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Universidade Federal de Goiás
Capa pesquisa trans novelas

Pesquisa analisa discurso da imprensa sobre personagens transexuais em novelas

Em 10/09/24 13:32. Atualizada em 12/09/24 13:24.

Apesar dos avanços, estigmatização e transfobia ainda estão presentes na mídia

Eduardo Bandeira

São 21h30. Os créditos finais do jornal deslizam pela tela, enquanto o narrador, com voz serena, anuncia que a novela está prestes a começar. Assim são as noites de milhares de brasileiros, em um país em que a telenovela é um de seus principais produtos culturais.

Uma das principais razões para a popularização dessa forma de ficção televisiva é a sua representação da realidade, por meio de personagens que refletem questões sociais, econômicas e culturais, e que enfrentam batalhas que fazem alusão às experiências dos telespectadores, gerando identificação.

Em sua pesquisa de mestrado, o jornalista Mario Camelo se propôs a analisar como, ao longo do tempo, a imprensa brasileira abordou personagens transexuais e travestis em novelas. O estudo foi realizado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás (PPGCOM/UFG), sob orientação do professor Alexandre Tadeu dos Santos.

O levantamento realizado para a identificação da cobertura jornalística revelou um cenário de sub-representação: de 84 novelas levadas ao ar pela TV Globo de 2012 a 2022, apenas 19 tiveram personagens trans representados, o que equivale a 22,6% do total.

Antes disso, porém, personagens transexuais marcaram o audiovisual brasileiro. Em 1995, a personagem Sarita Vitti, interpretada pelo ator Floriano Peixoto na novela "Explode Coração", chamou a atenção do país. Na época, a personagem foi severamente marginalizada e ridicularizada na mídia.

"Eu me lembro de assistir à personagem na televisão, e quando entrei no mestrado decidi que queria estudá-la. Então fui pesquisar as notícias sobre ela e encontrei um mar de transfobia", relata o pesquisador.

 

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Mario

Mario Camelo pesquisou a cobertura jornalística de personagens transenxuais em novelas no mestrado em Comunicação da UFG (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Anos 90: estigmatização

Segundo Mario, nas matérias dos anos 1990, há um claro predomínio de estigmatização em relação à transgeneridade, com um discurso frequentemente transfóbico e agressivo. Além disso, Mario identificou outras características nos textos, como ridicularização, patologização e cis-heterosexismo.

Em contraste, as matérias de 2017 mostram uma evolução positiva na abordagem da transgeneridade. Houve um avanço na utilização correta dos pronomes e uma maior sensibilidade em relação aos conceitos de identidade de gênero e orientação sexual.

"O Ivan, de 'A Força do Querer', em 2017, foi o primeiro personagem a viver uma transição de gênero numa telenovela. Então a autora teve muito cuidado com essa abordagem", afirma o pesquisador.

Na comparação com os anos anteriores, as matérias mais recentes revelam um aumento na didática das reportagens, explicando conceitos como transgeneridade. Entretanto, ainda é possível perceber uma representação negativa, tratando pessoas trans como algo abominável ou invasoras de espaços, o que reflete um estigma contínuo na mídia.

 

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Sarita

Personagem Sarita Vitti, interpretada por Floriano Peixoto na novela "Explode Coração", foi abordada de forma estigmatizada (Imagem: Reprodução)

 

Referências

Mario acredita que é necessário ter narrativas que naturalizem a presença de pessoas trans no cotidiano. Ele menciona que grande parte das referências do público vem da televisão, por isso considera importante que novelas ajudem a criar essa naturalização.

"A novela é um produto de comunicação muito poderoso, milhões de pessoas a assistem todos os dias e se identificam com ela. É algo intrínseco à realidade do brasileiro, presente diariamente nas casas das pessoas. Por isso, eu queria abordar a perspectiva da transgeneridade dentro de um meio de comunicação abrangente que pode mudar percepções na sociedade", considera.

Ao Jornal UFG, o pesquisador revelou que um de seus principais medos ao abordar o tema era o fato de não ser uma pessoa transexual. No entanto, para obter propriedade que embasasse seus argumentos, ele conversou com diversas pessoas trans que faziam parte de seu grupo social, profissional e até mesmo familiar.

"A forma como essas pessoas são tratadas sempre foi algo que me indignou. Inclusive, já presenciei cenas de transfobia, como por exemplo na companhia de minha amiga em um episódio lamentável, no qual ela sofreu transfobia no banheiro", relata.

 

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Ivan

Ivan, de "A Força do Querer", foi o primeiro personagem a passar pela transição de gênero durante uma novela (Imagem: Reprodução)

 

Ausência de dados

Mario conta que o principal desafio encontrado para produzir sua dissertação foi a ausência de dados estatísticos. Todos os relatórios utilizados por ele foram provenientes de iniciativas e grupos independentes, pois existe a lacuna no poder público de coletar informações quanto à realidade de pessoas transexuais e travestis. Mario atribui essa barreira ao desinteresse de mensurar tais dados e de melhorar a vida dessas pessoas.

Para o pesquisador, esse estudo pode ser uma ferramenta para abrir caminhos dentro da comunicação, especialmente na assessoria de imprensa, área em que trabalha. Ele observa que muitos jornalistas ainda não sabem como lidar adequadamente com questões relacionadas a pessoas trans e frequentemente lhe perguntam se estão utilizando os termos corretos.

 

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Fonte: Secom UFG

Categorias: Estudos Queer Humanidades Fic Destaque Notícia 2