Destino do Cerrado está nas mãos de 0,06% da população brasileira
Cenário preocupante foi apresentado na palestra de encerramento do Conpeex 2024
Mario Barroso Neto abordou a situação crítica por que passa o Cerrado e apontou possíveis soluções (Foto: Evelyn Parreira)
Luiz Felipe Fernandes
Em um cenário em que 50% das áreas de Cerrado passíveis de desmatamento legal estão concentradas em menos de 3% das fazendas da região, e considerando que cada uma dessas fazendas possua um dono diferente, então 0,06% da população brasileira é quem vai decidir o que irá acontecer com o bioma.
A estimativa foi apresentada pelo biólogo e doutor em Ecologia Mario Barroso Ramos Neto, coordenador de Monitoramento da The Nature Conservancy, na palestra que encerrou o 21º Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal de Goiás (Conpeex/UFG), na última sexta-feira (8/11). Este ano o tema do Conpeex foi "Biomas do Brasil: diversidade, saberes e tecnologias sociais".
Mario iniciou sua fala com uma analogia: a compra de um telefone celular. Assim como ponderamos sobre a necessidade, a possibilidade e a pertinência de adquirir um novo aparelho, também devemos questionar nosso "consumo" do Cerrado.
"Estamos consumindo um patrimônio para atingir algo: o desenvolvimento econômico, social, PIB, etc. Mas até onde vamos com esse consumo? E quem precisa pensar sobre isso?", indagou.
De acordo com os dados apresentados, o Cerrado representa 22% do território nacional, abriga 12% da população brasileira e concentra 41% do rebanho bovino, 31% da pastagem plantada, 43% da soja em grãos e 48% da área plantada de soja do país. Esse cenário demonstra a pressão exercida sobre o bioma, que sofre com a expansão desenfreada da agropecuária.
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Palestra foi mediada pelo pró-reitor de Pós-Graduação da UFG, Felipe Terra Martins, que destacou a urgência do tema (Foto: Evelyn Parreira)
Momento crítico
Mario explicou que, a partir da década de 1970, a porção Sul do Cerrado começou a ser intensamente transformada – um processo que avança gradualmente para o Norte, seguindo os chapadões. O ritmo acelerado dessa transformação, que se concentra em apenas três gerações, coloca o bioma em um momento crítico.
De acordo com dados do MapBiomas, metade do Cerrado já foi ocupado, restando 32 milhões de hectares de vegetação nativa suscetíveis ao desmatamento legal, todos localizados em terras privadas. O Código Florestal, embora importante, exige apenas 20% de áreas preservadas nessas propriedades, o que se mostra insuficiente para garantir a proteção do bioma.
Projeções para 2030 e 2050 indicam uma diminuição drástica da vegetação natural, com estimativa de 8 milhões de hectares desmatados até 2030. A heterogeneidade do Cerrado exige, contudo, uma visão regionalizada da conservação. Segundo o palestrante, preservar apenas áreas isoladas não garante a proteção da biodiversidade do bioma em sua totalidade.
Uma das soluções apontadas pelo diretor da TNC é a transferência da pecuária para áreas de pastagem com baixa produtividade. "Se casamos essas informações: áreas de baixo vigor e necessidade expansão, será que não dá para fazer um troca? Em vez de desmatar, fazer uma melhoria nas pastagens? É possível fazer", afirmou.
Outros mecanismos
Para além do Código Florestal, Mario defendeu a implementação de mecanismos como compromissos de desmatamento zero nas cadeias de compra de commodities, legislações restritivas em mercados consumidores, como a União Europeia, mecanismos financeiros para restringir a conversão e melhorar a produtividade das áreas já abertas, incentivos financeiros para a expansão de commodities em áreas degradadas e conscientização da população sobre a importância do Cerrado.
O palestrante destacou ainda o papel crucial da academia na proteção do bioma. O Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da UFG foi citado como exemplo de excelência em pesquisa, integração de especialidades, visão crítica e colaboração com diversos setores da sociedade.
Fonte: Secom UFG
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