Nossos horizontes móveis e o Junho de 2013
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 61 – AGOSTO – 2013
Nossos horizontes móveis e o Junho de 2013
Texto: Raniê Solarevisky de Jesus* | Foto: Divulgação
Boa parte dos textos sobre a onda de protestos no Brasil (que ninguém parece saber dizer se já passou) tem louvado as redes sociais e a internet como as responsáveis pelo que vimos nas ruas em junho deste ano. Mas, provavelmente, os dispositivos que tornaram as manifestações possíveis e/ou tão grandes não estejam em nossas casas, conectados a teclados e monitores fixos, mas em nossos bolsos. O celular substituiu as velas acesas nos shows e as tochas flamejantes das ruas de outras eras. Não bastasse isso, tornou-se canal para a criação de novos passeios, em espaços que visitamos todos os dias, mas onde nunca colocamos os pés de fato.
A palavra “ciberespaço” já existe há algum tempo, mas só recentemente passou a fazer mais sentido. O ambiente vazio que só era utilizado por experts e acadêmicos foi preenchido com pessoas de todos os tipos, que passaram a utilizar blogs, salas de bate-papo e, há pouco mais de dez anos, redes sociais e os incontáveis sites pessoais. Os smartphones concederam acesso a esse novo território. Em meio a uma infinidade de outras funções, quem tem um “celular inteligente” pode estar em dois lugares simultaneamente, na rua e nos espaços sociais da internet. É algo como o encontro de dois mundos, a superação da ideia de uma oposição entre “real” e “virtual”. A experiência é equivalente a navegar em um transatlântico chique: podemos visitar o salão de festas, a piscina, ou admirar a vista no convés e, ainda assim, estaríamos, ao mesmo tempo, cruzando o oceano.
Se antes o privilégio do “ao vivo” era apenas do repórter profissional, agora qualquer um pode fazer uma transmissão de vídeo em tempo real usando um serviço como o Twitcast ou postar fotos e textos no Facebook, no Twitter ou no Instagram. Portanto, o uso de dispositivos móveis (celulares, tablets e afins) conectados à internet reconfigura espaços e permite novas maneiras de se comunicar. A mais evidente, como já mencionado, é a possibilidade de se estar em dois lugares ao mesmo tempo. Diferente do jornalista que fala para uma audiência que ele desconhece em frente à câmera, com um protesto ocorrendo às suas costas, o manifestante conectado da Praça Tahrir ou do Rio de Janeiro percorre as ruas da cidade e as infovias das redes sociais simultaneamente. Ele realiza ações, gera reações, faz-se visível nos dois espaços e se comunica diretamente com seus pares que caminham ao seu lado no asfalto e com os que ficaram em casa ou no trabalho.
Essa realidade cria uma imagem de conexão permanente que pode ser benéfica e perigosa, como se estivéssemos o tempo todo na fronteira entre os acontecimentos do mundo concreto e os fluxos de dados da internet. Benéfica, porque permite reunir e compartilhar documentos e testemunhos de forma instantânea: a informação de um acidente; a repressão de autoridades; o parto do primeiro filho. Perigosa, porque ainda não há leis nacionais específicas que possam resguardar o uso de imagens e informações alheias colhidas com os mais de 200 milhões de dispositivos ativos em nosso território – ficamos atrás apenas da China, Índia e Estados Unidos.
Apesar de ter sido projetado para uso individual – o formato portátil, a tela pequena e o alto nível de personalização – o celular foi construído com o propósito de comunicar. Ao contrário do computador, sua razão de existir é essencialmente voltada para o social. O computador pessoal não foi criado para a comunicação entre pessoas (o primeiro serviço de e-mail gratuito foi lançado perto dos anos 2000), mas para acumular e agilizar tarefas de escritório, conforme os anúncios televisivos exibidos no início dos anos 1980 e destacavam os editores de texto e imagem, a possibilidade de imprimir e transferir arquivos em disquete, e a facilidade de acesso proporcionada pela interface.
O aparelho popularizado por Steve Jobs e Bill Gates não tem condições de fazer seu usuário habitar a zona mista da mobilidade de nossos dias. Quem se sentou em frente ao monitor não conseguiu fazer mais do que acompanhar as manifestações de junho ou agir somente no ciberespaço, ao invés de participar delas num post no Facebook, ao mesmo tempo em que está no meio da multidão em movimento. Além disso, as vantagens técnicas de programas ou utilitários específicos dos PCs já estão em vias de desaparecer. A Nvidia, importante empresa fabricante de placas de vídeo, já anunciou que os notebooks serão superados por dispositivos móveis dentro de cinco anos, ainda que a teoria de substituição imediata de uma tecnologia anterior pela mais nova tenha séculos de provas em contrário.
Quantidades incalculáveis de aplicativos inundam os aparelhos mais avançados, oferecendo funções diversas. Dessas funções, as mais importantes parecem ser os programas que transformam os celulares em dispositivos sensíveis ao contexto, as chamadas mídias locativas. São redes como o Foursquare, o Colab ou o Waze, que fornecem informações baseadas na localização do usuário, como a melhor pedida no restaurante mais próximo, um bueiro sem tampa à frente ou um congestionamento. Informações desse tipo, bem como a localização dos amigos, são obtidas pelo rastreamento da posição do usuário na cidade e já motivam vários estudos na academia para compreender as implicações disso na forma como nos comunicamos.
Resta-nos esperar que o uso desses dispositivos não se limite aos propósitos singulares e individuais e, principalmente, que as pessoas continuem a se mover – tanto nas calçadas quanto nas timelines – e a ressignificar os espaços urbanos. Se as manifestações de junho servem de amostra, o potencial para grandes mudanças parece estar, mais do que nunca, em nossas mãos.
*Raniê Solarevisky de Jesus é mestrando da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC/UFG)
Fonte: Ascom UFG
Categorias: Comunicação artigo dispositivos móveis
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