Crise do jornalismo é resultado da falta de qualidade na produção
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 61 – AGOSTO – 2013
Mesa-redonda: Crise do jornalismo é resultado da falta de qualidade na produção
Texto: Equipe Ascom e TV UFG | Foto: Matheus Geovane
O monopólio da informação, embora ainda esteja nas mãos dos grandes veículos de comunicação, começa a apresentar novos caminhos. Hoje, com as redes sociais e a internet, é possível ter contato muito rápido com os novos fatos e notícias e também dar voz a quem antes não tinha espaço. Se antes era necessário esperar as informações trazidas pelos meios de comunicação para ficar informado, hoje qualquer um pode gerar conteúdo e acabar pautando os veículos de comunicação. Essa facilidade levanta alguns questionamentos: Como produzir notícias hoje? Podemos falar que a mídia tradicional ainda agenda os assuntos que serão discutidos pela sociedade? Para falar sobre o assunto, o Jornal UFG em parceria com a TV UFG, em seu programa Conexões e a Rádio Universitária, convidaram o professor do curso de Jornalismo da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC/UFG), Edson Spenthof, a jornalista e vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, e o radialista Emerson Kran.
Qual o papel que a sociedade espera dos profissionais da comunicação hoje? O jornalismo está em crise? Com a internet e as redes sociais, a ideia do repórter que reporta notícias ainda é necessária?
Emerson Kran - A crise pode ser vista de diferentes formas, dependendo de quem faz a análise. Nas grandes redes, pode-se dizer que existe crise. Nos últimos meses, dois grandes jornais norte-americanos foram vendidos. Existe uma crise dentro do impresso, mas se você perguntar aos grupos que trabalham com mídias alternativas, não existe uma crise, existe uma reformulação na forma de produzir e distribuir esse conteúdo que antes do advento da internet estava nas mãos de poucos. No que diz respeito à capacidade de distribuição de conteúdos, a mídia ainda está nas mãos de poucos. A rede Globo detém 45% da audiência, mas, em contrapartida, fatura 70% do bolo publicitário. A crise pode ser vista de várias formas e é nesse ambiente que estamos verificando a revolução.
Edson Spenthof – Concordo que podemos pensar em crise por diversos pontos de vista. Há uma crise de modelo de negócios da mídia, um modelo baseado na concentração de poucos veículos, quase um monopólio de distribuição de informação de grande alcance. De fato, nesse aspecto, a internet criou um novo cenário, concorrencial, inclusive, para os veículos de comunicação. Por outro lado, agora mesmo, o Washington Post foi vendido para o magnata da Amazon que, em uma carta ao público e aos jornalistas mantidos na empresa, disse que o lugar do jornalismo na sociedade está mantido e precisa ser reforçado. Eu não concordo com algumas análises de que o jornalismo acabou. Houve uma mudança de plataforma de distribuição e veiculação e, com isso, rearranjos na forma de produção da notícia e informação. Mas a informação como coisa pública, que é fruto da modernidade, baseada nos direitos humanos fundamentais, entre eles, o de receber informações de qualidade e de credibilidade sobre a coisa pública, não acabou. Você pode fazer qualquer pesquisa com a sociedade, que ela vai dizer que continua querendo informação que tenha credibilidade, que não se misture com publicidade, opinião, informação institucional ou outras formas de expressão que possam contrariar as informações, razoavelmente puras, que o cidadão necessita para se orientar na sociedade. A constituição e a declaração de direitos humanos protegem a informação jornalística. As diversas formas de comunicação e expressão estão distintamente protegidas na constituição. A informação jornalística está especificamente nominada no parágrafo primeiro do artigo 220 dentro do capítulo da Comunicação Social – “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” – e não especifica o que é jornalístico. Ficou subentendido como jornalístico o que se pratica como jornalismo na sociedade, em seus mais altos valores: a pluralidade, a verdade, a fidelidade aos fatos, etc. A internet trouxe a concorrência ao negócio da empresa, a possibilidade de comunicação maior do que antes e uma possibilidade de oferecer também uma outra versão dos fatos. Contudo, isso não transformou o cidadão em jornalista. Uma pesquisa recente mostrou que pessoas que têm internet não sabem dos fatos em primeira mão pela mídia tradicional. Mas a mesma pesquisa mostrou que as pessoas vão aos veículos tradicionais para checar a informação. Isso demonstra a necessidade da mediação jornalística de qualidade. E porque o cidadão não vira jornalista? O cidadão produz um tipo de informação interessante e colaborativa com a mídia, mas, para fazer jornalismo, ele terá que ouvir fontes, contextualizar e utilizar os valores jornalísticos para ter credibilidade, confiabilidade e utilidade, prestando um serviço verdadeiramente público.
