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Universidade Federal de Goiás
luis vieira

E quem estava nas ruas em junho de 2013?

Em 26/06/23 10:11. Atualizada em 07/07/23 11:56.

Terceiro artigo da série sobre junho de 2013 analisa quem eram os manifestantes

Luís Augusto Vieira*

luis vieira

Quando buscamos uma caracterização mais arguta de junho, valendo-se de pesquisa ordenada por André Singer (2013), considerando: o recorte geracional, a classe social, a escolaridade, a renda e os aspectos político-ideológicos… eis.
Segundo Singer (2013), a juventude foi a principal parcela da população que impulsionou as manifestações, bem como a que esteve presente em todo o processo. A base do movimento foi formada por uma grande maioria de jovens (14 a 25 anos) e jovens adultos (26 a 39 anos), que somavam cerca de 80% dos que foram às ruas.
Quanto às frações de classes presentes, a constatação é que jovens de classe média tradicional mais politizados (ANTUNES, 2013) impulsionaram o primeiro momento do movimento, e de que o jovem precariado, ou o novo proletariado, aderiu na sequência. Arrisco afirmar que a condição imediata de subemprego, ou mesmo desemprego, somada às dificuldades impostas cotidianamente, contribuíram com a entrada em cena dessa parcela precária.
Ao caracterizar esses jovens (e jovens adultos) em relação à formação escolar, o autor demonstrava que as/os manifestantes possuíam escolaridade mais elevada que a média nacional. Levando-nos a supor que de fato as manifestações concentravam-se nas classes mais elevadas da sociedade.
Todavia, segundo o estudo de Singer (2013), ao identificar as condições econômicas e financeiras das/os manifestantes, constata-se algo em torno de 50% com renda familiar mensal de até 5 salários-mínimos; 30% com renda de 6 a 10 salários-mínimos e 20% das/os manifestantes com renda superior a 10 salários-mínimos. Ou seja, não era necessariamente a parcela mais abastada da sociedade que se encontrava nas manifestações.
Assim, caso caracterizemos apenas o quesito escolaridade, seus índices remetem para o topo da escala social, ou para índices próprios da classe média tradicional. Mas quando se considerava a renda, as pesquisas apontavam para a expressiva participação da metade inferior da pirâmide social, confirmando a presença do precariado nas ruas.
A partir da relação entre fatores geracional e escolaridade, temos o encontro das mesmas gerações nas ruas em junho, com escolaridade mais elevada que a média nacional, todavia se diferenciando no quesito renda, fazendo com que a classe média tradicional e o precariado se encontrassem nas ruas.
No que tange aos aspectos ideológicos, é consenso o caráter anticapitalista e de esquerda daquelas/es que promoveram e participaram da primeira fase do movimento: MPL, militantes de coletivos afeitos, alguns sindicatos e central (CSP-Conlutas), militantes de partidos políticos, tais como PSOL, PSTU, PCB dentre outros – incluindo segmentos da esquerda petista. Na sua segunda fase, a da massificação dos protestos, as camadas que se denominavam de centro ocuparam a cena.
Segundo Singer (2013), da centro-esquerda à centro-direita, ou centro ampliado, somava-se algo em torno de 70% das/os participantes. De forma isolada, os que se autodeclaravam de centro, também eram maioria. O autor, então, sentencia afirmando que no centro é que devemos deter maior atenção, pois foi quem deu a tônica das manifestações pós-primeira fase:
“[…] o realmente novo foi a atuação do centro […] bradando simultaneamente contra os gastos públicos privatizados pelo capital e contra a corrupção. Funcionou, assim, como uma espécie de inesperado generalizador do programa espontâneo das ruas. A única condição para que pudesse levar adiante tal operação aditiva foi a de não transformar a reivindicação de hospitais e escolas ‘padrão Fifa’ em um verdadeiro combate ao capitalismo, como quer a esquerda, nem a perseguição aos corruptos, em uma obsessão vingativa à esquerda, como propõe a direita. (SINGER, 2013, p. 36).”
O centro que apareceu nas manifestações defendia uma sociedade unificada e participativa, em luta contra um Estado opressivo e antiquado. Seus adeptos estavam dispostos a acabar com velhos hábitos, dentre os quais o atraso e a corrupção. Apresentavam-se enrolados em bandeiras do Brasil e cantando o hino nacional. Aliás, esta foi a bandeira da moralidade predileta da direita nacional contra governos que se entendem progressistas, de Getúlio a JK, de João Goulart a Lula.
No entanto, no momento da massificação dos protestos, os extremos políticos esquerdistas e direitistas destacaram-se e “anularam” a inclinação centrista da maioria das/os manifestantes.
“Nesse sentido, os setores médios tradicionais e politicamente conservadores ter-se-iam aproveitado dos protestos para levantar sua própria bandeira desfraldada pelas denúncias de corrupção que atingiam o governo federal. Entre a crítica às condições de vida nas cidades e a revolta contra os escândalos, ter-se-ia formado um amplo centro político cuja vantagem residiria exatamente na possibilidade de levantar tanto a bandeira do transporte quanto a da corrupção. (SINGER, 2013 apud BRAGA, 2017, p. 231).”
Para Singer (2013), estaria nos desejos desse “centro pós-materialista”, querendo se expressar, e na busca por qualidade de vida, a chave interpretativa de junho.
Para Braga (2017), no entanto, tal hipótese apresenta ao menos dois problemas: o primeiro, por centrar a análise apenas na segunda etapa de junho, e o segundo, e decorrente do primeiro, por não considerar as lutas que foram se acumulando antes e depois dos protestos. Importante considerar que estas lutas tinham um evidente caráter popular (redução das tarifas de ônibus, mais saúde e educação, contra o ajuste fiscal, dentre outros).
Todavia, junho abriu as comportas para um movimento conservador e reacionário, (vários manifestantes foram às ruas pedir o fechamento do Congresso Nacional, a volta da ditadura militar, além dos institutos liberais fomentarem e patrocinarem manifestações e manifestantes de direita). Porém ao olharmos também para as periferias, seja no aspecto geográfico, seja no aspecto político, observamos que importantes movimentos de protestos já ocorriam em períodos anteriores a junho.
Diante disso, faz-se necessário olhar antes e depois destas manifestações para melhor compreendermos junho de 2013. (BRAGA, 2017).
Todavia, naquele momento, como as esquerdas sempre desejaram, milhares de brasileiras/os mobilizaram-se. No entanto, mesmo sendo da classe trabalhadora, a grande maioria era nos aspectos políticos e ideológicos conservadores e não foi as esquerdas que seguiram.

Bibliografia:
ANTUNES, Ricardo. Fim da letargia. [S/I], Blog da Boitempo, 2013. Disponível em: <http://blogdaboitempo.com.br/2013/06/21/fim-da-letargia/> Acesso em: 18/10/2014.
BRAGA, Ruy. A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global. São Paulo: Boitempo, 2017.
MOVIMENTO PASSE LIVRE. Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo. In: Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2013, pp. 13-18.
SINGER, André. Brasil, Junho de 2013. Classes e ideologias cruzadas. Novos Estudos Cebrap, 97, Nov., 2013. pp. 23-40.

Veja a série de artigos publicados:

Então, era Junho de 2013 

Os “Junhos”, de Junho de 2013

E quem estava nas ruas em junho de 2013?

Nem sempre, mas sempre Junho de 2013!

*Luís Augusto Vieira é professor do curso de Serviço Social, do Câmpus Goiás – UFG e doutor na mesma área pela PUC-SP

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

Categorias: artigo Goiás