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Universidade Federal de Goiás

Vítimas invisíveis da violência em busca do sonho americano

Em 09/10/14 11:08. Atualizada em 24/11/14 14:13.

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Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás 
ANO VII – Nº 68 – Outubro – 2014

Vítimas invisíveis da violência em busca do sonho americano

Pesquisador, Júlio da Silveira Moreira, investigou a relação entre violência contra imigrantes brasileiros que tentam atravessar a fronteira do México com os Estados Unidos e o crime organizado

Texto: Serena Veloso | Fotos: Júlio Moreira

Agosto de 2010: 72 imigrantes ilegais que tentavam atravessar a fronteira do México com os Estados Unidos foram assassinados em um rancho próximo à cidade de San Fernando, no Estado de Tamaulipas. As mortes foram causadas por integrantes de um cartel de drogas, que sequestraram os estrangeiros, oferecendo trabalho como matadores de aluguel e, devido à recusa, os assassinaram. A chacina, que ficou conhecida como Massacre de Tamaulipas, teve repercussão na imprensa mundial, que colocou em pauta as discussões sobre a migração de latino-americanos pela fronteira México-Estados Unidos e a relação com a violência promovida por organizações criminosas. Entre os mortos, quatro eram brasileiros, sendo dois da região de Governador Valadares, em Minas Gerais.

O caso despertou o interesse do advogado e então doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFG, Júlio da Silveira Moreira, que passou a investigar os motivos pelos quais os brasileiros continuam se submetendo aos diversos perigos no trânsito ilegal para os Estados Unidos e, ainda, a relação entre a política migratória do país e a violência contra os imigrantes. A pesquisa resultou na tese Violência contra migrantes em trânsito no México, defendida no início do mês de agosto, sob orientação do professor e diretor da Faculdade de Ciências Sociais (FCS), Dijaci David de Oliveira.

Durante um ano, entre 2012 e 2013, Júlio Moreira esteve no México, em doutorado sanduíche na Universidad Nacional Autónoma de México (Unam), realizando pesquisa dentro do Centro de Investigaciones sobre América del Norte, sob orientação da professora Adriana Estévez López. Lá, o pesquisador acompanhou de perto a realidade vivida por aqueles que tentam entrar nos Estados Unidos sem o visto. Já no Brasil, ele foi à região de Governador Valadares entrevistar as famílias dos dois jovens assassinados no Massacre de Tamaulipas.

Imigrantes Desaparecidos

Na capela do Albergue Hermanos en el Camino, na cidade mexicana de Ixtepec, pessoas observam fotos de imigrantes desaparecidos

Guerra às drogas

Segundo o pesquisador, a vigilância da fronteira entre México e Estados Unidos pelo governo norte-americano é extremamente severa e integra a própria política de guerra ao terror e de combate às drogas no país. Para combater o narcotráfico e, ao mesmo tempo, evitar a entrada de pessoas indocumentadas, ou seja, sem autorização ou visto, em seu território, foram criadas estratégias que envolvem a interferência política e militar no México. “Essa política se materializa no México por meio de acordos de cooperação estratégica e militar, um prolongamento do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta) e outras iniciativas, como a Aliança para a Segurança e Prosperidade da América do Norte (Aspan)”, explicou.

No entanto, ele afirma que tais restrições acabam por incentivar o desenvolvimento do narcotráfico: “Quanto mais proibições e restrições, mais o tráfico ganha poder, porque os traficantes começam a atuar no mercado ilegal. Assim, o preço da droga aumenta, mesmo sendo muito barato o custo de produção”.

O governo mexicano, em 2006, também aderiu ao modelo norte-americano de guerra às drogas. Anos antes, o então presidente, Vicente Fox, havia aprovado um acordo de isenção de vistos entre Brasil e México para livre trânsito de empresários, o que teria causado um aumento no fluxo migratório de brasileiros para os Estados Unidos que viajavam para a Cidade do México, de onde seguiam trajeto rumo à fronteira. Com o fim do acordo em 2006, os imigrantes encontraram grande dificuldade para se deslocarem diretamente da capital mexicana e traçaram nova rota pela fronteira entre Guatemala e México.

Mães Imigrantes

Mães da Guatemala se reúnem em caravanas para procurarem filhos desaparecidos no trânsito migratório pelo México

Para fazer a rota, os viajantes adentravam o México de forma anônima – o que os tornava vulneráveis diante de situações de violência, roubo ou sequestro – possibilitando que as organizações criminosas estabelecessem novas formas de lucro. “O massacre de 2010 leva a uma interpenetração entre o problema do tráfico de drogas e o da migração, porque chega um momento em que esses cartéis lidam não só com o narcotráfico, mas também com o tráfico de pessoas”, apontou.

O sonho americano

Em sua pesquisa, Júlio Moreira remonta o contexto de início dos fluxos migratórios do Brasil para os Estados Unidos a partir da década de 1980. Para ele, a questão econômica era – e ainda é – o principal motivo da saída de brasileiros do país que, devido à falta de perspectiva de emprego, sonhavam em trabalhar em países estrangeiros para acumular dinheiro e retornarem para suas famílias. Porém, uma vez que se estabelecem no país norte-americano também abrem possibilidades para que seus familiares se arrisquem na emigração. Júlio Moreira afirma que o fluxo migratório também é mantido pelas redes de agenciadores que providenciam o visto, documentação ilegal, e fazem a passagem dos viajantes pelo México

Baseado no estudo de caso sobre a região de Governador Valadares, o pesquisador pôde avaliar que as emigrações se dão, principalmente, entre habitantes das áreas rurais, que enxergam possibilidade de mudanças na situação socioeconômica. Porém, as perspectivas não são correspondidas já que eles são submetidos à pesada carga de trabalho e não conseguem arrecadar o necessário para melhorar de vida.

Estrangeiros sem direitos

Apesar da grande demanda no mercado de trabalho dos Estados Unidos, o país investe fortemente em políticas para restrição da entrada de imigrantes, dificultando a concessão de vistos para trabalhadores brasileiros. Para explicar essa questão, Júlio Moreira utilizou a teoria do mercado de trabalho dual ou segmentado. A teoria verifica que grande parte das atrações exercidas sobre a migração internacional, em que indivíduos de países menos desenvolvidos vão para países com maior desenvolvimento econômico, está relacionada ao mercado de trabalho secundário, que necessita de mão de obra flexível e menos qualificada.

No caso dos Estados Unidos, enquanto o mercado de trabalho primário atrai em grande parte a população nacional, já que compreendem ocupações que exigem maior escolaridade e liderança, o secundário reserva vagas para pessoas indocumentadas de outros países. Os empregadores não oferecem para os trabalhos informais e menos qualificados salários altos, plano de carreira, nem direitos trabalhistas, o que retira as responsabilidades do governo com os imigrantes como cidadãos. Além disso, a intenção dos próprios migrantes é de retornar ao país de origem. “Eles precisam ser indocumentados para que eles não sejam sindicalizados, não tenham direitos”, constatou.

Categorias: pesquisa sociologia imigrantes