Maria José Braga – O cidadão não vira jornalista, assim como não vira contabilista, farmacêutico ou motorista. Existe nas sociedades complexas contemporâneas uma divisão do trabalho, não meramente para a exploração capitalista do trabalhador, mas por existir várias atividades que precisam ser desempenhadas por profissionais que se capacitaram e adquiriram habilidades para exercer a profissão. O jornalismo é uma profissão questionada inclusive pelos próprios profissionais e isso é espantoso. E o motivo é simples: todos nós nos comunicamos. Por isso, parece muito simples que todos nós possamos produzir informação. Nós dialogamos com pessoas que estão próximas e, com as novas plataformas, dialogamos com um número expressivo de outros cidadãos. Mas precisamos diferenciar o que é informação jornalística. Informação, todos produzimos. Um professor de biologia produz muito mais informação sobre biologia do que um jornalista. Mas o jornalista é o profissional que pode trabalhar as informações que são produzidas por outros profissionais e fazer isso chegar de forma bastante compreensível para o público em geral. Quando falamos de informação jornalística, estamos falando de uma informação específica que pressupõe uma mediação com as produções de fontes de informação e um burilamento dessa informação com base nas técnicas e princípios jornalísticos que estão por trás da produção da informação. E é muito estranho que surjam debates sobre o fim do jornalismo. Para a Fenaj e para a Federação Internacional dos Jornalistas, o jornalismo se reafirma como necessidade nessa profusão imensa de informação que, muitas vezes, mais confunde do que esclarece.
Até pouco tempo dizíamos que a mídia agendava a sociedade. Com a internet isso ainda ocorre? Pode-se dizer que as redes sociais têm sido fontes, termômetros ou são hoje veículos de comunicação?
Edson Spenthof - O agendamento continua sendo feito pela mídia tradicional. A mudança de plataforma e a concorrência tanto do ponto de vista do negócio, quanto da informação que as novas tecnologias trouxeram não tiraram ainda o lugar chave que a mídia tradicional ocupa em termos de potencial de difusão de informações. O que as mídias irradiam de conteúdos diversos ainda impacta na esfera pública e na opinião pública. Muitas análises fazem pensar que acabou a mídia e o jornal impresso. Aliás, as associações internacionais preveem que, no Brasil, o jornal impresso ainda tenha uma vida útil de 15 a 20 anos, talvez na Europa e nos EUA, cinco anos. Mas quando eu vejo a Amazon comprando o Washington Post e apostando no jornalismo, penso que talvez essa previsão fure. A sociedade sempre agendou a mídia, com menos poder do que no sentido contrário e com menos poder que hoje, com as redes sociais. A sociedade hoje além de agendar melhor a mídia, com mais impacto e influência, também agenda mais diretamente a própria sociedade. As trocas de informação se dão à margem da mídia. Isso não elimina a necessidade da mediação profissional e institucional do jornalismo. Antes da internet várias organizações sociais começaram a entender o que chamamos tecnicamente de valor- notícia e começaram a produzir o que se chama genericamente de factoides. O Greenpeace, o Movimento dos Sem- Terra (MST) e a Agência Nacional dos Direitos da Infância e Adolescência (ANDI) começaram a fazer isso muito bem. O Greenpeace quando quer impedir que um navio transatlântico seja utilizado, coloca várias pessoas peladas em volta e, pronto, a cobertura é imediata.
Hoje vemos, com as manifestações, o surgimento de movimentos, como o Mídia Ninja, sem qualquer formação ou ligação com o jornalismo, que estão produzindo não só os factoides, mas também divulgando informações. O que são esses movimentos?
Edson Spenthof – Esse é o outro lado. Antes era preciso criar os factoides, porque não se tinha tecnologia nas mãos, mas hoje se pode fazer isso diretamente. Mesmo assim, muitos desses movimentos pretendem ainda agendar a grande mídia, para que ela cubra o fato com sua grande capacidade de difusão. Outros movimentos não estão dando a importância para a grande mídia e querem mesmo é se comunicar diretamente com a sociedade. A análise a ser feita é se há qualidade nessa produção, porque o cidadão tem o direito de receber informação de qualidade. O agendamento, em minha opinião, continua ocorrendo pela mídia tradicional e hoje ocorre com mais força da sociedade para as mídias tradicionais e da sociedade para a sociedade. No sentido horizontal e vertical.
