Icone Instagram
Icone Linkedin
Icone YouTube
Universidade Federal de Goiás
luis vieira

Os “Junhos”, de Junho de 2013

Em 26/06/23 10:05. Atualizada em 07/07/23 11:58.

Segundo artigo da série analisa o contexto das manifestações

Luís Augusto Vieira*

luis vieira
Conforme destacado, Junho de 2013 não podem ser compreendido e analisado de forma isolada. Além de uma conjuntura social e econômica que dava sinais de que algo não estava bem, havia uma série de manifestações mundial e nacional de períodos imediatamente anteriores, que quando revisitados, auxiliam-nos a compreender os acontecimentos e seus desdobramentos.
Outrossim, as manifestações de Junho não foram um movimento uniforme. A velocidade e o desenrolar dos acontecimentos modificavam a dinâmica das manifestações e apresentavam novos elementos à conjuntura. Tornam-se, pois, se não algo único, certamente algo singular. Uma importante tarefa é periodizar seus momentos a fim de entender melhor seu conjunto. Nesse sentido, a leitura e interpretação do sociólogo e professor André Singer (2013) serão “irrefutáveis” (BRAGA, 2017).
Singer (2013) delineia três grandes momentos no decorrer de junho: o primeiro, o do protesto popular (de 6 a 13 de junho); o segundo, o da nacionalização dos protestos (de 17 a 20 de junho) e, finalmente, ou o terceiro momento, o de sua fragmentação (do dia 21 até seu minguar, ao final daquele mês).
“A ebulição foi iniciada por fração pequena, embora valorosa, da classe média, com mobilizações praticamente circunscritas à cidade de São Paulo nos dias 6, 10, 11 e 13 de junho […]. O uso desmedido da força atraiu a atenção e a simpatia do grande público. Inicia-se, então, a segunda etapa do movimento, com as manifestações de 17, 18, 19 e 20 de junho, quando alcança o auge […]. Na terceira e última etapa, que vai do dia 21 até o final do mês, o movimento se fragmenta em mobilizações parciais […]. (SINGER, 2013, p. 24-26).”
E o que caracterizava, então, as respectivas etapas seriam.
A primeira, a já costumeira organização convocada pelo Movimento Passe Livre (MPL), noticiada como “coisa de estudantes”. Em relação aos aspectos ideológicos, as/os manifestantes estavam alinhadas/os às posições das esquerdas. Tinha como objetivo específico a redução do preço das passagens. As mobilizações não tão eram grandes, avolumando-se ao longo do processo. Os grandes veículos de comunicação ignoravam os protestos ou tratavam as/os manifestantes como baderneiras/os e a violência desmedida da polícia fazia-se presente.
No plano imediato, os motivos era, a redução da tarifa do ônibus; no plano da luta mais geral, a manifestação era contra um sistema entregue à lógica da mercadoria, em que “[…] a população é sempre objeto em vez de sujeito, [e] o transporte ordenado de cima, segundo imperativos da circulação do valor.” (MPL, 2013, p. 13). Demandava ainda mais investimentos estatal no setor de transportes públicos e se posicionava contrário aos gastos com juros e amortizações da dívida pública.
Na segunda fase, outras organizações e frações da sociedade compuseram as manifestações, multiplicando por mil a potência dos protestos; as posições políticas/ideológicas distanciavam-se das primeiras; reivindicações mais amplas se apresentavam, quase sempre, questionando os serviços ofertados pelo Estado; a mídia passava à ampla cobertura e mudava seu discurso em relação às manifestações; os governos começavam a atender as reivindicações das ruas; e houve uma diminuição drástica da violência policial – recordando que esse momento foi impulsionado também pela violência policial.
Portanto foi a partir da nacionalização dos protestos que uma massa de jovens se incorporou às manifestações, flertando tanto com as bandeiras relacionadas ao direito à cidade quanto com aquelas contrárias à corrupção.
“[…] a partir do momento em que importantes setores de classe média foram para a rua, o que havia sido um movimento da nova esquerda passou a ser um arco-íris, em que ficaram juntos desde a extrema-esquerda até a extrema-direita. As manifestações adquirem a partir daí um viés oposicionista que não tinha antes, tanto ao governo federal quanto aos governos estaduais e municipais. (SINGER, 2013, p. 34, grifo do autor).”
