Projeções da UFG acertam dados reais da pandemia em Goiás
Corrigidas as demoras nas notificações, projeções confirmam números de óbitos no Estado
Carolina Melo e Kharen Stecca
No dia 15 de julho de 2020, a Secretaria Estadual de Saúde divulgou que haviam sido registrados 927 óbitos por COVID-19 em Goiás. O dado não corresponde com as projeções realizadas pelo Grupo de Modelagem de Expansão Espaço Temporal da UFG. No entanto, as informações oficiais publicadas no período não condizem com a realidade de falecimentos ocorridos na data que, agora corrigido, foi de 1267 (dado atualizado no dia 6 de agosto de 2020 para a data de óbitos de 15 de julho), ou seja, 36% maior do que anteriormente divulgado. Tendo em vista os dados “reais” mais aproximados, o atual número coloca a curva de óbitos em Goiás entre o cenário verde e azul, assumindo que o índice de mobilidade social aumentaria um pouco no Estado. Soma-se, ainda, a possibilidade de o número real de óbitos ocorridos no dia 15 ser maior, considerando que nem todos os municípios atualizam os dados na mesma velocidade.
Para esclarecer sobre as eventuais dúvidas, os pesquisadores da UFG José Alexandre Diniz Filho e Thiago Rangel publicaram hoje (11/8) nota sobre as diferenças entre o número de óbitos divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) e as projeções realizadas pelo modelo desenvolvido pelo grupo, utilizando dados até 24/06. Além de confirmarem os acertos do modelo quando corrigidas as notificações do Estado, a nota apresenta as variáveis que podem, de fato, a partir de então, alterar as projeções a médio e longo prazo e, com isso, levar a uma diferença entre os dados estimados pela Universidade e os dados efetivos de casos e óbitos dos órgãos de Saúde.
Uma das questões apontadas pelos pesquisadores é que o R, que é o número reprodutivo da doença (ou seja, quantas pessoas em média são contaminadas por uma pessoa doente) foi medido antes da adoção de novas estratégias de isolamento. No caso, o governo adotou os 14 dias de isolamento no início de julho, após o estudo da UFG. Qualquer medida tomada por governos e realizada pela sociedade pode alterar o R. Outras ações que podem ter alterado o índice foram, além da adoção do isolamento e rastreamento de contatos, o aumento das testagens, bem como o monitoramento dos casos por telemedicina e novos aplicativos de telefonia celular, realizados por diversas prefeituras (incluindo a Secretaria Municipal de Rio Verde, onde essas medidas tiveram um efeito comprovado de diminuir o crescimento da pandemia). Tudo isso pode ter afetado o índice de reprodução do vírus.
De acordo com os pesquisadores, é necessário considerar também que, principalmente a partir de julho, algumas concepções importantes sobre a biologia do SARS-CoV2 e sua propagação na população começaram a se consolidar, podendo levar a uma revisão nas projeções realizadas pelos modelos, não só da UFG, mas de todos os estudos correspondentes. “Essas mudanças passam a ser perceptíveis especialmente em uma fase mais avançada da pandemia, como a que se encontra o Estado de Goiás, por afetar o número de pessoas suscetíveis à doença. Por exemplo, o número de pessoas já infectadas na população (a prevalência) pode ser maior do que os vários estudos realizados no Brasil e no mundo sugerem, pois aparentemente o nível de anticorpos tende a decair depois de 3 ou 4 meses, principalmente nos indivíduos assintomáticos. Esses valores estão subestimados, inclusive porque entre 10% e 15% de pessoas com PCR positivo e que haviam sido internadas não apresentaram resultados positivos nos testes sorológicos após 3 meses ou mais, segundo alguns trabalhos recentes. Isso indica que os números de contaminados podem estar subestimados e isso não é um erro, são novas descobertas da Ciência”.
A nota também destaca outras possibilidades que precisam ser consideradas. Entre elas, a imunidade cruzada, que pode ter sido adquirida a partir de contato prévio com outras formas de coronavírus (e eventualmente outras viroses, ou mesmo outros fatores); e o efeito da vacina BCG que também parece conceder um tipo de proteção à população vacinada. Os pesquisadores afirmam que as novas evidências científicas mostram que uma parte considerável da população seria mesmo imune ao SARS-COV2, variando também entre populações de diferentes locais do mundo. “Isso mudaria drasticamente o R nas modelagens que passa a considerar uma população suscetível muito menor”.