Maria José Braga – O agendamento ganhou força com as novas tecnologias e, principalmente, com a internet para os públicos segmentados. A sociedade é múltipla e diversa. Outro dia tomei conhecimento, com certo espanto, do mundo dos skatistas, ao levar uma criança para uma pista de skate. Eles trocam informações com uma agilidade impressionante e têm seus produtos, seu mundo de interesse específico. E assim, existem outros diversos mundos na sociedade. Agora para o agendamento do que está dominando a opinião pública, no conceito consagrado, que é o que está presente na discussão da sociedade organizada, a mídia ainda desempenha um papel fundamental.
Edson Spenthof – E por isso a luta pela democratização da mídia não pode parar.
Maria José Braga – Exatamente. Porque os setores da sociedade precisam ter acesso a esse agendamento geral da opinião pública. Um exemplo recente são as manifestações que ocorreram em junho em capitais brasileiras. O que está em debate? Uma insatisfação genérica da sociedade brasileira. Mas a mídia fez um agendamento. Por trás da insatisfação genérica, a mídia colocou em debate a reforma política e não as redes sociais e os manifestantes em si. Podemos avaliar que houve interesses políticos por trás desse agendamento e uma tentativa de desestabilizar o governo. A mídia procurou dar um sentido para aquelas manifestações que tratavam de temas diversos e muitas vezes pulverizados que, com exceção da questão do transporte, não desencadearam uma luta concreta e um ganho real para a sociedade. Nesse aspecto, a mídia tradicional desempenha ainda um papel crucial do agendamento do que vem a público e do que se constitui, posteriormente, como opinião pública.
Emerson Kran – Precisamos analisar o surgimento de grupos e movimentos que construíram, ao longo do tempo, as mídias alternativas, que hoje são usadas pelo cidadão comum, mas que também têm agregado profissionais que, pela falta de espaço na grande mídia, migram para esses veículos, estabelecendo novos modelos e formatos. Devido ao barateamento das tecnologias, esses grupos adquiriram equipamentos e fizeram com que a informação construída por eles viesse à tona, criando um público para essas mídias e veículos. Temos historicamente o debate das rádios comunitárias, que, em geral, não são feitas por profissionais, excetuando os casos de rádios que foram parar nas mãos de políticos ou de igrejas e de pequenos microempresários de emissoras de rádios que migraram de forma oportunista para a radiodifusão comunitária. Por outro lado, temos o caso em São Paulo da criação da Rede Brasil Atual, com três emissoras de rádio e duas de televisão. São concessões que vêm desconstruindo o discurso do conteúdo produzido pela grande mídia. Temos jornais, revistas, sites, blogs produzidos por profissionais radialistas, jornalistas. O Mídia Ninja, por exemplo, é coordenado por um jornalista e agrega pessoas que estão produzindo um modelo de informação que se adequa a uma necessidade dos consumidores de informação.
Maria José Braga – Mas quando destacamos o papel da mídia tradicional, não estamos defendendo nem o modelo, nem a linguagem dessa mídia. Quando se fala em crise do jornalismo, só se fala nisso em função do mau jornalismo praticado em inúmeros veículos do Brasil e do mundo, que fazem a confusão de jornalismo com entretenimento, com opinião rasa. Porque, é claro, existe o jornalismo de opinião, mas ele precisa ser orientado e embasado, e a produção precisa ser melhorada e repensada. E aí esses veículos de mídia independentes e, inclusive, os veículos que estão sendo lançados por organizações e governos são formas de fazer essa diversificação e, por meio da pluralidade e diversidade, melhorar os conteúdos. A UFG tem uma televisão, constituída como uma tv pública, que debate as questões de interesse da sociedade, mas também da universidade, é esse o papel dela. Assim podemos enumerar várias organizações e instituições que estão contribuindo para a democratização dos meios de comunicação e, obviamente, movimentos que surgem independentes de organizações, como é o caso do Mídia Ninja, que traz uma contribuição efetiva, para que possamos avaliar o que está sendo produzido e como os veículos tradicionais de mídia pecam na cobertura que fazem.
