem relações extraconjugais, e a negociação do uso do preservativo pode denunciar problemas como a traição, e, por isso, acaba sendo menor o uso de preservativo entre casais.

 

Em relação ao combate e à prevenção, como são desenvolvidas hoje as campanhas, os públicos-alvos? Em Goiás existem campanhas específicas?

Edvan Miranda – Temos quatro campanhas pontuais executadas todos os anos. Iniciamos as ações de prevenção no período de carnaval, distribuindo materiais informativos com o apoio das secretarias municipais de saúde. Também veiculamos campanhas na TV, rádio e redes sociais, e aumentamos a cota de distribuição de preservativos para dar suporte a essas ações. Temos ainda a campanha de férias, criada diante de uma necessidade do estado de Goiás. Antes, as ações eram pontuais, nos municípios ribeirinhos do Araguaia, por causa do concentrado fluxo de pessoas neste local nas férias de julho. Mas percebemos que outros municípios, como Caldas Novas e Pirenópolis, também recebem muitos turistas, e isso fez com que ampliássemos a campanha para todo o estado. A sífilis é outra doença relevante e preocupante em nossa sociedade, e, em outubro, temos a campanha de combate a essa doença. Preconizada pelo Ministério da Saúde, a campanha acontece anualmente, em geral, no terceiro sábado de outubro. Também promovemos o Dia Mundial de luta contra a Aids, no dia 1º de dezembro. Fora essas quatro campanhas, realizamos ações de prevenção durante todo o ano em escolas, com a parceria da Secretaria de Estado da Educação. Entre essas ações, está o projeto Saúde e Prevenção nas Escolas, voltado para o trabalho com adolescentes que estão descobrindo sua sexualidade. É um momento oportuno para trabalhar a prevenção com essa população. Também damos suporte às secretarias municipais, a universidades e outras instituições, para prevenção e informação.

Sandra Brunini – Essa parceria da secretaria com outros órgãos, como ONGs e universidades, tem sido profícua. A UFG tem desfrutado dessa parceria, tanto nas ações de extensão quanto de pesquisa. Como professora, venho contando com esse apoio e suporte da coordenação estadual no ensino, na pesquisa e na extensão. Um projeto recente surgiu da convivência com o jovem universitário, e ele será implementado ainda este ano na UFG, com o apoio da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd). Temos um projeto de prevenção de DSTs na Faculdade de Enfermagem, com a implantação de dispensadores de preservativos na Universidade, cedidos pela coordenação (do DST/Aids da Secretaria Estadual de Saúde). O projeto prevê, além da distribuição dos preservativos, oficinas para vivenciar o uso deles. Essas ações serão ampliadas para toda a Universidade. Essa forma de prevenção em grupo, muitas vezes, não é possível em situação de risco.

Rosilda Marins – Acho que perdemos bastante do começo da epidemia até agora. Houve mudanças, como a descentralização de recursos, mas a ONG Pela Vida não tem hoje nenhum projeto em parceria com o governo do estado, apenas com o Ministério da Saúde. Percebo um enfraquecimento das coordenações, em nível nacional. Quando o recurso chega, ele vai para a Assembleia, vai para edital, e isso demora quatro, cinco anos até que ele chegue a nós para ser trabalhado. O trâmite dos recursos tem sido complicado. E é uma política nacional: o governo tenta fazer com que a Aids seja uma doença como qualquer outra, mas ela tem, sim, suas particularidades: ela não é uma doença sexualmente transmissível, como a sífilis.

 

Existem estudos com vacinas. Estamos avançando com relação à cura?

Sandra Brunini – A infecção por HIV não tem cura, isso é preciso ficar claro. O portador deve cuidar da sua saúde, como em outras doenças, mas ele sempre será portador do vírus. Contudo, o desenvolvimento da doença no indivíduo dependerá de como ele vai enfrentar o diagnóstico e conduzir o cuidado com sua saúde. Uma vez que não há cura, a pesquisa hoje procura investir em métodos de prevenção biomédica, como a fabricação de vacinas que impeçam a replicação viral e a infecção ou que possam retardar o processo de adoecimento. As vacinas são muito complexas. Seu desenvolvimento implica ensaios biomédicos. Seja a vacina, uma medicação específica ou as terapias combinadas, todas só podem ser utilizadas em seres humanos após o cumprimento de uma série de protocolos de ensaios clínicos. São várias fases, que começam com os testes em animais e vão até a última fase, que são os testes em humanos. Os protocolos são muito rígidos, e devem ser assim, para garantir segurança às pessoas que participam das pesquisas e à população-alvo desses testes. No momento não temos nenhuma vacina que esteja na fase 4, que é a fase de testes em pessoas. Ou seja: não há probabilidade de uma vacina chegar ao mercado antes de dez anos. Outros métodos conhecidos hoje são eficazes para reduzir a replicação viral no organismo. É com isso que se trabalha atualmente. Com o tempo, impede-se que o indivíduo desenvolva doenças chamadas oportunistas. Antigamente tínhamos uma medicação extremamente tóxica. O marco brasileiro dessa época foi o Cazuza. O AZT era a única medicação disponível no mundo. Hoje, trinta anos depois, temos um arsenal terapêutico importante, não tão grande como o dos antibióticos, por exemplo, mas com medicações que atuam em várias fases do ciclo viral.