Até mesmo a heterogeneidade espacial e social nas grandes cidades pode alterar as taxas de transmissão, chamam a atenção os pesquisadores da UFG. Em Goiânia, por exemplo, há uma grande heterogeneidade espacial nas prevalências estimadas e o inquérito de 11 de julho mostrou que, embora em média 6,4% da população da cidade já teria tido contato com o SARS-CoV2, essas prevalências variam mais ou menos entre 2,6% e 12,8% em diferentes regiões da cidade. Por isso os pesquisadores ressaltam que se forem usadas as informações sobre a variação dessas prevalências ao longo do tempo é possível aproximar a taxa de crescimento e de transmissão e observar que o número efetivo Re em junho pode ter variado entre > 1,0 e 2,0, pelo menos.
A principal consequência de todas essas evidências científicas que têm surgindo é a que o número reprodutivo efetivo de transmissões em um dado momento, o Re, seria menor do que o gerado pelo modelo, já que este valor é o produto entre o R calibrado a partir do isolamento social e a proporção de suscetíveis infectados. “Essa redução no Re também pode explicar porque os valores no final de junho/início de julho apresentados seriam um pouco menores do que os gerados pelo modelo, mesmo considerando a calibração correta pelos dados da inloco até início de junho”, afirmam. Assim, é dificil fazer projeções corretas para tempos mais longos
Ciência em tempo real
A ciência normalmente precisa de tempo para obter resultados. No caso de uma pandemia é preciso trabalhar ciência em tempo real, como explica um dos pesquisadores do grupo, o professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFG, José Alexandre F. Diniz Filho. “Estamos aprendendo continuamente sobre as características biológicas do novo coronavírus e sobre como ele afeta o corpo humano, seus sintomas e as eventuais sequelas da doença”.
O pesquisador ressalta que “o lado difícil das novas descobertas e das mudanças tão rápidas na nossa compreensão sobre os diferentes aspectos da COVID-19 é que, como muitas pessoas não entendem o funcionamento da Ciência e acham que o conhecimento apresentado em um dado momento é “definitivo”, esses novos conhecimentos acontecendo rapidamente podem criar uma sensação de que “os cientistas não sabem”. Ao mesmo tempo, às vezes os gestores podem querer respostas mais “precisas” ou mais “corretas” do que um conhecimento em consolidação é capaz de gerar. Em suma, espera-se da Ciência não projeções, não estimativas, espera-se previsões. E, como ressalta o professor José Alexandre Diniz, “isso nos leva à triste constatação de que, mais uma vez, a grande desigualdade social e a falta de uma sociedade educada e cientificamente preparada nos torna, como País, um péssimo exemplo para o resto do mundo”.
Trabalho contínuo
O Grupo de Modelagem de Expansão da Covid-19 segue suas pesquisas, com o crescimento da pandemia. O CNPq aprovou no mês passado aproximadamente R$ 1 milhão de reais para criar um modelo de expansão da Covid-19 para o Brasil. Com apoio de grupos de pesquisa nacionais e internacionais, uma das pesquisadoras do Grupo de Modelagem da UFG, a professor Cristiana Toscano vai coordenar o trabalho do grupo que deve continuar trazendo mais informações que podem auxiliar os governantes nas tomadas de decisão e a sociedade a superar essa doença.
Leia mais sobre esse assunto aqui:
Conheça o Grupo de modelagem da Expansão Espaço-Temporal da Covid-19 em Goiás
Confira algumas matérias publicadas sobre esse estudo:
(06/07/20) Conheça estudo sobre o distanciamento social intermitente
(30/06/20) Conheça os pesquisadores da UFG do Grupo de Modelagem
(02/06/20)Taxa de contágio de Covid-19 em Goiás está em torno de 1,5 a 1,6
(27/05/20) Pico da covid-19 em Goiás pode ocorrer a partir da 2ª quinzena de julho
Fonte: Secom-UFG
Categorias: modelagem Ciências Naturais ICB IPTSP