
Documentário retrata cotidiano da Feira Hippie
Egressos da UFG em Direção de Arte e Jornalismo trazem olhar introspectivo para a maior feira da América Latina
As lonas azuis que ocupam a Praça do Trabalhador, em Goiânia, dão a dimensão da Feira Hippie (Foto: Divulgação)
Eduardo Bandeira
A maior feira ao ar livre da América Latina, a Feira Hippie, que é realizada aos sábados e domingos ao lado da Rodoviária de Goiânia (GO), é a protagonista de um documentário produzido por profissionais egressos da Universidade Federal de Goiás (UFG). Dheniffer Wagata, graduada em Direção de Arte, e Gabriel Vilela, formado em Jornalismo, uniram-se para dar vida a Gigante Azul, uma obra carregada de sensibilidade e humanidade.
O filme, disponível no YouTube, foi construído como uma experiência sensorial. Não há entrevistas, narrações ou personagens centrais: a própria feira é a protagonista. As imagens e os sons foram pensados para que o público se sentisse caminhando entre as barracas, escutando o burburinho da montagem, o chamado dos vendedores, o tilintar das ferramentas, os passos, os silêncios e as explosões de vida. Dheniffer Wagata descreve que o processo foi de escuta e observação: sons ambientes foram captados em diferentes horários e contextos, e os produtores buscaram planos que expressassem a coreografia espontânea do cotidiano. A junção dessas paisagens, visual e sonora, permitiu criar uma imersão que convida o espectador a viver a feira por dentro.
Desde a concepção, os diretores optaram por uma abordagem imersiva e não interventiva. A proposta era fazer com que o espectador se sentisse dentro da feira, vivenciando sua rotina e atmosfera, sem mediações ou entrevistas diretas. Para isso, realizaram uma extensa pesquisa de pré-produção. Estiveram na feira durante semanas, fotografando, observando e conversando com os feirantes. Após essa imersão inicial, a equipe escolheu acompanhar alguns personagens de forma contínua, gravando por horas o cotidiano de suas bancas. A confiança com os feirantes foi construída com o tempo e o respeito, permitindo que as câmeras se tornassem quase invisíveis.
"Nossa principal referência foi a obra da cineasta brasileira Maria Augusta Ramos, que trabalha com um cinema observacional potente, onde a câmera é presença silenciosa e respeitosa. Seus filmes nos inspiraram a confiar na força do cotidiano e nos gestos mínimos. Também nos inspiramos em Entreposto [2019], curta dirigido por Gabriel Vilela, que já explorava uma linguagem documental próxima do jornalismo literário e também sem entrevistas", explica Dheniffer.
De acordo com a diretora, o processo de decupagem foi demorado e cuidadoso. Como a equipe trabalhou com um roteiro aberto, optaram por seguir uma lógica de acompanhamento do cotidiano, o que exigiu registrar longos períodos em cada banca, sem saber exatamente o que iriam encontrar. Inicialmente, usaram a fotografia como ferramenta de aproximação e estudo estético, testando ângulos, luzes e composições antes mesmo das filmagens.
"Gravamos horas de material com diferentes personagens e situações da feira. Posteriormente, realizamos a decupagem e catalogação de todas as imagens, organizando-as segundo o ciclo de vida da feira: montagem na quinta-feira à noite, movimento nos dias seguintes e desmontagem no domingo. Os planos gerais e médios foram escolhidos justamente para capturar a ação e o contexto sem interferência direta, valorizando o trabalho manual, os detalhes dos gestos e a movimentação coletiva. A feira é a personagem principal, e queríamos que o espectador a percebesse como um organismo vivo, em constante transformação", compartilha Dheniffer.
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Equipe de produção do documentário Gigante Azul durante as filmagens (Foto: Divulgação)
Rotina intensa e invisível
A equipe passou por muitos momentos marcantes e desafiadores. "A rotina de quem tira seu sustento da feira é intensa e, muitas vezes, invisível para quem a visita apenas aos domingos. Estivemos ali durante as madrugadas, acompanhando a montagem das bancas, convivendo com feirantes que dormem no local, cozinham entre as mercadorias e passam dias acampados sob as lonas. Ver de perto esse cotidiano foi impactante. Talvez um dos momentos mais simbólicos tenha sido presenciar a transformação da Praça do Trabalhador, vazia durante a semana, em um ecossistema vibrante, construído com esforço coletivo. A montagem e desmontagem da feira são cenas de uma coreografia humana que nos emocionou profundamente", conta Gabriel.
Os produtores acreditam que o público goiano, especialmente os feirantes e frequentadores, se reconhecem no filme com um olhar de admiração e respeito. Parte do público disse que se sentiu valorizado por ser retratado com sensibilidade, sem estigmas ou caricaturas. "O documentário revela a dignidade do trabalho e a beleza da rotina simples, e isso toca diretamente quem vive essa realidade. Nosso maior desejo era que essas pessoas se enxergassem com orgulho na tela, e felizmente temos sentido esse retorno de forma muito afetiva", revela a diretora de arte.
Em relação à arte de divulgação, ela foi pensada para sintetizar a alma do projeto: mostrar que a personagem principal do filme é a Feira Hippie, esse organismo coletivo, vibrante e efêmero. Mas, ao mesmo tempo, deixar claro que a feira só existe porque é feita por gente. A ilustração carrega essa dualidade: o cenário físico e o humano fundidos em uma só imagem. A arte convida o público a olhar além da estrutura da feira, enxergando as histórias que a sustentam.
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Arte mostra as diversas facetas da maior feira da América Latina (Imagem: Divulgação)
Força humana
A ideia do documentário surgiu da experiência intensa de vivenciar a vibração humana da Feira Hippie de Goiânia. Estar ali, entre as barracas, observando o fluxo incessante de pessoas, os rostos diversos, as histórias de luta e superação. A equipe sentiu que havia ali uma força humana que merecia ser registrada. Gigante Azul nasceu desse desejo: contar, com sensibilidade e imersão, as jornadas cotidianas de quem vive e trabalha sob as lonas azuis. Foi a própria feira que os inspirou.
Após a finalização do projeto, a equipe agora se concentra na produção da série Gigante Azul. Durante o processo de produção do curta, os produtores viveram a feira intensamente e gravaram mais de 60 horas de material. O curta-metragem, com cerca de 20 minutos, naturalmente deixou muitas histórias de fora. Por isso, a série surge como uma continuação necessária, um aprofundamento. Diferente do filme, que propõe uma imersão sensorial com a feira como protagonista, a série permitirá focar nas pessoas que constroem aquele espaço a cada semana. O projeto já foi aprovado pela Lei Goyazes e a equipe aguarda a liberação dos recursos para iniciar a produção. A previsão de lançamento é para 2026.
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Fonte: Secom UFG
Categorias: Gigante Azul Arte e Cultura Emac Fic Notícia 2