Nesse momento de impulso das manifestações, giros nas interpretações e posturas não tardaram a ocorrer. Os grandes veículos de comunicação, que tachavam as/os manifestantes de baderneiras/os e tentavam empurrar a população contra elas/es, viram-se obrigados a dar espaço ao que ocorria. Foi preciso desculpar-se das barbaridades inventadas e alterar sua grade de programação, cobrindo ao vivo e in loco o que acontecia, disputando com sua pauta a massa que estava nas ruas.
Do outro lado, porém, foram as/os manifestantes, com seus aparelhos de celular e ciberativistas na frente de seus computadores, que deram a real dimensão do que acontecia nas ruas. O fato tornou-se tão impactante que as mídias alternativas, tais como Mídia Ninja, Fora do Eixo dentre outras, tiveram audiências expressivas. As pessoas passavam a buscar nessas fontes a informação das ruas – estavam abertas as tais “guerras de narrativas”. Infindáveis discussões na internet serviram para difundir as informações, mas também para gerar muita contrainformação e mentira. Muitos cogitaram estar diante de uma nova ferramenta organizadora de protestos pois, um evento numa determinada rede social atraía uma multidão – a “alegria” durou pouco, bastou a onda movimentalista fazer seu recuo que os eventos na internet, por mais curtidos, confirmados e compartilhados que fossem, não atraíam o mesmo volume de pessoas.
“A partir do dia 20 de junho, sobretudo em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Campinas, cresceu a polarização política entre os movimentos sociais organizados. [Os] partidos e agrupamentos de esquerda ligados aos movimentos estudantis, e os agrupamentos de direita […] buscavam conquistar a condução de setores de massa durante os protestos. Os enfrentamentos com os setores da direita e a marcante presença de setores médios tradicionais a partir da massificação dos protestos alimentou interpretações a respeito das Jornadas de Junho […]. (BRAGA, 2017, p. 228).”
Basta recordar que, nas manifestações do dia 20 de junho, as esquerdas, ao tentarem continuar com a participação, estando num lugar que sempre entenderam ser o seu, sentiram o peso de uma massa que não os queria, ou que os queria caladas. Diante deste quadro, ficava quase impossível às esquerdas organizadas tomarem a dianteira do processo no momento de sua massificação.
A terceira e última etapa dos protestos caracterizou-se pela saída do MPL e de muitas/os manifestantes organizadas/os pelas esquerdas; as manifestações mantiveram-se volumosas, mas perderam forças; havia uma repetição na miríade de pautas, mas com objetivos mais específicos (redução de pedágios, derrubada da PEC 37, protesto contra o Programa Mais Médicos, etc.); a manutenção da mídia tradicional ordenando os protestos a seu gosto; a polícia voltando a usar da violência, agora contra as/os supostas/os baderneiras/os (SINGER, 2013) – como alvo principal, adeptas/os às táticas Black Bloc.
Nesse momento, outro fato que se destacou foram as organizações de esquerda, sobretudo as centrais sindicais, propondo novos atos e protestos, como o ensaio da greve geral dos dias 11 de julho (Dia Nacional de Lutas) e 30 de agosto (Dia Nacional de Mobilização e Paralisação). Parcela organizada da classe trabalhadora tentava unificar as lutas e suas principais bandeiras reivindicatórias. Isso foi possível, mas sem o mesmo impacto que as ações que acabavam de acontecer.
Após seu pico, “[…] a maior onda de mobilização popular da história brasileira refluiu em agosto para a participação de alguns milhares.” (BRAGA, 2017, p. 227), até dissipar-se em outras mobilizações e manifestações, mas sem a mesma força. Assim, estava selado o destino de Junho de 2013.

Bibliografia:
BRAGA, Ruy. A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global. São Paulo: Boitempo, 2017.

MOVIMENTO PASSE LIVRE. Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo. In: Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2013, pp. 13-18.

SINGER, André. Brasil, Junho de 2013. Classes e ideologias cruzadas. Novos Estudos Cebrap, 97, Nov., 2013. pp. 23-40.

 

* Luís Augusto Vieira é professor do curso de Serviço Social, do Câmpus Goiás – UFG e doutor na mesma área pela PUC-SP.

Veja os outros artigos publicados:

Então, era Junho de 2013 

Os “Junhos”, de Junho de 2013

E quem estava nas ruas em junho de 2013?

Nem sempre, mas sempre Junho de 2013!

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

Fonte: Secom UFG

Categorias: artigo Goiás