Na luta por fármacos “que falem português”
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 59 – JUNHO – 2013
Na luta por fármacos “que falem português”
Boa parte da inovação do país na área da Farmácia está nas universidades públicas. No entanto, não há incentivo para que o resultado das pesquisas chegue à indústria farmacêutica. Para professores de Química Farmacêutica de todo o país, a criação de uma subárea específica junto ao CNPq seria uma solução viável e imediata para esse problema, pois facilitaria o financiamento de projetos e o diálogo com a iniciativa privada
Texto: Patrícia da Veiga | Fotos: Carlos Siqueira
“Tenho dito que não se pode considerar soberana uma nação que cuida da saúde de sua população com fármacos que ‘falam’ todos os idiomas, menos o seu!”, afirmou Eliezer Barreiro, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos pioneiros da área de Química Medicinal no Brasil, por ocasião do XII Encontro Nacional dos Professores de Química Farmacêutica (ENPQF), evento realizado em Goiânia, entre os meses de fevereiro e março. Com esse pronunciamento, o professor Eliezer Barreiro reverberou os anseios de toda uma categoria profissional, que é o de impulsionar no país trabalhos voltados à área de Química Farmacêutica Medicinal, ou seja, à descoberta, ao planejamento, identificação e à produção de novos fármacos.
Eliezer Barreiro alerta para a necessidade de haver desafios inovadores para a área de Química Farmacéutica Medicinal no Brasil
A Química Farmacêutica Medicinal é uma disciplina da Farmácia vinculada à área de fármacos e medicamentos, sendo estratégica para o País, uma vez que permite a inovação radical e incremental no setor farmacêutico, essencial para o desenvolvimento científico e tecnológico da Nação. Possui característica inter e multidisciplinar e é uma disciplina exclusiva do profissional farmacêutico. A descoberta e o desenvolvimento de novos fármacos depende de longos anos de investigação científica e de altos investimentos. A realidade brasileira, no entanto, não condiz com esses quesitos. Há anos se vem tentando impulsionar estudos, incrementar os currículos dos cursos de graduação e pós-graduação em Farmácia, bem como ampliar a formação de profissionais dedicados especialmente à descoberta de novos fármacos, mas muito se esbarra em questões estruturais, tais como dificuldade de financiamento e falta de mercado de trabalho.
Quando o professor Eliezer Barreiro, ainda em fevereiro, reivindicou o desenvolvimento de fármacos “que falem português”, ele vislumbrou, na verdade, a autonomia do setor. “A maioria das indústrias brasileiras atua apenas na inovação incremental, ou seja, na busca de novos caminhos sintéticos para fármacos genéricos, atividade considerada de menor risco. O quadro de profissionais doutores empregados na indústria é ínfimo, o que indica que não existem desafios inovadores a exigir pessoal plenamente capacitado”, explicou. Foi por isso que, durante o XII ENPQF, coordenado pela professora Carolina Horta, da Faculdade de Farmácia da UFG, muito se debateu a respeito da necessidade de fazer com que as pesquisas saiam das universidades brasileiras e cheguem às indústrias farmacêuticas.
Em primeiro lugar, os professores e participantes do evento concluíram que é preciso fortalecer a Química Farmacêutica Medicinal como uma subárea do conhecimento farmacêutico e não somente como uma disciplina dos cursos de Farmácia. Sendo assim, pesquisadores de todo o país redigiram um documento endereçado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) solicitando a inclusão da Química Farmacêutica Medicinal em sua Tabela de Áreas do Conhecimento (TAC). Essa oficialização permitiria ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e às outras agências de fomento um investimento específico em projetos destinados à descoberta de novos fármacos. De acordo com o documento, a falta desta subárea tem acarretado “dificuldades para a inserção adequada de projetos de pesquisa solicitados às agências de fomento e ainda conduz a graves consequências para a avaliação real do impacto científico da produção qualificada dessa área no âmbito nacional.”
Essa reivindicação está na pauta de debate dos pesquisadores da área desde 2003 e já havia sido transformada em documento em 2005, sem que fosse atendida. O que fez os docentes de Química Farmacêutica Medicinal reunidos em Goiânia retomarem o debate foi a consideração de que deve partir do Estado a tentativa de impulsionar o setor. No que concerne às indústrias, no entanto, é preciso sugerir uma nova mentalidade. “Diversas escolas de economistas definem que para setores estratégicos para o desenvolvimento, não há avanços sem a construção de alianças articuladas, organizadas e afinadas entre empresa, governo e universidade. Assim não pode haver avanços na indústria farmacêutica sem a participação ativa do governo, incentivando articulações e arranjos produtivos capazes de agregarem conhecimento à inovação”, opina o professor Eliezer Barreiro.
Mercado
A professora da Universidade de São Paulo (USP) e também pioneira na área da Química Farmacêutica, Elizabeth Igne Ferreira, destacou que estender as pesquisas das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), onde estão mais de 90% dos grupos dedicados à Química Farmacêutica Medicinal, para a sociedade implica, necessariamente, no estabelecimento de parcerias com as indústrias. “Essas alianças necessitam de maior impulso para que os candidatos a fármacos identificados se tornem efetivamente fármacos e sejam melhores alternativas para a terapia de muitas doenças”, comentou.
A Química Farmacêutica Medicinal depende de tecnologia para se desenvolver. A partir da década de 1980 as pesquisas são feitas com o auxílio de ferramentas computacionais. Portanto, para Elizabeth, não se trata de um atrelamento dos cientistas da área da Farmácia ao mercado, mas sim de uma tentativa real de suas investigações sobreviverem em todas as etapas. “Os grandes gargalos do processo de pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos são os ensaios pré-clínicos e clínicos”, afirmou. De acordo com seus dados, um medicamento leva até 15 anos para chegar à prateleira das drogarias, sob um custo que oscila entre US$ 500 milhões a US$ 2 bilhões.
Para a professora Elizabeth Igne, as pesquisas para novos medicamentos devem contemplar as doênças tropicais como malária e tuberculose
Doenças negligenciadas
Além da partilha entre inteligência e custo, o diálogo direto entre universidades, indústrias e Estado vem sendo reivindicado para que problemas sociais sejam solucionados com mais eficácia. O Brasil é o quinto maior mercado de medicamentos do mundo, é o oitavo maior produtor de fármacos e medicamentos no mundo e possui um mercado que movimenta anualmente R$ 28 bilhões. Mas ainda sofre com altas incidências de doenças como malária, tuberculose, doença de chagas, leishmaniose, dengue, entre outras enfermidades, chamadas de “doenças tropicais” e hoje consideradas “doenças negligenciadas” pelo mercado transnacional. “No meu entender, esse deveria ser, especialmente, o alvo das nossas pesquisas”, opinou a professora Elizabeth. Conforme dados do CNPq, existem no Brasil 180 grupos de pesquisa cujo foco é a Química Farmacêutica/Medicinal. Desses, 10% estão com a atenção voltada ao planejamento de fármacos para doenças negligenciadas. Com uma política específica para o setor de fármacos do país, esse percentual poderá ser mais significativo.
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Categorias: química farmacêutica industrial doenças negligenciadas
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