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Universidade Federal de Goiás
Juara Evaldo

Apropriação cultural existe para além da Internet

Em 23/03/17 10:27. Atualizada em 31/03/17 14:56.

Estudantes do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Informação e Comunicação explicam o conceito

 Juara Castro e Evaldo Gonçalves 007

...como é possível que o samba, os turbantes e os colares de miçangas estejam na moda e os negros não? Como uma mulher estampa uma capa de revista com uma capulana e um turbante e ela não é negra? 

* Juara Castro e Evaldo Gonçalves

 

Com os novos espaços de sociabilidade, sobretudo as novas redes de comunicação, o ser humano parece ter (re)descoberto viver em uma sociedade em rede. Uma organização antiga, mas que vinha sendo enfraquecida até a chegada da modernidade. A apropriação cultural tem figurado com uma das maiores discussões desse cenário, sendo até classificada por muitos como “coisa de Internet”. Vamos com calma, meus amig@s! A “coisa” não é rasa assim para você simplesmente se jogar sem nenhum efeito “pós-queda”.

 

Apropriação cultural é um termo antropológico usado para explicar o ato de se utilizar ou adotar hábitos e comportamentos de uma cultura que não é sua. É uma ideia complexa, ainda mais em países marcados pelo hibridismo, como é o caso do Brasil, onde a miscigenação é uma variável básica em boa parte das manifestações culturais. Porém, apropriação cultural é muito mais que uma mera disputa para legitimação de opiniões, sobretudo na Internet. Ela está estritamente ligada ao consumo cultural e vai além de um posicionamento “digital” para a acumulação de “likes”.

 

É necessário refletir sobre as problemáticas de racismo e desigualdades sociais que caminham lado a lado com a questão da apropriação cultural, sobretudo em países como o Brasil. A arte, a cultura e a política são variáveis altamente interligadas, o que significa que apropriar-se indevidamente de uma cultura gera uma desvalorização política do que está envolvido naquelas práticas simbólicas. Sendo diretos e práticos: como é possível que o samba, os turbantes e os colares de miçangas estejam na moda e os negros não? Como uma mulher estampa uma capa de revista com uma capulana e um turbante e ela não é negra? O raso irá afirmar: isso é resultado da globalização. Mas a ligação do socioeconômico com a etnia é muito mais complexa e estrutural que isso.

 

Expressões simbólicas, performances e comportamentos são reflexos das relações de poder. A arte e o sentido político são responsáveis pela distinção, afirmação e reafirmação dos lugares de fala, e essas relações surgem a partir de práticas de consumo que induzem juízos de valor em relação à cultura. Portanto, uma luta política e simbólica não pode se reduzir a um “exotismo” ou “fetiche” de classes dominantes pela moda e “tendências de verão”. Estamos falando de uma classe dominante historicamente mais favorecida não só economicamente, mas principalmente em espaços políticos e de exercício da intelectualidade. Sendo assim, “dívida histórica” não é exagero, nem muito menos vitimismo.

 

Pensar a ancestralidade como resistência e a negritude como uma forma de sociabilidade para além do biológico é fortalecer um sentimento de pertença devastado por anos de opressão. Perguntamos: “Por que o turbante não era interessante até estar na capa da revista?”. A questão vai além da permissão de usar ou praticar algo relacionado à cultura negra, mas sim ao desmonte do simbolismo com a “desculpa” de fazermos parte de uma lógica capitalista.

 

A marginalização do negro tem andado de braços dados com a apropriação cultural. A “moda” negra está na moda, mas o negro não. Vale a reflexão de como algo marginalizado torna-se “de todos” de uma hora para outra. Mas esse “todo” exclui fortemente o primeiro detentor daquela cultura. A palavra de ordem é: respeito.

 

* Estudantes do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Informação e Comunicação

Fonte: Ascom UFG

Categorias: artigo Edição 86