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Universidade Federal de Goiás
luis vieira

Nem sempre, mas sempre Junho de 2013!

Em 07/07/23 11:54. Atualizada em 07/07/23 11:54.

Último artigo da série finaliza a análise sobre junho de 2013

Luís Augusto Vieira*

luis vieira

Decorridos 10 anos das manifestações de Junho de 2013, das teses mais controversas, certamente estão a ascensão da extrema-direita consubstanciada, sobretudo, na eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, além da queda da ex-presidenta Dilma Rousseff. Não sem motivos, pois todos estavam por lá.

Todavia imputar a Junho de 2013 a exclusividade da ascensão da extrema-direita, ou até mesmo seu surgimento, é não levar em conta nosso passado colonial, escravista e de exploração; é negar a violência do modelo patriarcal e de concentração de terras que nos conformou; é não considerar que o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, a proclamar a república, a não conceder direitos iguais para trabalhadores do campo e da cidade e ainda persistir nas diferenças entre homens e mulheres nos seus direitos mais elementares, sem falar da comunidade LGBTQIAPN+. É, por fim, negar que o Brasil teve o maior partido fascista fora da Europa, no início do século XX (estamos falando dos Integralistas).

Não quero dizer com isso que, como uma explosão social, Junho não colocou nas ruas as mais diversas e diferentes colorações ideológicas e partidárias, e que, dada a conjuntura do momento, a extrema-direita fez melhor proveito: Jair Bolsonaro, um deputado ruidoso e barulhento, mas que não incomodava, nem preocupava muita gente, estava por lá, todavia não fora expulso das manifestações como muitos políticos ligados ao PSDB, principal partido opositor à época.

De modo diferente, não foi da mesma “sorte” que gozou a presidenta Dilma que, naquele momento, apresentava taxa de aprovação de seu governo na casa dos 55% e de avaliação pessoal na ordem de 70% (FILHO, 2023). E que pese os índices de aprovação do governo e da presidenta caírem, junho de 2013 não incorreu no impeachment da mesma. O que se observou nas eleições de 2014 foi a canalização do desejo de mudanças que havia em 2013, e que alçou a candidatura de Marina Silva e seu vice, Joaquim Barbosa. Era a junção das pautas ecológicas com a moralização da coisa pública, ou o combate à corrupção via relatoria do Mensalão, atribuída à época a Joaquim Barbosa. Contudo o ataque à candidatura de Marina e Barbosa foi tão intenso por parte das candidaturas concorrentes (sobretudo Dilma e Aécio), que o segundo turno foi disputado pelos dois e Marina ficou fora do pleito. Dilma consagrou-se, portanto, vencedora das eleições de 2014.

Nesse sentido, a não aceitação da derrota pelo candidato tucano, a guinada que a presidenta dava em seu programa de governo (atendendo nitidamente setores rentistas e de capital especulativo) e o desgaste do governo de Dilma com a Operação Lava Jato impulsionada por setores da mídia hegemônica, fizeram com que as ruas do Brasil novamente fossem tomadas de pessoas bradando contra a corrupção e pelo impeachment da presidenta. Em agosto de 2015, a popularidade de Dilma caiu para 8% (OLIVEIRA, 2021), aumentando a crise.

Outra questão de suma relevância é reconhecer quem esteve nas ruas, em 2013, e quem esteve nas ruas, de fins de 2014 ao impeachment, em 2016. Conforme apontado em outro momento, o público das manifestações de 2013 tinha: 80% entre 14 e 39 anos; com renda de até 5 salários-mínimos, conformando 50% dos manifestantes, e irrisório o número daqueles que ganhavam 10 salários-mínimos ou mais (SINGER, 2013).

A partir de 2014, quem foi para ruas era “[…] manifestante mais velho, mais branco, mais rico — um perfil de classe mais alta, com preferência majoritária pelo PSDB, não antissistema, sem rejeitar o sistema político e passando a veicular uma mensagem extremamente crítica ao PT” (VEIGA, 2023). Complementando esse perfil, segundo pesquisa Datafolha (2015), metade dos entrevistados possuíam renda entre 5 e 20 salários-mínimos, com 73% acima de 36 anos de idade. Ou seja, os pró-impeachment eram mais velhos e com renda superior em relação ao público de 2013.

É importante considerar que outros movimentos semelhantes ocorreram mundo afora, porém não reivindicavam a ascensão da extrema direita – ninguém atribuiu à vitória de Donald Trump, ao Occuppy Wall Street, por exemplo.

Em suma, Junho de 2013, certamente, vê a profusão de pensamentos extremados. Junho de 2013 acirra ânimos e coloca as pessoas nas ruas, mas não é possível atribuir à junho toda ordem de desgraças que nos acometeu, isso já ocorria antes.

Mas então, o que aconteceu para tamanha confusão entre os que estavam nas ruas em 2013, o golpe contra a ex-presidenta e a ascensão e eleição da extrema direita?

Como dito, as ruas foram pavimentadas de gente em 2013 e, em seu auge, coube todo mundo: da extrema esquerda à extrema direita, sendo que as esquerdas não conseguiram tomar a dianteira naquele processo, naquele momento e nos últimos 14 anos, um governo progressista estava no poder. A sociedade brasileira é conservadora. Se fosse diferente, não seríamos tolerantes com apoiadores de torturadores; movimentos sociais seriam entendidos como a livre expressão de cidadãos organizados e conscientes; e governos progressistas já teriam chegado ao poder há algum tempo.

Em suma, buscar o caminho da desqualificação e imputar a junho de 2013 toda falta de sorte das esquerdas cai muito bem ao discurso que quer o povo calado e fora das ruas. Assim bradamos: por mais Junhos de 2013!

 

Referências:

 

FILHO, João. Junho de 2013: jornadas são um marco para a direita, mas jamais foram derrota da esquerda. Intercept. São Paulo. 8 Jun. 2013. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2023/06/08/junho-de-2013-jornadas-sao-um-marco-para-a-direita-mas-jamais-foram-derrota-da-esquerda/ Acesso em: 3 Jun. 2023.

 

OLIVEIRA, Carolina. Impeachment 5 anos: a relação entre junho de 2013 e a ascensão da extrema direita. Brasil de Fato. São Paulo. 18 Abr. 2021. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/04/18/impeachment-5-anos-a-relacao-entre-junho-de-2013-e-a-ascensao-da-extrema-direita. Acesso em: 03 Jun. 2023.

 

SINGER, André. Brasil, Junho de 2013. Classes e ideologias cruzadas. Novos Estudos Cebrap, 97, Nov., 2013. pp. 23-40.

 

VEIGA, Edison. É importante fazer correção histórica sobre junho de 2013. DW. São Paulo. 01 Jun. 2023. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/%C3%A9-importante-fazer-a-corre%C3%A7%C3%A3o-hist%C3%B3rica-sobre-as-manifesta%C3%A7%C3%B5es-de-2013/a-65785873 Acesso em: 3 Jun. 2023.

Veja os outros três artigos da série publicados:

Então, era Junho de 2013 

Os “Junhos”, de Junho de 2013

E quem estava nas ruas em junho de 2013?

*Luís Augusto Vieira é professor do curso de Serviço Social, do Câmpus Goiás – UFG e doutor na mesma área pela PUC-SP

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

Fonte: Secom UFG

Categorias: artigo Goiás junho 2013