Violência contra as mulheres: tentativas de ressignificação
Érika Nunes de Medeiros fala sobre pesquisa que realizou sobre o assunto
Érika Nunes de Medeiros F. Borges
O problema da violência contra as mulheres é recorrente em diversas histórias de vida, e marca as subjetividades e as memórias como experiências que nem sempre são compartilhadas e ouvidas. Minha pesquisa qualitativa (2016) traz para o espaço público da ciência uma problemática tida como da esfera das relações amorosas e, portanto, de âmbito privado. A violência contra as mulheres tem gênero, cor, raça, etnia e classe. É uma questão de poder, pois a percepção da violência contra as mulheres pelas instâncias da esfera pública como problema social, histórico, cultural e também político é recente, e deve seu percurso às longas e estratégicas formas de luta do movimento feminista e de mulheres.
A partir da análise de histórias de vida focalizadas de cinco mulheres residentes em Goiânia, que tiveram em comum a exposição a situações de violência desencadeadas por seus namorados ou maridos, focalizei os significados subjetivos atribuídos às experiências vividas, com ênfase nas tentativas de ressignificação e de resistência por parte dessas mulheres, que sinalizaram possíveis rupturas com a situação de violência.
O estudo mostrou que por vezes há a negação de que a violência seja socialmente engendrada, sendo percebido, assim, como traço idiossincrático de seus perpetradores, tais como comportamentos explosivos ou ciúmes. Apontou que mesmo mulheres com alta escolaridade e não dependentes financeiramente de seus companheiros tiveram dificuldade de expor, denunciar e buscar ajuda profissional à época (com exceção de uma que processou o agressor). Alguns dos motivos citados para justificar a não denúncia são: não reconhecimento da violência e sentimento de culpa na época, dependência emocional, medo, vergonha, impotência, carência de apoio da família e de relações de amizade e ausência de recursos para contratar um/a advogado/a.
Entretanto, as entrevistadas expressaram em maior ou menor grau, mesmo afetadas pelo medo e traumas da situação pós-violência, ter produzido estratégias de resistência aos mecanismos de poder, sujeição e dominação que têm como objetivo normalizar/normatizar, padronizar, regular, controlar e disciplinar as vidas das mulheres, seus corpos e subjetividades. Reconstruindo a memória do evento traumático, todas afirmam ter tido a possibilidade de romper com o agressor nos primeiros indícios de violência (ciúmes, controle sobre a vida, trabalho, agenda, patrimônio, corpo e estética da mulher), porém, não o fizeram devido à complexidade do problema e ao modo como foram socializadas/educadas para verem o mundo sexista de ódio contra e de sujeição das mulheres como natural.
Assim sendo, a mudança ocorre no seio da própria dinâmica de poder que a constituiu, cada mulher à sua maneira: militância feminista, contato com o feminismo ou movimento de mulheres, pesquisa acadêmica e profissional, inserção pública e política, maternidade, novos relacionamentos amorosos, profissão que tem significado correlacionado com a violência sofrida ou estar em posição reconhecida socialmente. Portanto, as entrevistas permitiram concluir que essas mulheres conseguiram dar um significado novo às suas vidas, apontando o desejo de se reconstruir, algo já – ou próximo de ser – conquistado nas narrativas de todas elas. Suas tentativas de ressignificação apontam para um deslocamento nas relações de poder, tal como ressaltam estudos feministas que se ocupam do tema das violências.
*Érika Nunes de Medeiros F. Borges é mestra em Sociologia pela UFG (2016)