As manifestações populares foram abordadas com diferentes versões na mídia, principalmente se compararmos as mídias tradicionais e alternativas. Como podemos discutir a imparcialidade e a objetividade do trabalho jornalístico nessa cobertura?
Maria José Braga – O jornalismo produz informações com técnicas jornalísticas, que implicam a apuração rigorosa dos fatos e a oitiva do maior número possível de fontes. Justamente para que se possibilite ao cidadão comum, que não presenciou o fato ou que não está totalmente integrado sobre um debate importante, a partir dos elementos diversos que a reportagem produz, tirar as suas conclusões. Isso é fundamental e é o essencial do jornalismo. Desse princípio jornalístico o profissional não pode abrir mão. Mas não estou dizendo que ele não abre mão. Temos o mau jornalismo feito com pressa ou pelas circunstâncias, mas o profissional não pode abrir mão desses princípios. O cidadão comum que difunde informações, às vezes, nem mesmo conhece esses princípios e por isso não pode defendê-los. Nós da Fenaj defendemos o jornalismo como atividade essencial para a sociedade, para a democracia e defendemos a profissionalização para garantir ao cidadão o acesso a informações produzidas sob os princípios do jornalismo.
Emerson Kran – Em relação às manifestações, existe um vácuo muito grande não só de interpretação, mas de fatos e da veracidade dos conteúdos produzidos. Quando você passa pelas várias mídias você vê isso. A Rádio Favela de Belo Horizonte, por exemplo, fala para um público de 130 mil pessoas, um público considerável em volume. Essa rádio tem 100% de uma audiência. Uma audiência que não lê jornais, mas vê a televisão todas as noites. Dada à peculiaridade deste tipo de veículo de informação, as pessoas ouvem essencialmente aquele veículo. Nós temos outros casos, em relação ao impresso, produzidos por esses cidadãos. Nesses veículos alternativos, existem pessoas que não têm a formação, mas tem a necessidade de ouvir, falar e ser ouvido. E aí existe uma crise. Se a universidade abriu um curso de Direito Agrário para pessoas que não tiveram acesso ao curso de Direito pelo ingresso universal, por que não pensar em mecanismos de melhoria deste cidadão que também produz a informação?
Maria José Braga – Você está dizendo o tempo todo que esse cidadão está se profissionalizando e é essa nossa defesa: que haja profissionalização. Porque o jornalismo requer investimentos em recursos humanos e materiais. O cidadão, que pelas circunstâncias está produzindo informação, precisa se profissionalizar. Essa é a questão.
Edson Spenthof – Nesses veículos que você citou, as pessoas não têm o direito de fazer uma comunicação unilateral. Falar para 130 mil pessoas e dar uma única versão é usar de um privilégio inaceitável.
Mas a mídia não faz isso em nenhum momento?
Maria José Braga – Faz e é mau jornalismo.
Edson Spenthof – As pessoas acham que por ser comunitário não deve ser plural. O veículo comunitário se diferencia do comercial e do público por dar um determinado enfoque, e aí estamos falando de pauta e não de valores institucionais. Os veículos comunitários dão a ótica da comunidade e por isso precisam existir e, nesse sentido, eles democratizam a informação. Não necessariamente precisam ser profissionalizados, quando se fala para pequenas comunidades, mas os valores mais genuínos da democracia precisam ser incorporados. E 95% dos movimentos de comunicação comunitária não fazem isso e são contraditórios, e eu falo de dentro porque integrei a direção da Associação de Rádios Comunitárias de Goiás e conheço como funciona. As rádios comunitárias não são democráticas. Elas vão falar de segurança pública e não chamam o secretário de segurança pública porque “ele é inimigo”. Todas as versões precisam ser ouvidas. Temos que entender que a informação pública tem de ser considerada como patrimônio público. Não importa quem faça isso. Senão o cidadão posicionado de forma privilegiada, difundindo em longa distância a informação, usa essa posição para fazer valer a sua versão, sem chamar as diversas opiniões. Agora confrontar as versões, com outras informações, sendo mais plural do que a mídia tradicional, é ótimo, porque a mídia tradicional não é plural e isso é mau jornalismo.
Para assistir a gravação desta entrevista acesse o Programa Conexões no sítio www.tvufg.org.br/conexoes
Fonte: Ascom UFG
Categorias: Mídia Mesa-redonda Jornalismo
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