
Entre soluções inovadoras e conflitos éticos: o uso da IA na educação
Para professora da UFG, ensino sem reflexão crítica compromete a formação e esvazia o processo de aprendizado
Inteligência artificial já é utilizada em sala de aula, mas evolução rápida prejudica debate sobre boas práticas (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
Eduardo Bandeira
O uso da inteligência artificial (IA) na educação tem gerado controvérsias, especialmente no que diz respeito à autoria e à propriedade intelectual. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma estudante da Universidade Northeastern pediu reembolso após descobrir que o professor utilizava o ChatGPT para preparar as aulas.
Para a professora do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (IQ/UFG) Tatiana Ertner Martins Duque, o caso da estudante norte-americana serve de alerta: o uso da IA pode comprometer a capacidade produtiva e crítica do indivíduo.
"Veja que o que a perturbou foi o fato de perceber que não contava com a habilidade do professor de oferecer uma visão crítica sobre o conteúdo, ao entregar apenas material gerado por IA. O que ela sentiu falta foi da humanidade, da segurança de poder contar com a reflexão e o debate em sala, pois entendeu que o uso da IA eliminava o caráter único da mediação docente".
A professora destaca que, embora a inteligência artificial já esteja transformando metodologias de ensino, sua rápida evolução dificulta o acompanhamento e o controle de práticas inadequadas.
Sobre o que caracteriza o mau uso da IA, Tatiana explica que a preocupação surge, por exemplo, quando estudantes entregam trabalhos que passam pelos detectores de plágio, mas não refletem sua real capacidade de pensar e se expressar. "Essas são justamente as habilidades que os professores precisam acessar para avaliar o aprendizado".
Segundo a professora, para criar diretrizes claras, é preciso primeiro entender o que significa integridade. O plágio não é negativo apenas por copiar sem contribuir com algo novo, mas também por "roubar" do indivíduo a oportunidade de construir, expressar e defender suas próprias ideias, um processo essencial para valorizar a criação intelectual.
De quem é a responsabilidade?
Tatiana lembra que, no ano passado, o estado do Piauí foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesc) como o primeiro território nas Américas a implementar o ensino de IA na educação básica. O feito, segundo ela, é motivo de orgulho, mas também de preocupação. "Isso porque a responsabilidade de ensinar o uso ético da IA acaba recaindo sobre a empresa", pontua.
De acordo com a professora, duas ferramentas fundamentais para lidar com os direitos de propriedade intelectual relacionados à autoria são o conhecimento e a informação. "Quando as pessoas entendem o que é propriedade intelectual, passam a valorizar sua própria criação e, por consequência, a respeitar a dos outros.
A percepção de que a propriedade intelectual nasce do esforço individual, gerando um produto único que ninguém mais poderia criar, leva ao reconhecimento da autoria – própria e alheia – e, portanto, a decisões mais éticas. Isso também reduz a tendência de delegar todas as tarefas à IA, pois entende-se que o produto gerado não reflete a habilidade única do indivíduo, e, por isso, não é verdadeiramente seu".
Tatiana ainda defende o uso correto de citações e a identificação de conteúdos produzidos por IA como formas de mitigar os danos causados pelo uso indevido dessas tecnologias no meio acadêmico. Na sua visão, o treinamento em conceitos de propriedade intelectual, formas de proteção, direitos e deveres é essencial para promover o uso ético e responsável da IA.
Soluções personalizadas
Em relação aos benefícios da inteligência artificial como ferramenta de apoio, Tatiana menciona as possibilidades de soluções personalizadas e inovadoras, especialmente para estudantes neurodivergentes. A professora cita, por exemplo, ferramentas que auxiliam pessoas com dificuldades de leitura ou de compreensão durante uma palestra.
"Esses são pequenos exemplos do que pode ser feito com a IA para proporcionar um ensino que atenda às necessidades individuais. E cada vez mais soluções inovadoras têm surgido nesse sentido".
Por fim, a professora pondera que, embora o sistema de proteção à propriedade intelectual já esteja preparado para acolher os avanços trazidos pela IA, o comportamento humano ainda não parece adaptado para superar preconceitos enraizados. Para isso, Tatiana defende o papel do Estado na garantia de acesso a ferramentas que possibilitem o uso da IA como instrumento de democratização do ensino.
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Fonte: Secom UFG
Categorias: Tecendo a ConsciêncIA Tecnologia IQ