 

Como é a vida para um portador do vírus? É possível ter uma vida normal? Como é a disponibilização de medicamentos pelo SUS?

Mesa Redonda Rosilda Marins

Rosilda Marins – Hoje a vida é quase normal, em vista do que era no passado. Eu cheguei a tomar vinte e oito comprimidos por dia. Hoje tomo seis comprimidos específicos. Tomávamos muitos medicamentos, mas que produziam pouco efeito sobre a doença e muitos efeitos colaterais. Além disso, não havia uma disponibilidade satisfatória desses medicamentos. Hoje já temos os medicamentos e os serviços de referência disponíveis. Ainda é complicado, como a saúde em geral no país também é. Você tem de ir ao hospital, tem de ir ao serviço público, gastar horas para realizar a consulta e os exames. Ademais, tem de fazer caminhada, ter uma alimentação saudável e tomar remédios todos os dias. Você precisa lutar por uma vida com qualidade, mas é uma vida quase normal. Você tem a possibilidade de discutir com seu médico as melhores terapias, aceitá-las e se tratar.

 

A aceitação é difícil?

Rosilda Marins – Sim. O preconceito ainda é muito grande. Nem o portador aceita a doença, que dirá a população. E ele precisa tomar os remédios todos os dias. Mesmo a medicação de um comprimido só, tem efeitos colaterais. Mas se você fizer tudo isso, é possível ter uma vida quase normal. Claro que vêm outros agravantes, como o aumento do triglicérides, por exemplo.

Sandra Brunini – Os efeitos colaterais já melhoraram muito. Os novos fármacos têm reduzido aqueles mais graves que antes existiam, como as alterações do metabolismo no organismo e em sua distribuição, os efeitos sistêmicos, neurológicos e dermatológicos e o envelhecimento precoce.

 

Como lidar com o preconceito, principalmente, os que acabam de descobrir que tem o HIV?

Edvan Miranda – Para a aceitação e o trabalho com o preconceito, contamos muito com as ONGs, que realizam reuniões e encontros para dar assistência e apoio a quem acaba de receber o diagnóstico do HIV. Quando o paciente não tem o apoio da família ou não tem coragem de contar para a família, nós o encaminhamos para as ONGs, que fazem esse trabalho de sensibilização e acolhimento, para que o paciente aceite a nova condição, aderindo à medicação. Ele começa a enxergar que não é o fim da vida, mas que precisará ter alguns cuidados. O portador do HIV pode ter uma vida quase normal, mas sabemos dos efeitos colaterais. Conheço pessoas que vivem com o vírus há anos e são bem saudáveis, pois fazem adesão ao tratamento e praticam exercícios. Elas não possuem aquele aspecto magro do portador do HIV, como tinha o Cazuza.

Sandra Brunini – Uma coisa é estar infectado e outra é evoluir para a doença. O diagnóstico precoce dá início ao tratamento precoce, o que impede a evolução da doença. Não deveríamos mais ter tantos casos de Aids como ainda temos. Aqui em Goiás, em um trabalho que fazemos há vários anos com pacientes do hospital de referência, percebemos que 60% dos indivíduos que são atendidos pela primeira vez já chegam com Aids, isso que precisamos combater. Com toda a tecnologia de testes que temos, como as pessoas só se descobrem portadoras do vírus quando já estão doentes? Desse jeito elas não vão usufruir dos benefícios da medicação.

Rosilda Marins – Tivemos um caso de uma jovem de 25 anos que teve morte súbita, e, só cinco meses depois, foi descoberto que ela morrera de Aids. Falta de diagnóstico. É uma situação que vai se repetir muito se as pessoas não se sensibilizarem para a importância de fazer o exame. É difícil, mas é a melhor forma. Fugir é uma possibilidade de adoecer.

 

É possível perceber sintomas?

Sandra Brunini – Os sinais e sintomas são bastante conhecidos da população: diminuição de mais de 10% do peso sem dieta, queda de cabelo, febre, falta de apetite, manchas no corpo, tuberculose, pneumonia. Hoje, no Brasil, a tuberculose é a porta para a descoberta da Aids. E isso é absolutamente desnecessário tendo em vista tantos recursos de diagnóstico e tratamento. Porque a doença significa que o paciente estava há dez anos infectado pelo vírus, sem nenhuma intervenção. Hoje o Brasil tem uma política que oferece medicação independente da carga viral dos pacientes. Ou seja, se diagnosticado, ele não vai adoecer. E é isso que queremos.

Rosilda Marins – Temos de procurar o serviço de saúde. Não devemos nos tratar em casa, nem nos automedicar. É importante ir ao serviço de saúde, relatar seu histórico, dizer se transou sem camisinha e pedir para fazer o exame.

 

Categorias: Mesa-redonda DST Aids prevenção